1384 e 2021. Dois cercos a Lisboa
O atual cerco a Lisboa não é exatamente como o de 1384. Nessa altura foi imposto por Castela, pelas tropas comandadas por João I de Castela, e terá durado de 26 de maio a 3 de setembro. Foram meses longos de sofrimento e restrições a vários níveis. Os portugueses eram então chefiados pelo mestre de Avis, que seria depois aclamado rei de Portugal. O cerco foi feito por terra e por mar e é descrito por Fernão Lopes na Crónica de El-Rei D. João I. Na crónica desse pioneiro do jornalismo referem-se alguns dados sobre o cerco à cidade: um forte dispositivo armado, apoiado por 77 torres, garantia o isolamento da urbe.
Hoje não precisamos de espanhóis, nem de torres, nem de armas para assistir a um novo cerco. Bastou um vírus mundial, que entrou sem bater à porta, nem derrubar muros, nem trazer exércitos para nos deixar em isolamento, distanciamento, cuidados intensivos e, agora, um cerco sanitário em redor da capital de um país que ainda não se levantou das cinzas da crise pandémica, que já leva mais de um ano.
Em 1384, enquanto o cerco durava, Nuno Álvares terá mandado atear uma grande fogueira no alto do Castelo de Palmela para ser vista em Lisboa e da capital a resposta surgiu com outra fogueira ateada no castelo de São Jorge. Uma frota vinda do Porto conseguiu penetrar a linha defensiva da frota inimiga, trazendo alguns alimentos à cidade e fortalecendo a guarnição. Terão sido também decisivos os ataques na periferia do cerco realizados pelo penetrante exército de D. João, mestre de Avis, chefiado por Nuno Álvares Pereira. Em versão muito condensada e simplista, as tropas castelhanas acabaram por sofrer muitas baixas e o cerco foi levantado no início de setembro do mesmo ano. Os lisboetas respiraram de alívio, recuperaram a segurança e a liberdade.
Quanto tempo demorará desta vez, em 2021, a capital a retomar a liberdade de movimentos, de circulação, de ajuntamentos? A variante Delta já é dominante (responsável por mais de 90% dos novos contágios) no Reino Unido e está a avançar, como se de um exército inimigo se tratasse, pelas ruas de Lisboa e não só. Testar, rastrear e controlar a pandemia é urgente.