15.ª edição do Paredes de Coura entra amanhã em acção

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É um caso à parte no contexto dos festivais de Verão nacionais. E, se o é, isso não se deve apenas ao facto de ter surgido antes dos outros - exceptuando o decano Vilar de Mouros, que este ano deixou de existir. A peculiaridade do Festival Paredes de Coura , cuja 15ª edição arranca amanhã e decorre até ao próximo dia 15 num cenário natural que afama desde o primeiro momento aquela localidade minhota, prende-se essencialmente com a fidelidade da agência que o produz e organiza, a Ritmos, a critérios de qualidade e coerência musicais que conservam uma saudável margem de independência face aos fenómenos de massas.


O conceito de raiz explica, em parte, esta natureza ímpar, uma vez que, ao contrário de outros certames mais recentes, Paredes de Coura nasceu não como perspectiva de uma oportunidade fundamentalmente comercial mas enquanto desejo de um grupo de amigos de superar os complexos da interioridade e satisfazer as necessidades melómanas que eram suas e sabiam ser, também, de muitos outros. José Barreiro, um dos responsáveis do festival , lembra o início, em 1993: "Tínhamos 20, 21 anos, e aí a nossa formação musical não era tão estruturada que pudesse sustentar princípios muito rígidos, mas já havia a ideia de fazer um festival alternativo, primeiro dentro da música portuguesa, mais tarde internacionalizado".


Ao longo do percurso trilhado até hoje não deixou, porém, de se registar um ou outro "desvio", como reconhece aquele produtor. "Em 2002, por exemplo, obtivemos o recorde de público para uma só noite, cerca de 23 mil pessoas, com a vinda dos Korn, que sabemos estarem longe de ser uma banda alternativa. Não era esse o festival que queríamos fazer", confessa. E a verdade é que um ano depois o "caminho certo" estava reencontrado. "Daí para a frente temos tido cartazes que se enquadram na ideia de festival que concebemos enquanto jovens", diz.


2005 foi, até hoje, o topo, o paradigma do equilíbrio entre a natureza alternativa das propostas musicais e o seu, digamos, valor de mercado. "Vieram os campeões da cena alternativa". Uma colheita de sorte, também, já que "nem sempre os grupos estão em tournée na altura do festival e, além disso, há uma concorrência fortíssima de eventos destes pela Europa fora". Arcade Fire desencadearam, então, a maior epidemia de deslumbramento na história do Paredes de Coura - com bastante exagero, diga-se. Mas houve outros concertos memoráveis, como os de !!!, Foo Fighters ou The Roots.


Este ano, segundo José Barreiro, "é um ano de teste", na medida em que o espectro das bandas estrangeiras, tirando Sonic Youth, Dinosaur Jr e New York Dolls, se preenche de "coisas que se estão a afirmar". A ideia da Ritmos é "ver até que ponto se consegue manter a média de público das edições anteriores com uma aposta mais arrojada". Ou seja, a equipa organizadora assume, sem rodeios, que "já houve cartazes mais apelativos, do ponto de vista da popularidade dos nomes", mas também defende a sua dama: "Em termos de qualidade musical, este ano não fica nada atrás dos outros". Conclusões a tirar nos próximos dias.
A par do crescimento do festival , evidentemente, cresceu a vila minhota. "Hoje em dia as pessoas dizem que são de Paredes de Coura e toda a gente sabe onde é", atira José Barreiro, orgulhoso, antes de lembrar o choque que, no início, o certame constituiu para as gentes da terra. "Como nunca tinham recebido nada de grande, houve algum receio, medo até. Mas depois, e por isso eu acho que a maior mudança, a nível local, foi de mentalidades, deu-se um clic e as pessoas passaram a acolher o público do festival com enorme entusiasmo", conta. Além disso, toda uma juventude courense que cresceu com o evento e já não imagina a sua vila sem ele - uma franja populacional hoje entre os 18 e os 25 anos - "discute música, vai a festivais em Portugal e no estrangeiro, tem uma cultura musical que noutros tempos era impossível".


