20 milhões para pôr Portugal no mapa da arte contemporânea
"Esperamos milhares de pessoas no primeiro dia, mas esperamos que não venham todas as 260 mil que aderiram ao evento do Facebook", afirma Pedro Gadanho, diretor do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia numa visita guiada à imprensa portuguesa, em vésperas de abertura do MAAT, ontem de manhã. Hoje é a inauguração oficial, com as presenças anunciadas do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro, António Costa. Amanhã, estará aberto ao público gratuitamente, deixando à vista uma obra de dois anos, assinada pela arquiteta Amanda Levete.
O primeiro número avançado por António Mexia em 2011 para a construção deste edifício branco que agora se ergue ao lado da Central Tejo foram 19 milhões de euros. Ontem, o presidente da EDP e da sua Fundação deu a conhecer a versão final: 20 milhões, disse aos jornalistas em conferência de imprensa, no final desta visita que arrancou no rio Tejo, com vista desafogada para os 38 mil metros quadrados de área que fazem o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia. "O total representou 0,6% do investimento da EDP no período em que foi construído", calculou. O MAAT quer estabelecer parcerias com outras instituições. "Vai ajudar a pôr Lisboa no mapa da arte contemporâneo. Não será o único mas vai pôr Portugal no mapa", afirmou o presidente da EDP.
Desfez-se o muro de tijolo-burro que ali estava e no seu lugar apareceu um edifício da arquiteta britânica Amanda Levete e do seu atelier, AL_A. Doze metros de altura e telhado pronto a servir de passeio. "Pode fazer-se tudo menos skate, porque é perigoso".
Devolver espaço público à cidade estava no programa encomendado pela Fundação a Amanda Levete. "Esperemos que as pessoas saibam tratar dele, porque é delas", disse Mexia. Dentro, "tudo é fotografável, adaptado aos tempos que vivemos", concretiza.
Novos preços
O MAAT herda um património de 250 mil visitantes por ano, entre eles alunos de mil escolas, segundo o diretor executivo da Fundação EDP, Miguel Coutinho.
Com a conversão do velho Museu da Eletricidade e crescimento do MAAT também vão aumentar os preços para visitantes a partir dos 18 anos. Até março, a entrada custará 5 euros. Depois, aumenta para 9, explicou Miguel Coutinho.
Será também criado um cartão de membro com o valor de 20 euros, válido por um ano, para o titular e um acompanhante. "Estamos a criar condições para ser o mais democrático possível", disse Coutinho. "O museu procura gerar as suas receitas", disse ainda Miguel Coutinho, explicando que o valor da entrada no MAAT é mais baixa do que em outras instituições da Europa.
Na galeria oval
No interior do MAAT, as galerias do querem-se fluidas. A francesa Dominique Gonzalez-Foerster é a primeira a ocupar a galeria oval, a primeira que se vê, assim que se entra nesta casa.
Pynchon Park , obra que passará à História como aquela que inaugurou o MAAT "foi pensada como um todo", começa por explicar Pedro Gadanho. "Os visitantes são convidados a ativar a peça", explica. As crianças podem usar as bolas e os livros feitos de tapete de ioga, mas também é um obra que pretende questionar "o nosso entendimento sobre o comportamento humano", diz o curador. O ginásio onde tudo isto se passa tem portas que fecham e abrem a espaços num ciclo de 24 minutos que pretende replicar o dia e a noite. "Esta interação gera situações muito interessantes e esse é sempre um objetivo [o abrir e fechar das portas é aleatório]", acrescenta o diretor.
A obra de Dominique Gonzalez-Foerster responde a quem se pergunta qual a programação que terá o novo edifício do MAAT. "Site specific", referem o diretor do museu, Pedro Gadanho, frisam-no António Mexia e a arquiteta Amanda Levete nas suas intervenções. Trabalhos criados a pensar neste local, desafiados pela arquitetura do lugar. A Sala de Projeto, com filosofia semelhante, reserva-se para os artistas portugueses, explicou o diretor.
