209 mil portugueses dão sangue. Jovens são apenas 14%
Em Portugal, há cerca de 209 mil dadores de sangue de acordo com os dados mais recentes (2017) recolhidos pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST). Destes, apenas 14% são jovens entre os 18 e os 25 anos. Isto é, 29 260 pessoas.
"O grupo de dadores até aos 25 anos tem vindo a diminuir ao longo destes 12 anos (2004-2016) e a descida tem sido constante. Enquanto no caso dos indivíduos com 55 ou mais anos tem vindo a aumentar", diz Luís Negrão do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, responsável pelo relatório desta entidade sobre as doações de sangue entre os jovens.
Não só há menos dadores entre os mais novos (em 2014 eram 21 150 e em 2016 havia 17 mil), como estes são também quem dá sangue menos vezes durante o ano. Em média um jovem até aos 25 anos faz 1,2 doações por ano enquanto os cidadãos a partir dos 55 fazem cerca de 1,7. "Ou seja, quase que são precisos dois jovens com menos de 25 anos para substituir cada um dos dadores que saem com 55 ou mais anos", indica Luís Negrão.
A principal razão para o rácio de jovens dadores ser tão baixo está relacionada com as questões demográficas. No entanto, o envelhecimento populacional não pode ser apontado como o único fator. Para o seu estudo, Luís Negrão calculou o índice de renovação da população dadora em idade ativa, confrontando a relação entre a população que está a entrar e a que está a sair do mercado de trabalho com o número de dadores, a partir de dados disponíveis pelo Instituto Nacional de Estatística. Concluiu que no período em análise houve uma diminuição na ordem dos 39% da população entre os 18 e os 25 anos, quando "houve uma redução de quase metade dos dadores. Isto foi bastante acentuado no centro de saúde de Coimbra em que a redução foi de 53,6% e no centro de saúde do Porto em que a redução foi de 59,2%. No centro de saúde de Lisboa foi ligeiramente menor, foi de 27,5%", revela o técnico do Instituto Português do Sangue e da Transplantação.
Luís Negrão considera que há mais jovens a dar sangue na zona de Lisboa por na capital se realizarem diversas ações de sensibilização. Ele próprio é responsável pela organização de visitas de estudo ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação há 30 anos. Nestas ocasiões aproveita para consciencializar os alunos sobre a importância dos dadores e para colocar "os jovens a mexerem num saco que tem vida". "Eles apalpam aquilo como se estivessem a mexer no ouro e reconhecem que aquilo é um bem valioso".
"Os jovens são benévolos. Eles estão presentes. Muitas vezes só não estão suficientemente bem informados", acredita também Alberto Mota, o presidente da Federação Portuguesa dos Dadores Benévolos de Sangue (Fepodabes). O aumento de dadores pode acontecer com um maior "envolvimento do ensino, da sociedade em geral e até do Ministério da Saúde", propõe o presidente da Fepodabes.
É, aliás, isto que o Instituto Português do Sangue e da Transplantação tem vindo a fazer, promovendo colheitas bianuais nas universidades para despertar as gerações mais jovens para a importância da doação. "Acho que falando com os jovens, eles compreendem. Por isso é importante ir às escolas secundárias, politécnicos e faculdades para mostrar que isto é um gesto de cidadania importante. Dizer-lhes uma coisa muito simples: o sangue não se fabrica e qualquer um de nós a qualquer momento pode precisar de uma transfusão de sangue", sugere o presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, João Paulo Almeida e Sousa.
"Os resultados estão a melhorar, o que é positivo, embora o aumento seja discreto", diz João Paulo Almeida e Sousa. Em 2016, havia 13,5% de dadores jovens e, em 2017, 14,35%.
Luís Negrão olha para estes números de forma mais apreensiva: "Se continuarmos sentados sem fazer nada, à espera de que o dador apareça, nós vamos ter problemas graves." Mas também acredita no poder da educação e da sensibilização.