Aspecto nada negligenciável é, também, o convívio internacional que o Paredes de Coura tem proporcionado. 40% do público vem de Espanha, o que, aliás, é a garantia de sustentabilidade do certame. Não fosse isso e, muito provavelmente, já ele teria ido ao charco. É um fenómeno que se verifica desde 2004. A maior parte vem, naturalmente, da Galiza, mas chega gente do país inteiro, " de Madrid a Maiorca, de Barcelona às Canárias". Em menor escala, há ainda quem provenha de outras zonas da Europa e até de países tão longínquos como Austrália, EUA ou Canadá. O trunfo de Paredes de Coura , e a razão pela qual é, para os organizadores, o evento português de carácter regular que consegue reunir público de origens mais diversas, está justamente na qualidade alternativa da música. "O novo mundo do rock não tem pátria, não conseguimos circunscrever um movimento musical a um país. É tudo à escala global, o alternativo também. A horda alternativa em todo o mundo é um somatório de pequenos públicos. E Paredes de Coura reúne cada vez melhor os da Península Ibérica", afirma o mesmo responsável.


Contas feitas, a um festival maduro, de identidade cimentada, junta-se uma vila apta a receber turistas, requisitos essenciais para o êxito, apesar das incertezas suscitadas por um cartaz arriscado, mas que, ainda assim, sabe a quem se dirige: 90% dos espectadores do certame, cuja média de idades é de 26 anos, tem formação superior ou frequenta os ensinos secundário e universitário; 80% vai lá pela música, 20% privilegia o convívio e a paisagem. Tudo somado, conclui-se que não há grandes motivos para alarme.


Nas actividades de palco, a primeira novidade é, justamente, o palco. O principal, o Palco Heineken Paredes de Coura . Um Orbital [redondo] com 15 metros de altura. Uma estrutura impressionante, a estrear no contexto dos festivais portugueses. A honra caberá, amanhã, pelas 18.00, aos londrinos New Young Pony Club, que ali defenderão as virtudes do álbum Fantastic Playroom (2007) e a sua indie-electrónica fresca, sexy, fashion, numa noite em que todos os olhos e ouvidos estarão apontados aos também londrinos BabyShambles, particularmente ao vocalista, Pete Doherty, namorado ou ex-namorado, ninguém sabe muito bem, da top model Kate Moss, famoso pelos inúmeros problemas que tem tido com a polícia devido ao consumo de drogas. Aliás, só no início desta semana a Ritmos pôde respirar de alívio, após ter sido adiado, em Londres, o julgamento do ex-Libertines por posse de droga e a juíza o ter autorizado a viajar para Portugal. Assim, há a certeza de que o concerto se realiza. Como se realiza, isso já são contas de outro rosário. A ver.


M.I.A., mais uma londrina, mas com raízes que a fizeram, em tempos, voltar ao Sri Lanka, do qual trouxe matizes para a sua já colorida e miscigenada música, de ritmos tribais e apelo arty, indo do grime ao reggae, do electro ao funk carioca, é a Dama de Honor da jornada inaugural, que, pelo meio, e a não perder de vista, serve o indie-rock dos norte-americanos Sparta, o garage-rock harmónico dos suecos Mando Diao e o sempre tão celebrado "cybertribalismo", passe o palavrão, dos portugueses Blasted Mechanism, uns dos três representantes nacionais no palco principal.


A noite do meio abre ao som do indie-rock dos texanos Spoon, formados em 94 e já com vários álbuns no currículo, o último dos quais editado este ano, sob o título Ga Ga Ga Ga Ga. Depois vem a teatralidade gipsy-punk dos Gogol Bordello (Nova Iorque), com o frenético Super Taranta! (2007) na manga, seguindo-se aquele que se perfila como principal candidato a concerto-fetiche do Paredes de Coura 2007 e, nessa medida, a repetir o, chamemos-lhe assim, efeito Arcade Fire: o sexteto avant-garde australiano Architecture in Helsinki, com a sua parafernália de instrumentos variados, de tubas a samplers, de trombones e palmas, transpondo para palco o álbum Places Like This (2007). A fechar, três pesos pesados: Mão Morta, ícones por excelência da música alternativa em Portugal e, nessa medida, bem chamados aos 15 anos do festival ; New York Dolls, formados em 71 e re-formados em 2004, "descendentes" de Stones, Marc Bolan, Stooges, "ascendentes" de Kiss, Ramones, Sex Pistols, entre outros; e Dinosaur Jr., heróis renascidos do rock alternativo, tão coesos como dantes.


