Enquanto a recuperação do tempo de serviço não ficar concluída, o sistema educativo nacional terá de conviver com a nuvem cinzenta que este dossiê representa." O alerta é de Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), quando questionado pelo DN sobre o que esperar em 2024..O responsável lembra ser este um compromisso já assumido pelos vários partidos políticos, mas, temendo a queda das promessas eleitorais, pede "um pacto na educação". "Seria de bom-tom a celebração de um pacto na Educação, impondo-se a inserção deste ponto nesse acordo, para evitar que os políticos que chegarem ao poder se esqueçam do que prometeram, ou arranjem desculpas (esfarrapadas) para o não cumprir", sublinha..Com o olhar posto no futuro, Filinto Lima afirma ser necessária, no próximo ano, a resolução de vários problemas, alargando o Plano de Recuperação de Aprendizagens, "por mais um ano letivo" e uma maior aposta na disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM). "A chegada em massa, numa frequência quase diária, de jovens oriundos de outros países, transformou positivamente as escolas em ambientes mais e mais multiculturais, mas gerou também um enorme desafio, sendo urgente diminuir o número de alunos por grupo e aumentando o número de horas atribuídas de PLNM", avança. Esse reforço, conta, deve também acontecer nas Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva, sendo "urgente dotar as escolas de profissionais especializados". Nas escolas, salienta Filinto Lima, faltam também assistentes operacionais. Por isso, pede a alteração da "portaria do rácio que calcula o número destes profissionais a que cada estabelecimento de ensino tem direito". "As autarquias cumprem o legislado, por vezes até o ultrapassam, mas é premente aumentá-lo", alerta..Uma das maiores preocupações dos diretores escolares é a escassez de professores, um dos motivos que levou, na opinião do presidente da ANDAEP, à descida dos resultados dos testes PISA. "No caso de Portugal, a escassez de professores e a dificuldade em promover as substituições, deixam, ano após ano, milhares de alunos sem professor durante um tempo largo", lamenta. Apesar dos problemas da escola pública elencados por Filinto Lima, o responsável vê 2024 "de forma positiva e esperançosa". "Penso que o próximo Governo, independentemente da ala política de onde advirá, irá eleger efetivamente como prioridade um investimento robusto na Educação, apostando na atribuição às escolas de mais recursos humanos, dando continuidade ao processo de desburocratização no que respeita à ação e às atribuições dos docentes e diretores; procedendo à alteração da avaliação do desempenho, melhorando os moldes de concursos de professores, promovendo a requalificação das escolas em estado de degradação", conclui..Para Alberto Veronesi, docente de 1.º ciclo, os últimos oito anos, com os ministros Tiago Brandão Rodrigues e João Costa, foram "o período mais negro da educação em Portugal", com um retrocesso que se refletiu nos fracos resultados dos testes PISA. "Temos de garantir que a escola seja um espaço onde o saber é transmitido e avaliado de forma eficaz. Creio que foi o facto de termos abandonado este propósito que nos trouxe aqui. Os últimos resultados do PISA demonstram isso! Não podemos estar tranquilos quando as chamadas soft skills se sobrepõem à necessidade fundamental de dominar áreas de conhecimento. É na realidade uma palermice modernaça. Esperemos que o próximo ministro da Educação se faça rodear de pessoas capazes de lhe dar este tipo de diretrizes", refere. O professor também vê a recuperação do tempo de serviço como um dos maiores problemas a ser resolvido em 2024..Se assim não for, diz, "o clima nas organizações escolares tenderá a não melhorar". Algo que "faz com que os jovens não se sintam atraídos pela carreira e que os que lá estão pensem todos os anos em abandonar". Alberto Veronesi quer ainda um 2024 com "revisão de todos os currículos", a revisão dos modelos de avaliação docente e do modelo de gestão, a eliminação das "injustiças na carreira" e "a revisão em alta dos índices remuneratórios de todos os escalões". "Não foram atualizados convenientemente nos últimos 16 anos. Em 2006 um professor no 1.º escalão auferia 1424 euros brutos. Atualmente aufere, no mesmo escalão, 1600. Um aumento de sensivelmente 12%, quando o custo de vida aumentou 28%, como é possível verificar pelos dados do INE", afiança..Paulo Guinote, professor de 2.