Arquiteto de formação, Pedro Gadanho estava no departamento de arquitetura do Museum of Modern Art (MoMA), em Nova Iorque, quando foi convidado para liderar a equipa curatorial de 20 pessoas que fazem o museu. Gere um orçamento de 2 milhões de euros e 4 mil metros quadrados de área expositiva.
A programação está fechada até 2019, e já se conhecem os nomes dos artistas que vão ocupar esta mesma galeria oval em 2017: o mexicano Hector Zamora, no âmbito da Bienal Boca, o cubano Carlos Garaicoa e o norte-americano Bill Fontana. Sobre o peso dos artistas sul-americanos, Gadanho explica que "vêm de um contexto em transformação e queremos introduzir uma dimensão política".
Em março de 2017, a galeria principal será ocupada por uma exposição de grande dimensão - Utopia/Distopia - a partir do trabalho de "50 artistas internacionais e alguns portugueses". No título da exposição, explica o diretor, coincidem os 500 anos do livro de Thomas Moore e "o uso corrente nos últimos anos da distopia - o fim da utopia. "Achámos que seria interessante conjugar a sua antítese", diz o diretor do museu.
A abertura desta exposição coincidirá com a conclusão das obras. O MAAT só ficará completo quando os jardins em volta ficarem prontos, saírem as vedações e a ponte em forma de boomerang que atravessa a linha do comboio e aterra no largo do Marquês de Angeja ficar concluída. "Agora vamos testar o edifício", afirmou António Mexia, explicando que não havia razão para não o inaugurar.
O mundo dos Eames
À galeria oval, à galeria principal, à sala de vídeo e à sala de projeto somam-se os espaços reconvertidos da Central Tejo que albergam por esta altura uma exposição de obras da coleção da Fundação EDP (reforçada recentemente com a aquisição da coleção de Pedro Cabrita Reis), Edgar Martins e, a partir de quarta-feira, O Mundo de Charles e Ray Eames, uma colaboração com o Barbican Center, em Londres, onde esteve antes.
Numa curta passagem pela exposição, instalada na Central 1, e antes de se juntar à comitiva de jornalistas estrangeiros que ontem à tarde foi conhecer o MAAT, Pedro Gadanho explica à imprensa nacional que este é um exemplo de como "as coproduções são importantes". "Há um investimento que dificilmente poderíamos suportar", diz, lançando uma pergunta à curadora Catherine Ince: "Quanto tempo demorou a montar esta exposição?". "Três anos", responde a curadora do Barbican. "Mas já tinha alguns conhecimentos antes."
O Mundo de Charles e Ray Eames é uma seleção de filmes com assinatura do casal, fotografias, desenhos e objetos. Entre eles, claro, as cadeiras que os puseram no mapa do design. Uma delas é um dos dois protótipos que saíram da fábrica de fibra de vidro de John A. Wills e foram comercializados pela Herman Miller.
"Cada um custava 20 dólares e Charles só podia pagar um, então deixou ficar um dos protótipos, aquele em que a concha está colada numa lata de lixo e que o John Wills usou durante 35 anos". A história é contada pelo neto do casal, Eames Demetrios, que está hoje à frente do Eames Office, e gere um espólio de mais de um milhão de itens relacionados com a vida e obra de Charles e Ray Eames. O curioso modelo foi descoberto quase 50 anos depois de ter sido desenhado em 1950.
O mundo do casal abre-se ao visitante com o mais privado dos elementos: a reprodução da carta de 1940, que Charles, estudante na academia de artes Cranbrook, em Michigan, envia à colega Ray. Anuncia-lhe que está solteiro de novo, que a ama e se quer casar com ela logo que possa, apesar de estar falido. Casam-se em 1941.
Entre os vários filmes exibidos, a primeira aparição do casal na televisão, no momento em que apresenta Espreguiçadeira e Otomano. No vídeo, de 1956, a entrevistadora trata Ray como "a mulher atrás do sucesso do marido". A exposição, pelo contrário, acentua a sua autonomia criativa, exibindo alguns dos seus trabalhos a solo, como os tecidos de padrão geométrico que foram incorporados no acervo do MoMA.
Charles morre a 21 de agosto de 1978 e Ray assinala a data nas páginas do diário que mantém, com as iniciais do marido. Morre no mesmo dia, dez anos depois.