Na última noite, 15, todos os caminhos vão dar a Sonic Youth, o grande nome desta edição. Experimentalismo, criatividade, melodia, noise, distorção, tudo em equilíbrio servindo grandes canções, cujo êxito nunca rimou, antes pelo contrário, com mainstream. Espera-se uma trip sónica. Antes deles actuam os (ou será mais correcto dizer as?) Cansei de Ser Sexy, projecto brasileiro na fronteira da música e da moda, do rock e da electrónica, cujo hype internacional já se prolonga há mais de um ano. E ainda antes os suecos Peter, Bjorn & John, cujo tema Young Folks (que abre com um assobio e faz, por cá, publicidade a uma operadora de telemóveis) vai ser, seguramente, o mais ouvido nos intervalos dos concertos. Actuação a ter debaixo de olho é a dos Sunshine Underground, banda de Leeds que traz fama de arrasar ao vivo, muito devido aos riffs funky da guitarra que dão ao todo indie rock um passaporte para a dança. E o rol completa-se com duas propostas próximas do pós-rock: as também inglesas, e feministas, Electrelane, discípulas dos Sonic Youth, e os portugueses Linda Martini, fenómeno de culto nacional.


Em paralelo, este ano há, a funcionar durante a tarde, um palco chamado Ibero Sounds, só com bandas da Península Ibérica (Slimmy, The Blows, Mundo Cão, 6 P M, The Right Ons, Born a Lion), um outro denominado Ruby, para aventuras mais jazzísticas (Low Budget Research Kitchen, Palo Barros 4tet, Fanfarra Recreativa e Improvisada Colher de Sopa) e, noite dentro, este já a partir de amanhã, o After Hours (Sizo, Devotcha, DJ Fra/Nitsa Club/Primavera Sound, Simian Mobile Disco, Crystal Castles, Guns n'Bombs, Foreign Islands, DJ Jean Nipon, U-Clic, Boys Noize).


Está pronto, pois, o belo anfiteatro natural de Coura para receber uma edição especial. Afinal, não é todos os dias que um festival de Verão faz 15 anos.


paredes de coura alternativo


40% do público do festival vem de Espanha, o que, aliás, é a garantia de sustentabilidade do certame
paredes de coura alternativo
O bilhete diário custa 40 euros, ao passo que o ingresso para todo o festival fica por 70. O bilhete de família é válido para pais e irmãos, com desconto de 20 euros por ingresso
20% dos espectadores privilegiam o convívio
Média de idades dos espectadores do Paredes de Coura ronda os 26 anos


Agenda das actuações


Dia 12 (noite de recepção) início dos concertos às 22.00h
PALCO AFTER HOURS
22h30 - 23h10
Sizo
23h30 - 00h30
Devotchka
01h00 - 03h00
DJ FRA/Nitsa Club/ Primavera Sound
03h00 - 06h00
Simian Mobile Disco


Dia 13
início dos concertos às 18h00
PALCO HEINEKEN PAREDES DE COURA
00h30 BabyShambles
23h00 - 00h00 M.I.A.
21h30 - 22h30 Blasted Mechanism
20h10 - 21h10 Mando Diao
19h00 - 19h50 Sparta
18h00 - 18h45 New Young Pony Club


Dia 14
00h45 Dinosaur Jr.
23.00h - 00.25 New York Dolls
21h20h - 22h20 Mão Morta
20h10h - 21h00 Architecture In Helsinki
19h00 - 19h50 Gogol Bordello
18h00 - 18h45 Spoon


