2002: Ronaldo atropela pragmatismo

Na final, diante da Alemanha, o Brasil de Scolari soube aproveitar a habilidade de Ronaldo e a arte de Ronaldinho e Rivaldo
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A França igualou o Brasil (1962-1966) e a Itália (1938-1950) como campeã do mundo que cai na fase de grupos do torneio seguinte (mais tarde, a Itália repetiria o insucesso em 2010 e a Espanha juntar-se-ia ao grupo em 2014). Era um sinal de que o primeiro evento na Ásia seria penoso para as grandes seleções. Exceções: os finalistas Alemanha e Brasil. O escrete pragmático de Scolari levou a melhor com o talento de Ronaldo, que bisou no jogo decisivo frente ao único guarda-redes considerado Bola de Ouro da competição, Oliver Kahn. O regresso de Portugal aos mundiais foi embaraçoso.

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Depois da glória de 1966 (3.º lugar), Portugal tinha saído chamuscado do México 86, com o caso Saltillo e a eliminação na fase de grupos. E 26 anos depois, voltou a embaraçar-se: um estágio em Macau polémico (rumores persistentes de excessos de jogadores e equipa técnica, liderada por António Oliveira), suspensão de Daniel Kenedy por doping, eliminação na fase de grupos e, tal como dois anos antes, problemas sérios com um árbitro. No caso, o argentino Àngel Sánchez, que expulsou João Vieira Pinto aos 27" do último e decisivo jogo frente à Coreia do Sul e foi agredido pelo então avançado do Sporting com um soco no estômago. Dois anos antes, a Geração de Ouro chegou às meias-finais do Euro 2000 e caiu com estrondo após um golo de ouro de Zidane, na transformação de um penálti provocado pela mão de Abel Xavier. Nos confrontos que se seguiram com o árbitro austríaco Gunter Benko, com o assistente Igor Sramka (Eslovénia) e o quarto árbitro Hugh Dallas (Escócia), Xavier foi suspenso nove meses (depois de recurso, seis meses), Nuno Gomes oito meses (sete após apelo) e Paulo Bento seis (cinco após apelo). A federação pagou mais de 100 mil euros de multa.

A questão é que em 2000 foi um descontrolo emocional após ser eliminado no golo de ouro de penálti, numa caminhada desportiva de grande nível. Em 2002, nada correu bem. No primeiro jogo, derrota com os Estados Unidos por 2-3 (os americanos ganhavam 0-3 aos 27" - o primeiro jogo da história da competição com dois auto-golos: Jorge Costa e Jef Agoos); no segundo, Pauleta conseguiu o segundo hat trick luso em mundiais (depois de Eusébio ter marcado quatro à Coreia do Norte em 1966) - e 18 anos depois, Cristiano Ronaldo conseguiu um frente a Espanha no Rússia 2018 - e houve triunfo de esperança sobre a Polónia, por 3-0; no jogo em que bastava um empate, João Vieira Pinto é expulso, Beto também (acumulação de amarelos) e a Coreia ganha por 1-0. Adeus, triste mundial.

Na arbitragem, com Carlos Matos como assistente, Vítor Pereira passou bem pelos jogos Dinamarca 2-0 França, despedida dos gauleses do torneio; e pelo México 0-2 Estados Unidos, dos oitavos-de-final; Carlos Matos ainda seria assistente de Kyros Vassaras no China 0-2 Costa Rica, da fase de grupos.

A primeira fase foi cruel, como já se disse, com a França, mas também com outros dois campeões do mundo (e foram todos ao Japão/Coreia), a Argentina e o Uruguai, além do 3.º do mundial anterior, a Croácia. E a mesma Coreia que tinha abatido Portugal chegou às meias-finais, tornando-se na primeira equipa asiática a consegui-lo (e a segunda, depois dos Estados Unidos em 1930, que não provinha da Europa ou América do Sul). No primeiro torneio em que os selecionadores começaram a levar 23 jogadores (obrigatório três serem guarda-redes).

Mas com dois jogos que exasperaram a Itália e a Espanha, que protestaram violentamente contra os árbitros desses jogos. Os italianos tiveram um derrube a Totti na área coreana transformado em segundo amarelo ao capitão da Roma e um golo anulado a Tommasi por fora-de-jogo inexistente, acabando por soçobrar no prolongamento com o golo de ouro de Ahn Jung-Hwan. Os espanhóis viram dois golos mal anulados pelo egípcio Gamal Ghandour, um de Helguera durante os 90" e outro de Morientes no prolongamento, que seria golo de ouro e acabaria com uma partida decidida para os coreanos nos penáltis. Má sina a de José Antonio Camacho.

Com a Coreia vitaminada entre polémicas e bons desempenhos numa boa equipa em que sobressaíam Park Ji-Sung (jogou anos no Manchester United), Ahn Jung-Hwan (Perugia, Metz e Duisburgo); e Seol Ki-Hyeon (Antuérpia, Anderlecht, Wolverhampton, Reading e Fulham), a Turquia seria a outra seleção a destacar-se, apesar das dificuldades na fase de grupos. Rustu Reçber, Alpay, Hakan Unsal, Emre Belozoglu, Basturk, Hakan Sukur e Ilhan Mansiz, o goleador com três golos, deram consistência numa caminhada em que o sorteio foi benéfico. Eliminou Japão e Senegal antes de cair nas meias-finais com o Brasil, por um curto 0-1 (Ronaldo, quem mais). Os turcos ficariam em 3.º lugar ao bater a anfitriã Coreia por 3-2.

Na final, o Brasil solidário e muito compacto de Scolari dominou a Alemanha, com dois golos e habilidade de Ronaldo (oito golos) e a arte de Ronaldinho e Rivaldo. E Edilson (Benfica, 94/95, o da "Operação Coração") no banco. E Anderson Polga a fazer um jogo na fase de grupos (4-0 à China) e a mudar-se em 2003 para o Sporting (só saiu em 2012), tornando-se no primeiro campeão mundial a jogar no país (Branco, Ricardo Rocha e Aldair jogaram primeiro cá e só já fora do país foram campeões em 1994). Kahn, acompanhado de Klose (cinco golos no torneio, iniciando a caminhada para máximo goleador dos mundiais, concluída em 2014), nada podia fazer para evitar o afastamento do escrete nas contas do mundial.

O Brasil chegava ao penta, afastando-se dos germânicos e da Itália (três títulos), e ainda mais de Uruguai e Argentina (2), ou Inglaterra e França (um).

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