"A única forma que eu tenho para cativar os jovens a darem sangue é mudar a opinião que eles têm da dádiva de sangue. Eu não quero mendigar a dádiva de sangue junto dos jovens. O Salvador Sobral conseguiu um feito inédito em Portugal: ganhou a Eurovisão. Ele é uma figura pública e a sua situação clínica torna-o ainda mais famoso. O que eu quero é que os jovens reconheçam que foi graças a várias mãos amigas que o Salvador Sobral vai poder ter muitos anos. A equipa cirúrgica operou, houve alguém que lhe deu o coração e houve várias pessoas que contribuíram com o sangue", refere Luís Negrão.
"Em muitos casos, a solução reside numa mão amiga que se abre e fecha pausadamente para encher um saco de 450 ml de sangue", acrescenta.
Todos os dias são precisas entre 900 e 950 unidades de sangue nos hospitais portugueses - e estas estão disponíveis. "As nossas reservas nacionais estão perfeitamente estáveis, desde há alguns anos. O número de dádivas ainda é superior àquele que é transfundido", indica João Paulo Almeida e Sousa.
Há, no entanto, épocas em que existe menos sangue de determinado tipo - o que se contorna com campanhas, que por norma têm bastante adesão. "As reservas de sangue em Portugal apresentam sempre uma sazonalidade: março, abril, maio e junho estamos confortáveis. Julho, agosto e setembro menos confortáveis, porque as pessoas vão de férias, deslocam-se dos locais habituais onde costumam dar sangue", explica o presidente da Fepodabes. Mas esta diminuição é contrariada muitas vezes com uma campanha que envolve a deslocação de uma carrinha de recolha de sangue para perto de várias praias.
Podem dar sangue todas as pessoas entre os 18 e os 65 anos. Sendo que para os que o fazem pela primeira vez só têm até aos 60 anos. É ainda necessário ser saudável e pesar no mínimo 50 quilos.
Antes da doação, é preciso passar por uma consulta para confirmar que o dador reúne de facto todas as condições para dar até 450 ml de sangue (o limite máximo que se pode retirar sem prejudicar um dador, o que corresponde a menos de 10% dos cinco a seis litros que circulam no corpo de um adulto). Uma vez confirmada esta possibilidade, passa a poder dar sangue de quatro em quatro meses, no caso das mulheres, de três em três no caso dos homens. Todos os distritos do país organizam recolhas. Saiba onde aqui.
E, ao contrário da história que se conta de que Cristiano Ronaldo não quer fazer uma tatuagem por ser dador regular de sangue, ter uma tatuagem ou um piercing não impede a doação de sangue. Apenas implicam um regime de quarentena durante quatro meses.
Outra situação que tem gerado algumas dúvidas, é a hipótese de alguns homossexuais estarem alegadamente a ser impedidos de fazer doações. Segundo as indicações da Direção-Geral da Saúde, os homossexuais estão incluídos na subpopulação de risco, desde fevereiro de 2017. Assim, para doar sangue, este grupo tem de ficar um ano sem ter relações sexuais.
"Não vejo muita realidade nessas queixas que às vezes aparecem dos homossexuais. Nós temos de garantir que a dádiva de sangue em Portugal continue a ser segura para o nosso doente. Um homem ter relações sexuais com outro homem é um comportamento que está associado muitas vezes a doenças sexualmente transmissíveis passíveis de serem passadas durante as transfusões sanguíneas. Não há discriminação nenhuma", considera Aberto Mota.
Dar sangue não é remunerado, mas há benefícios envolvidos consagrados na lei, tais como:
- Isenção das taxas moderadoras. Os utentes com mais de 30 doações de sangue registadas ao longo da vida ou duas dádivas no ano passado não pagam exames nos serviços público ou privado de acordo com o Serviço Nacional de Saúde. O registo é feito através do Cartão Nacional do Dador de Sangue.
- Falta ao trabalho justificado. Os doadores de sangue têm o direito a ausentar-se durante o período necessário para a doação "sem quaisquer perdas de direitos ou regalias".
- Seguro do dador. Este direito garante uma indemnização por danos relacionados com a doação ou acidentes na deslocação para o local da colheita.