Dia 15
00h45 Sonic Youth
23h00 - 00h25 Cansei de Ser Sexy
21h20 - 22h20
Peter, Bjorn & John
20h10 - 21h00 Sunshine Underground
19h00 - 19h50 Electrelane
18h00 - 18h45 Linda Martini


O bilhete diário custa 40 euros, ao passo que o ingresso para todo o festival fica por 70. Podem comprar-se online (www.paredesdecoura.com/bilhetes), mas têm de ser trocados por uma pulseira à entrada do recinto. A novidade, este ano, é o bilhete de família, válido para pais e irmãos, com a oferta de um desconto de 20 euros por cada ingresso. Este, contudo, pode apenas ser adquirido no local do certame, mediante documento comprovativo da filiação. A medida, pioneira em festivais de Verão nacionais, responde a lamentos por parte de pessoas entre os 40 e os 50 anos que iam a Paredes de Coura sem levar os filhos, já de 15, 20, pela dificuldade em cobrir os custos. Nota positiva, portanto, para a organização. E, porque não dizê-lo, um exemplo a seguir.


Para chegar ao festival , de automóvel, quer vindo de Valença quer do Porto, a A3 é o ponto de referência. Está indicada a saída Paredes de Coura , não há que enganar, tomando-se depois a EN303 que segue directa para o recinto do certame.


A AVIC Expressos faz, diariamente, partir autocarros de Lisboa (Estação do Oriente e Campo Pequeno) para Paredes de Coura . Os horários de saída da Estação do Oriente são 07.30 (excepto sextas-feiras e domingos), 12.00 (excepto sábados e domingos), 12.30 (só aos sábados) e 18.00 (excepto sextas-feiras e sábados). As passagens pelo Porto (Café Convívio, Boavista) fazem-se, respectivamente, às 11.40, 16.10, 16.10 e 22.10. As carreiras param ainda em Viana do Castelo (Central de Camionagem) às 12.55, 17.25, 17.25 e 23.25, chegando ao destino pelas 14.40, 19.10, 19.10 e 01.10. Para o regresso, partem de Paredes de Coura , rumo a Lisboa (e também com paragem em Viana e no Porto) autocarros às 10.15 (excepto domingos), 16.00 (só aos domingos) e 21.45 (excepto sábados). Informações mais detalhadas obtêm-se em www.avic.pt.
Hoje partem de Lisboa (Gare do Oriente) os últimos autocarros especiais, directos, de Lisboa para Paredes de Coura . 8.30, 12.30 e 18.30 são os horários, custando as viagens 18 euros e 16 euros com cartão jovem. Os regressos fazem-se dias 15, pelas 22.00, e 16, às 10.30 e 22.00.


De comboio (alfa pendular/intercidades), depois de se chegar ao Porto deve tomar-se a ligação de comboio regional até Valença, havendo, durante os dias de festival , sempre que se justificar, um serviço de autocarro da estação local até ao recinto do certame. Para saber os horários consulte www.cp.pt.


Este ano, toda a zona de alimentação do festival está pavimentada a paralelo, proporcionando maior conforto aos visitantes, que em 2004 e 2006 viram aquele terreno enlameado pela chuva, fazendo do Paredes de Coura um pequeno Glastonbury, mas sem as gentes do certame britânico. Uma medida de precaução e serviço, pois, que se aplaude.


Nem só de música se faz a actividade do festival . Ao longo dos quatro dias haverá cinema, programado pelo IMAGO, Festival Internacional de Cinema Jovem que se realiza no Fundão. São estes os filmes: Brava Dança; The Polyphonic Spree - Raise Your Ears And Hold On To Your Heart; Glastonbury; American Hardcore - The Histoty of American Punk Rock 1980-1986; e Beastie Boys - Awesome, I Fucking Shot That.


Quem quiser recompor-se de cada noite e estiver disposto a "madrugar" pode também alinhar nas práticas de Ioga Antigo pelas 11.30 dos dias 13, 14 e 15, abertas a todos os participantes, no extenso relvado que fica à frente do palco Ruby. Será que a representação de Braga da Universidade de Yoga consegue implantar, na romaria que acorre à Praia Fluvial do Tabuão, este novo estilo de vivência de um festival?

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