1998: o bailarino Zizou

Médio ofensivo foi a grande figura da campeã mundial e anfitriã França, ao bisar na final diante do Brasil numa vitória por 3-0
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Rodopiava sobre a bola, sobre si próprio e sobre os adversários com uma leveza que só os bailarinos profissionais concretizam. Zinedine Zidane foi um predestinado que conseguia derrubar muros com subtileza e desfeitear defesas com uma inteligência rara. Foi o homem da final do França 98, no dia em que o mundo ficou chocado com o estado catatónico de Ronaldo, o fenómeno. E os gauleses foram campeões do mundo.

O mundial idealizado por Jules Rimet e Henry Delaunay voltava a "casa" 60 anos depois (a Itália carimbou o bicampeonato em 1938). E voltava com novidades: o torneio passava a contar com 32 equipas, em vez das 24 que foram introduzidas em 1982. Foi o último alargamento antes daquele que a FIFA decidiu para futuras edições - 48 equipas, já no Qatar em 2022 ou apenas no 2026 da América (Canadá, Estados Unidos e México). Foram também introduzidos o golo de ouro (a equipa que marcasse primeiro no prolongamento acabava com o jogo), o endurecimento disciplinar para os tackles (entradas de carrinho por trás) e três substituições por equipa.

Portugal voltava a ficar de fora, mas seria a última vez até marcar presença em cinco torneios consecutivos (2002, 2006, 2010, 2014 e 2018). A representação lusa fez-se através do árbitro Vítor Pereira, que começou logo a apitar o início de uma caminhada monumental da Croácia (3-1 à Jamaica no primeiro jogo da fase de grupos, com Suker a marcar o primeiro de seis golos que o consagraram Bota de Ouro). O juiz português ainda apitou mais um encontro: o Alemanha 2-1 México, em que, no último quarto de hora, Klinsmann e Bierhoff deram a volta ao marcador inaugurado por Hernández no início da segunda parte.

O Brasil era uma locomotiva de luxo, com um fenómeno a destruir defesas: Ronaldo. Era o escrete de Taffarel, Cafu, Roberto Carlos, Leonardo, Dunga (capitão), Rivaldo, Bebeto. Além de Aldair (Benfica, 1989/90), Giovanni (reprovado pelo V. Guimarães após treinar à experiência e vestir a camisola do clube em 1993), Carlos Germano (acabaria a carreira no Penafiel, em 2005/06), André Cruz (crucial nos títulos do Sporting em 2000 e 2002) e o jogador do FC Porto Doriva (1997/99).

Acima de todos, Ronaldo. Apesar de se ter ficado pelos quatro golos, mostrou por que era uma rara combinação de potência, rapidez e habilidade. Uma canarinha que ganhou quatro jogos nos 90" (perdeu o último jogo da fase de grupos com a Noruega, 1-2; ultrapassou a Holanda nas meias-finais apenas nos penáltis e perdeu a final).

A equipa de Mário Zagallo, que chegaria à sua quinta final em 15 edições da prova (campeão como jogador em 1958 e 1962; como treinador em 1970; como adjunto em 1994 - campeão - e 2006), devia estar alerta para a França. Só uma vez os sul-americanos tinham batido os gauleses em mundiais (e assim permanece até hoje): 5-2, com hat trick do jovem Pelé, no Suécia 1958. Depois disso, foram eliminados nos quartos, nos penáltis, no México 1986; perderiam a final desta edição por 3-0; perderam na Taça das Confederações em 2001; seriam afastados, de novo, nos quartos do Mundial 2006.

E até ao desgraçado dia 12 de julho, em que foram abatidos pela França e pelas convulsões que roubaram a noite e o futebol a Ronaldo da final (jogou, mas esteve fora da primeira ficha de jogo apresentada por Zagallo), o Brasil foi fiável, tremendo apenas na meia-final com a Holanda, em que ganhou apenas nos penáltis. Uma Laranja Mecânica de muito talento e poder: Van der Sar, Frank de Boer, Bergkamp, Kluivert, Seedorf, Cocu, Davids, Van Hooijdonk (Benfica, 2000/2001) e Jimmy Hasselbaink (Campomaiorense e Boavista, 95/97).

Houve outros craques a destacarem-se, como o chileno Marcelo Salas (quatro golos) ou os paraguaios Chilavert e Carlos Gamarra (breve passagem pelo Benfica em 1997). Ou de César Ramirez (Sporting, época e meia entre 97 e 98) e Ricardo Rojas (Benfica, 99/2001). Foi esta equipa lutadora que só sucumbiu com o primeiro golo de ouro dos mundiais, nos oitavos-de-final frente à França (0-1, Blan, 114").

Uma França com, provavelmente, a melhor equipa da sua história: Barthez, Thuram, Desailly, Blanc, Lizarazu, Petit, Deschamps, Patrick Vieira, Djorkaeff, Karembeu, Zidane, Dugarry (preterido por Guivarch) e jovens a aparecerem como Henry, Trezeguet e Robert Pires.

E que teve de estar ao mais alto nível para ultrapassar a grande Croácia nas meias-finais (2-1), uma das estreantes na prova, com Jamaica, Japão e África do Sul. Uma Croácia com Petar Krpan (Sporting e U. Leiria, 98/2001; e novamente U. Leiria em 2004/05) e Mario Stanic (Benfica, 1994/95). Mas sobretudo com Stimac, Bilic, Tudor, Jarni, Prosinecki, Boban e Suker.

Nos quartos-de-final, os croatas limparam a Alemanha (3-0), a França sobreviveu à Itália (de Vieri, cinco golos) nos penáltis, e a Holanda desenvencilhou-se da Argentina, por 2-1.

No jogo de atribuição do 3.º e 4.º lugares, Suker decidiria para a Croácia, que bateria por 2-1 a Holanda. O avançado croata garantia a Bota de Ouro.

A Bola de Ouro foi para Ronaldo, apesar do apagão na final. O astro brasileiro adoeceu na noite anterior (de convulsões a ataques epiléticos, ainda hoje não se sabe exatamente o que se passou) e passou ao largo do jogo. Aliás, como toda a equipa do Brasil, punida por dois golos de cabeça de Zidane (os únicos no torneio) ainda na primeira parte, e um de Petit já no final. A França juntava-se à Inglaterra nos países com um título, o Uruguai e a Argentina continuavam com dois, Itália e Alemanha com três e o Brasil com quatro.

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