2024, ano do Espaço. "Se tudo correr bem, os humanos voltam à Lua. E para ficar"

Vivemos uma "corrida espacial 2.0", com Estados Unidos e China a competirem pela hegemonia de um setor cada vez mais dependente de parcerias público-privadas. Além da Lua, o próximo ano traz novos <em>players</em> à equação e metas ambiciosas. E também haverá novidades em Portugal.
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Passaram 16.850 dias desde a última partida de uma nave tripulada com destino à Lua. Lançada a 7 de dezembro de 1972, a missão Apollo 17 partia rumo ao satélite natural da Terra. O assunto ocupava quase toda a primeira página do DN do dia seguinte. Chegava-se assim ao fim de uma era ímpar na exploração espacial. Desde então, nunca mais um humano voltou a pisar a superfície lunar.

Mas esse hiato parece ter o fim anunciado. Na reta final de 2024, a NASA planeia lançar a missão Artemis 2, que vai colocar humanos na órbita do satélite natural da Terra - para já. O plano é que, tendo sucesso, os voos sirvam para colocar humanos na Lua, iniciando uma base de operações lunar e, em órbita, uma estação espacial. Este "grande foco" é já de si uma "grande mudança", diz o físico Carlos Fiolhais. Algo que "demorou muito tempo" a acontecer porque "não tem havido política". Antes da Apollo 17, "o Espaço tinha 4% do Orçamento federal norte-americano. Não se investia tanto desde 1970. Há, claramente, uma mudança de vontades. Se tudo correr bem, os humanos voltam à Lua. E, desta vez, é para ficar". A própria missão tem essa "componente de longo prazo, já em vista a uma eventual ida a Marte", que, frisa, "está ainda muito longe".

E com vários objetivos diferentes em vista, o próximo ano marca o lançamento de uma "corrida espacial 2.0", como classifica ao DN Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa (AEP). Mas, ao contrário do que aconteceu na década de 1960, a rivalidade é agora entre Estados Unidos e China, naquilo que a revista The Economist classificou como uma "Guerra Fria não declarada". Isto deixa a Rússia em segundo plano. Segundo o portal de dados Statista, os russos são o quinto país com mais verbas alocadas para o Espaço (com cerca de 1,13 milhões de euros). A lista é liderada pelos Estados Unidos (com aproximadamente 56,78 mil milhões), em segundo lugar está a China (com perto de 11 mil milhões) e o Japão encerra o top 3, com mais ou menos 4,5 mil milhões. O primeiro país europeu (França) desta lista aparece em quarto lugar, com praticamente 3,9 mil milhões. No entanto, os franceses são membros da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla original), canalizando verbas para esse efeito.

Ao contrário do que acontecia há algumas décadas, as missões espaciais têm cada vez mais uma componente de cooperação entre atores privados e empresas públicas. Exemplo disso é a parceria - já frutífera - entre a NASA e a Space X, empresa do multimilionário Elon Musk. E esse, concordam Carlos Fiolhais e Ricardo Conde, "parece ser o caminho a seguir". "Muito mais do que uma ótica de exploração, há uma perspetiva comercial", que pode ser explorada por este tipo de alianças, diz o presidente da Agência Espacial Portuguesa.

Com uma nova ida à Lua a ser o principal foco, quer em missões privadas ou públicas, há outros alvos definidos já para o próximo ano, com Marte a continuar a estar nos planos. E Vénus está também já ao virar da esquina.

Antes da Artemis 2, que vai colocar pela primeira vez desde 1972 uma nave espacial tripulada fora da órbita baixa da Terra (onde está a Estação Espacial Internacional), há vários robôs espaciais a irem à Lua. E o primeiro lançamento está marcado já para dia 12 de janeiro, com a Intituive Machine-1 (Máquina Intituitiva-1, IM-1) a dirigir-se para a cratera Malapert, no polo sul lunar. O módulo transportará cinco instrumentos patrocinados pela NASA e por outros clientes, incluindo uma câmara que se destacará durante a descida, filmando depois a alunagem. Espera-se que este módulo de aterragem funcione durante um dia lunar (mais ou menos 14 dias terrestres) e deverá explorar e recolher dados durante este tempo.

Júpiter está também nos planos da NASA. Para outubro de 2024 está planeado o lançamento da missão Europa Clipper, que vai estudar a lua Europa, uma das quatro maiores do planeta. Fá-lo-á através de uma série de voos orbitais, e tem o regresso previsto para 2030. Este é um exemplo de uma parceria público-privada no Espaço, com a Space X a fornecer o propulsor que vai transportar a sonda.

Também por esta altura, a Índia planeia lançar a missão Shukrayaan, que se vai focar em Vénus e no estudo da sua atmosfera. Algo que Carlos Fiolhais diz ser "muito importante", porque "já não se vai a Vénus há muito tempo [neste momento, há apenas uma sonda japonesa a orbitar]" e o planeta, de condições hostis, pode ainda guardar segredos.

E é precisamente do Japão que sairá uma das próximas missões importantes rumo a Marte, a Martian Moons Exploration (Exploração das Luas Marcianas, MMX na sigla original), que vai recolher amostras em Phobos, um dos dois satélites naturais do Planeta Vermelho.

Se os planos correrem como esperado a China será, no entanto, o primeiro país a chegar à Lua, com a missão Chang"e 6, que vai colecionar as primeiras amostras do lado escuro.

