2021. "Esta é aquela vindima que pode dar vinhos brancos de guarda"

Quatro enólogos de quatro regiões - Douro, Dão, Alentejo e Pico - antecipam a (boa) qualidade dos vinhos que vamos beber em breve (e nem tanto).
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Logo a seguir ao feriado de agosto, dia 15, na herdade de Torre de Palma, perto de Portalegre, começou a vindima. Foram "cinco, seis dias" antes do habitual nas contas do enólogo da casa, Duarte de Deus, que fala ao DN numa pausa dos trabalhos. São sete hectares de videiras, "uma área pequena comparada com a média do Alentejo que é de 20 hectares por produtor", mas com uma particularidade: "Estão divididos em sete castas". A saber: Touriga Nacional, Tinta Miúda, Arinto, Antão Vaz, Aragonês, Alvarinho e Alicante Bouschet.

Se abriu os olhos perante a existência de alvarinho no Alto Alentejo não está sozinho. Duarte de Deus confirma que é a reação habitual. Mas resulta, e o enólogo explica:"É uma casta que está a mostrar a sua plasticidade. Está muito associada a vinhos verdes, mas que fora dessa região consegue mostrar um aroma varietal muito interessante. O que queremos fazer não é igual aos vinhos verdes, o clima e solo são diferentes". Já foi colhida por esta altura, com mil cuidados - na apanha e na data - como ela exige.

Na sexta-feira, colhiam-se as uvas para uma das produções com mais fama da Torre de Palma, o Rosé, que à semelhança do que aconteceu este ano, deverá chegar ao mercado a tempo do Dia dos Namorados. As provas cegas em copos pretos têm matado quaisquer preconceitos que pudessem existir em relação a este vinho. "Cada vez mais em Portugal se estão a fazer rosés de qualidade", assegura Duarte de Deus. "É muito associado ao verão, mas nós acabámos por lançar este rosé no dia dos namorados e acreditamos que têm lugar à mesa o ano todo". Esgotou.

O rosé da Torre de Palma é um casamento de Touriga Nacional e Tinta Miúda, "a nossa joia da coroa", diz o enólogo ao DB. "Nós dizemos que é um bocadinho como o sal e a pimenta que dão sabor ao prato. Dá uma acidez de que muitas vezes o Alentejo tem falta".

Mas este ano é os brancos merecem os maiores elogios. "Trabalho desde 2005 e é o ano em que estamos a receber uva branca com acidez mais alta", diz. Pode ser o verão ameno, alvitra. "Estamos a 300 metros de altitude, conseguimos beneficiar da proximidade da serra de Portalegre". Noites de 8 graus e dias de 35, que, no deve e haver, acalmam a maturação da uva e evitam a degradação dos ácidos. "Esta é aquela vindima que pode dar vinhos brancos de guarda, de dez, vinte anos"

"É para vocês escreverem que é do outro mundo", diz o enólogo Bernardo Cabral. Tanto nos Açores, onde é o enólogo consultor e um dos responsáveis pelos vinhos da cooperativa de 270 associados Picowines, como no continente. "Estamos com uvas com maturação perfeita, muito equilibrada, acidez elevada, salinos e a uva está muito sã", diz, e acrescenta. "Este é aquele ano em que está tudo certo".

Na ilha do Pico, vindima-se há três semanas, fazendo a vontade à casta Terrantez do Pico, que se adianta em relação às outras, como explica Bernardo Cabral

Numa produção já pequena por natureza (no melhor dos anos conseguiram-se 1500 quilos por hectare, quando no continente o número pode chegar aos 10 mil), a raridade (ainda maior) destes vinhos que valem 30/40 euros por garrafa acentuar-se-á. A colheita será menor do que em anos anteriores - por conta de uma tempestade no início de junho "que mandou muita água salgada para cima das vinhas". O que é costume é chover logo a seguir, limpando a vinha. Desta vez, "abriu o sol e queimou as folhas". Mas, mais uma vez, a vinha mostrou a sua resistência. "É um caso de quanto mais me bates mais eu gosto de ti", ri-se Bernardo Cabral.

"Vamos fazer 1800 garrafas de terrantez", calcula Bernardo Cabral, dando nota de exclusividade destes néctares que serão preservados para beber em 40/50 anos.

Entre os projetos que saem da cooperativa Picowines, outro vinho merece referência: o Gruta das Torres, filho de uma vinha centenária, junto ao mar e a olhar para o Faial, que estagia em cone vulcânico e, antecipa o enólogo, se saboreará em dois anos e meio. Outra especialidade do Pico, os vinhos licorosos, tem sido revitalizada e, garante Bernardo Cabral, "é o melhor ano dos licorosos". Mas a prova dos 9 só poderá ser feita em 10, 20 anos.

Segue-se para o Dão, onde Hugo Chaves, enólogo da Quinta de Lemos, preparava os espumantes da casa. Aqui, prudência é lei. Contam aumentar a produção em cerca de 20%, mas só São Pedro poderá garantir um grande ano vínico. "Se o tempo se mantiver estável teremos uma grande vindima". São 25 hectares, todos colhidos à mão. Os espumantes começam a dar um ar da sua graça já no final de setembro, mas os tintos têm um estágio de cinco anos.

E chegamos ao Douro, onde Luís Pedro Cândido, enólogo da Niepoort, trata da vindima na Quinta de Nápoles, emblemática vinha desta família com origem nos Países Baixos de onde saem vinhos famosos como o Quinta do Carril, o biológico Bioma e os monovarietais Tinta Amarela (trincadeira) e Pinot Noir. Ao todo, são 70 hectares colhidos à mão e isto sem contar com a uva que lhes chega dos cerca de 200 viticultores.

O enólogo antecipa "ano muito bom a excelente". "Tudo o que colhemos até agora está fantástico e muito equilibrado - entre acidez da fruta e os açúcares", diz Luís Pedro Cândido ao DN. Isto depois de um 2020 difícil. "O tempo tem estado muito favorável". Em meados de novembro fazem as primeiras provas e depois "o inverno ajuda a assentar e consolidar."

lina.santos@dn.pt

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