º ciclo, não antevê melhorias em 2024 e pede coragem ao próximo Executivo "para fazer grande mudanças na gestão escolar, na avaliação de desempenho dos professores e na avaliação dos alunos"..Luís Sottomaior Braga, professor e especialista em Gestão e Administração escolar, também pede uma reforma do sistema educativo. " O novo ministro tem de deixar de fazer propaganda com falácias e realmente conhecer a realidade fora das visitas festivas e pensar que tem de reformar um sistema educativo para ele funcionar nos próximos 40 anos", explica..O especialista acusa o atual ministro de fazer "muitos discursos sobre democracia e cidadania" e "perseguições a professores por causa de greves". "Talvez o maior dossiê a resolver seja esse: ter um ministro que nos faça acreditar que não é um agente de marketing político pessoal, mas alguém que efetivamente acredita na melhoria da educação e vai tomar as medidas para isso", conclui..Arlindo Ferreira, diretor do Agrupamento de Escolas Cego do Maio, Póvoa de Varzim, e autor do blogue ArLindo (um dos mais lidos no setor da Educação) diz ter sérias dúvidas de que "o próximo Governo coloque a Educação como uma prioridade nacional". Contudo, relembra questões centrais a resolver em 2024 para "devolver a paz nas escolas e melhorar o ensino público". "A primeira medida a ser tomada pelo próximo ministro da Educação é a marcação de um calendário negocial com as organizações sindicais com vista à recuperação integral do tempo de serviço dos professores, após a resolução deste dossiê deveriam ser implementadas medidas consensuais a longo prazo para o funcionamento das escolas e dos currículos, da forma como os alunos são avaliados e em que condições podem aceder ao ensino superior", enumera..Um verdadeiro líder e conhecedor das matérias, é o que Pedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), espera que seja o próximo ministro da Educação. "Deve também ser reconhecido na sua capacidade e dentro do seu próprio Governo para poder implementar as medidas em que acredita. Deve ainda ter disponibilidade para ouvir de forma cordial quem quer ajudar e contribuir para a melhoria do nosso sistema educativo e não se cingir apenas às suas próprias ideias", explica. E o próximo número um do ministro terá de dar resposta ao "desinvestimento da educação"..Na falta de soluções, a FNE partirá para "novas lutas e protestos, com a denúncia e responsabilização dos decisores políticos". "Há um reconhecimento dos vários quadrantes políticos de que houve desinvestimento na Educação. Os nossos alunos precisam de professores. Se continuarmos a formar mil por ano por falta de investimento na atração da carreira docente, fica em causa a Educação", sublinha..A continuidade da luta é também uma certeza para o S.TO.P. (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação). André Pestana, coordenador do S.TO.P., responsabiliza antecipadamente o próximo ministro da Educação se os problemas da escola pública não forem resolvidos em 2024.."Os profissionais da Educação têm consciência que o que antes era considerado um assunto arrumado nomeadamente pelo PS e pelo PSD (por exemplo a questão da contagem do tempo de serviço docente) só voltou a estar em cima da mesa (mesmo que seja de forma eleitoralista) após um ano de luta sem precedentes na Escola Pública. Venha quem vier para o próximo Governo, se não investir a sério na Escola Pública e na valorização/dignificação de todos os que lá trabalham e estudam, esta luta continuará", afirma..Pela primeira vez, os alunos de 9.º ano vão realizar exames nacionais em formato digital. Uma medida contestada por professores. Alberto Veronesi não tem dúvidas de que se trata de um erro e diz que se estão "a dar passos maiores do que as pernas". Arlindo Ferreira também entende ser "uma péssima medida" porque "as escolas não estão preparadas para esta evolução". Em primeiro lugar, deveriam as escolas ser dotadas de condições para a sua realização e só depois disso se deveria pensar nos exames em formato digital", sublinha. O mesmo alerta é feito por Filinto Lima, que pede um "reforço da rede wi-fi das escolas, maioritariamente pouco fiável, bem como a posse de computador por parte de todos os alunos, pois, até à data, por motivos variados, tal não sucede".