No caso dos investimentos totalmente privados, as tentativas de lançar a nave Starship (construída pela Space X, com o objetivo de levar pessoas a Marte) vão continuar, depois de os voos de teste terem acontecido em 2023.

Nesta dicotomia EUA vs. China, há também "questões geopolíticas envolvidas".

Por exemplo: a Estação Espacial Internacional será descontinuada em breve (os planos apontam para 2030), e a China já criou uma estação própria. A Rússia (cujos cosmonautas integraram a própria Estação Espacial Internacional) tinha também planos, mas as sanções devido à guerra na Ucrânia acabaram por frustar as intenções.

"Esta é uma equação muito complexa. Espaço é tecnologia, é disputas tecnológicas, nesse sentido. Para já, há uma perspetiva comercial, mas muito daquilo que será a economia espacial nos próximos três ou quatro anos será definido pela militarização", antevê Ricardo Conde, que acrescenta que o Espaço usado para fins militares "é o grande elefante na sala". O futuro "depende muito daquilo que as potências consigam fazer nesse aspeto, através de satélites para espionagem, por exemplo".

A 14 de novembro de 2000, Portugal juntava-se à ESA. A iniciativa partiu do então ministro da Ciência e Tecnologia, José Mariano Gago. Só volvidos 19 anos é que a Agência Espacial Portuguesa acabaria por ser criada. Tutelada pelo Governo central e pelo Governo Regional, a sede está em Santa Maria, nos Açores.

E, segundo Ricardo Conde, o próximo ano pode ser auspicioso para a agência, que já tinha intenções de receber, na ilha açoriana, "duas missões de reentrada". O centro nevrálgico será o aeroporto de Santa Maria, que tem "condições muito boas, com infraestruturas à volta". É aí também que a AEP deseja construir o Porto Espacial de Santa Maria, um dos projetos da agência. Isto poderá "servir de alternativa ao porto espacial da Guiana Francesa [localizado na América do Sul]".

Segundo Ricardo Conde, "Portugal pode dar respostas a desígnios europeus neste contexto", beneficiando ao mesmo tempo de recursos, como por exemplo satélites, utilizados para monitorizar "situações características" do território nacional, como a seca ou os incêndios. A intenção é "criar um GeoHub" já a partir do próximo ano, que possa "agregar dados quase em tempo real", uma característica diferente daquilo que já acontece com outros satélites de monitorização do clima, como o Copernicus, da Agência Espacial Europeia.

Mas o cenário geral no contexto europeu não é propriamente favorável. "Estamos numa encruzilhada. Não temos foguetes. À exceção dos propulsores Ariane [que já vão na sexta geração], não há alternativas. Por isso é que na Europa não há lançamentos orbitais. A própria Comissão Europeia olha para este mercado complementar dos voos espaciais comerciais com uma grande expectativa", diz Ricardo Conde. Ainda assim, este impasse pode estar prestes a chegar ao fim, com o voo inaugural do Ariane 6 a estar marcado para 2024. Se for bem sucedido, será o regresso das idas autónomas da Europa ao espaço.

Apesar da visão mais positiva do responsável, Carlos Fiolhais tem mais reservas quanto ao futuro do país em termos de Espaço e, até, em relação ao futuro da Ciência. "Somos um parceiro muito pequeno no âmbito da ESA. A nossa contribuição é menor do que, por exemplo, a do Luxemburgo ou a da Roménia. Temos um papel diminuto neste contexto", diz.

É por isso "preciso perceber que os fundos alocados para a Ciência não são suficientes. É manifestamente pouco". "Desde a época de José Mariano Gago que não temos uma política científica sólida. Falta perceber que é uma estratégia muito mais a longo prazo do que para colher frutos já no imediato. Infelizmente, não acho que nos consigamos afirmar neste campo do Espaço. Tenho pena, mas não acho possível que tal suceda".

Janeiro. Vulcan Centaur
Os Estados Unidos vão lançar um novo foguete, o Vulcan Centaur, um novo propulsor construído pelo consórcio United Launch Alliance, constituído pela Boeing e pela Lockheed.

Abril. Dream Chaser
Em abril, a NASA planeia enviar, rumo à Estação Espacial Internacional, o vaivém Dream Chaser, construído pela empresa privada Sierra Space. É uma alternativa ao atual Dragon, da Space X, usado pela agência americana.

Maio. Chang"e 6
A China será o primeiro país a lançar um foguete com destino à Lua. A missão Chang"e 6 tem como objetivo recolher amostrar do lado escuro da Lua. Neste lançamento, haverá instrumentos franceses, italianos, paquistaneses e suecos a bordo.

Agosto. MMX
A agência espacial japonesa (JAXA) planeia lançar em agosto a missão Martian Moons Exploration (MMX), que vai estudar e recolher amostras na Phobos. A previsão é que dure três anos.

Outubro. Europa Clipper
Um dos destaques do programa espacial norte-americano acontece em outubro, com a missão Europa Clipper a sair rumo a Júpiter, para estudar a lua Europa.

Novembro / dezembro. Artemis 2
O ponto alto é a missão Artemis 2, que vai levar humanos a orbitar a Lua. Será a primeira vez desde 1972 que se sai da órbita baixa da Terra. Os astronautas são também destaque: é a primeira vez que uma mulher e um homem negro voam em volta da Lua.

Dezembro. Shukrayaan
Fruto de um forte investimento na indústria espacial e depois de alguns sucessos em 2023, a Índia planeia lançar, no final do ano, a missão Shukrayaan, que vai estudar a superfície e a atmosfera de Vénus.

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