Os meses de setembro a novembro de 1883 sucederam-se em frenética atividade para o pintor inglês William Ascroft. Sentado nas margens do rio Tamisa, em Chelsea, o artista eternizava em esboços a pastel os pores-do-sol que há semanas espantavam os londrinos. Mescla de verdes, azuis e magentas, a paleta que tingia o firmamento mimetizava céus de sangue e convulsão, dia a dia a superarem-se em exuberância. Na época, a abóboda flamejante que pairava sobre os dois hemisférios terrestres, não vivia órfã de explicação. A 28 de agosto de 1883, a ilha Krakatoa, na Indonésia, então denominada Índias Orientais Holandesas, explodira numa crueldade vulcânica única na História. Em poucas horas, mais de 36 mil almas pereceram ao inferno de fogo e água, naquela que foi a segunda erupção vulcânica a somar mais fatalidades. A tragédia de Krakatoa fora superada pela do Monte Tambora, também na Indonésia, que em 1815 matou 71 mil seres humanos, obliterando o verão no ano seguinte, com o planeta Terra asfixiado no manto de cinzas..Em Inglaterra, Ascroft pintava a pedido da Royal Society. Numa época anterior à fotografia colorida, a instituição fundada no século XVII, documentava para futuro, e para a ciência, as cores irreais do firmamento. O afã de William levou-o a criar, em poucos meses, centenas de esboços de céus, peças atualmente à guarda do Museu da Ciência, em Londres..A cerca de 400 Km a noroeste da capital inglesa, no condado de Lancashire, Gerard Manley Hopkins, firmava também uma relação com os céus coloridos pela nuvem de ácido sulfúrico de Krakatoa. Hopkins, poeta, orientou a depressão que o tolhia, para horas de solidão no campo, abatido face ao trabalho rotineiro no colégio interno onde lecionava. Enredado nos céus, o poeta, pormenorizava-lhes em verso todos os contornos. Meses de deambulações e de escrita produziram um documento com mais de duas mil palavras, remetido por Hopkins à revista de ciência Nature, editada desde 1869. Com tanto de enleio poético como de rigor meteorológico, os "crepúsculos sobrenaturais", descritos por poetas da época como Algernon Swinborne, Robert Bridges e Alfred Tennyson, encontraram na escrita de Hopkins uma interpretação maior: "mais como carne inflamada do que os vermelhos lúcidos do comum pôr-do-sol", afirmava o poeta apontando para o firmamento de então. Palavras recordadas pelo professor inglês Richard Hambly, em "The Krakatoa Sunsets", artigo publicado em 2012 na The Public Domain Review..Por mais transtornada que nos pareça a verve de Gerard Manley Hopkins é pálido testemunho do cataclismo que a manhã de 27 de agosto de 1883 trouxe à ilha vulcânica incrustada no estreito de Sunda, entre as ilhas de Java e Sumatra. Aquele território da Indonésia encontrava-se, então, sob o domínio holandês. A ilha, já documentada em mapas do século XVII, laborava na catástrofe havia meses. O solo expelia jatos de cinza negra que se elevavam a 11 Km na atmosfera. Ligeiros tremores de terra entregavam sobressalto às populações que habitavam a região. Há muito dormentes, as montanhas vulcânicas de Krakatoa despertavam. Há milénios que se digladiavam sob o solo duas forças imparáveis, uma placa tectónica oceânica, outra continental..No embate de ambas, a placa oceânica mergulhou sob a continental, carregando para o magma terrestre, água, areia e rochas que, sob o calor, formaram um composto viscoso e ardente. Acicatados pela pressão, magma e gases rasgavam o solo até à superfície. A 26 de agosto de 1883, as crateras de Krakatoa revelaram-se portas libertadoras da matéria letal. A explosão elevou detritos a 25 Km de altitude, atingindo, nas horas seguintes, os 36 Km, já na estratosfera. Ao entardecer de 26 de agosto, fluxos piroclásticos, compostos de gás quente e cinza e rocha, avançavam a mais de 100 Km por hora rumo ao mar..Às primeiras horas de 27 de agosto deu-se o cataclismo. Uma explosão colossal, lançou fluxos piroclásticos ardentes a 80 Km de distância, numa cavalgada oceânica sem barreiras até aos litorais. Aí, incinerou dezenas de aldeias e liquidou perto de mil seres humanos. Estima-se que a energia libertada em Krakatoa corresponda a 200 megatoneladas de TNT, quatro vezes mais poderosa do que a soviética Tsar Bomba, a mais potente arma nuclear já detonada, num teste ocorrido no oceano Ártico em 1961. Tão formidável explosão gerou o som mais atroador amparado por ouvidos humanos, audível a 5 mil Km de distância na Ilha de Rodrigues, no oceano Índico, mas também na Austrália, na Índia e nas Filipinas..Krakatoa reservava, ainda, um mortífero capítulo final. Face à explosão, dois terços da ilha sucumbiram rumo ao mar. O tsunami que se lhe seguiu varreu os litorais do Estreito de Sunda com uma onda estimada em mais de 30 metros. Em poucos minutos, 35 mil pessoas pereceram sob a vaga. No céu, a nuvem de poeira atmosférica com grande volume de dióxido de enxofre combinou-se com vapor de água para gerar gotículas de ácido sulfúrico. O firmamento escureceu como noite prematura..Empurradas por ventos de altitude, as poeiras de cinza alastraram, primeiro, às latitudes tropicais para, depois, velarem a atmosfera rumo aos polos. Nos meses seguintes, a temperatura da Terra baixou 1º C e os pores do sol ganhavam os tons que William Ascroft soube documentar..Em setembro de 1884, o mar entregava ao litoral oriental da África do Sul um testemunho da tragédia ocorrida um ano antes. Nas ondas, vogava um destroço de Krakatoa. A pedra pomes, tão grande quanto um edifício, era navegadora solitária a 8 mil Km do ponto de origem..Pouco sobrara no local onde existira Krakatoa e os seus picos a roçarem os 880 metros de altitude. Porém, em 1927, emergiu nova força da caldeira formada pelo vulcão extinto em 1883. Sucessivas erupções pariram Anak Krakatoa (em tradução livre "Filho de Krakatoa"), atualmente a somar 300 metros acima do nível do mar. Um filho belicoso que, em 2018, com um tsunami causado por abatimento de terreno e, mais tarde, em 2020, numa erupção, deu mostras da sua tempera..Em 1815, nas longínquas Ilhas Orientais Holandesas, fervia sob a superfície terrestre a matéria-prima para uma tragédia que mudaria a história do mundo nos anos subsequentes. A devastação deu-se sob a forma de uma explosão vulcânica cataclísmica. Um ano mais tarde, em 1816, o planeta Terra dispensou a palavra verão do calendário anual. Em junho, os Estados Unidos debatiam-se com a neve..Na Europa, em julho, vingavam as geadas. Num retiro literário suíço, açoitado pela chuva e vento, a britânica Mary Shelley urdia as primeiras linhas do seu livro maior, Frankenstein. Estima-se que a erupção vulcânica do Monte Tambora foi responsável por ceifar 75 mil almas, direta e indiretamente, devido à fome e a doenças como a cólera e febre tifoide.