13 de Maio
Tem toda a pertinência e plena actualidade olhar para a feliz circunstância que este ano une, católicos e muçulmanos em torno de uma data redonda em que ambos celebram - o dia de Fátima e o Id"ul-Fitre respectivamente - que marca o fim do sagrado mês do ramadão.
Se dúvidas ainda persistissem basta olharmos para as centenas de publicações presentes a propósito dos recentes acontecimentos no médio oriente, em suportes tão dinâmicos como as redes sociais, próprias de uma era digital, na qual se fazem frequentemente e de um modo algo leviano julgamentos sumários e sem se aguardar o desfecho do caso para verter a nossa opinião prematura amiúde.
Dou por mim a pensar que os crentes terão de no futuro enfrentar dificuldades em harmonia à sua fé inspiradora e por meio da qual nos é sugestionada a discussão periclitante em torno dos temas da liberdade religiosa e da integração.
Aqui chegados, importará, antes de uma reflexão objetiva e isenta de qualquer hiperbolismo, estatuir que a liberdade religiosa abrange a escolha da religião, a mudança, a liberdade de não aderir e até a liberdade de ser ateu. A liberdade de culto, por seu turno comporta a liberdade das orações e manifestações exteriores da fé em casa ou em público.
A defesa destas liberdades emergem de textos e regimes tão amplos e diversos no tempo e na história como os Éditos de Ashoka (séc. III a.C), da declaração de Muhammad (século VII d.C), da Reforma Protestante (1517), do Édito de Turda (1568) ou do Bill of Rights (1776) já na era moderna e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pelas Nações Unidas em 1948.
No mundo ocidental, a memorável máxima "A César o que é de César e a Deus o que é de Deus" brota do próprio Evangelho, constitutiva de um sábio paradigma definidor das relações entre o cristianismo e a autoridade secular, conhecidas que são as tragédias comummente produto de estados confessionais.
É precisamente aqui, e considerando a diversidade presente num mundo global, que dita um jogo difícil cuja fronteira entre a plena e cabal liberdade religiosa e a assimilação de valores culturais é uma finíssima e ténue linha, bem como difícil é encontrar o lugar exacto dessa linha.
Contrariamente à visão europeia, em que incumbe aos governos o garante dessa liberdade, nas terras de uncle Sam, v.g. ela apenas é garantida e abalizada e definida quanto aos seus limites por força da lei, responsabilizando os cidadãos por pressionarem o sistema na conformação deste à conveniência dos interesses daqueles.
Sem embargo dos contornos muito expressivos e dramáticos de que alguns episódios padecem, é imperativo atestar que não deve ocorrer uma ditadura das minorias religiosas que não raras vezes sofrem do síndrome da hipersensibilidade sob pena de verem alargado o seu catálogo de direitos para além daquilo que lhes é devido, sacrificando assim a maioria e esvaziando a legítima identidade cultural desta.
Dito isto, a pergunta que se impõe e nos assola a alma, de tão assustador que o seu resultado pode ser é: Será que estamos no bom caminho em termos de integração e de respeito do lugar-comum religioso?
O extremar de posições um pouco por todo o mundo - com reacções próprias da natureza humana destreinada, que demonstram aversão à mudança, a simples rejeição da diferença, a dificuldade em compreender o próximo e os seus legítimos anseios são pouco animadoras, admitamos.
A somar a todo este quadro pouco lisonjeiro, vimos aparecer pois, um aproveitamento da situação, eventualmente inconsciente, e enviesado em relação a dois movimentos, de sentidos distintos:
ii) dos muçulmanos* - que abusando da sua sensibilidade, entendem que a sua liberdade religiosa é sistematicamente violada; ora recordemo-nos que o profeta Muhammad (p.e.c.e.) ensinou-nos a respeitar as regras de um determinado país - e caso estas nos não fossem favoráveis ou de tal modo incompatíveis com a nossa prática religiosa, que o remédio seria evidente... procurar outro país ou emigrar.
iii) dos que pregam a "invasão" do ocidente pelo islão, como uma verdade de sabor "lapalassiano" procurando enfatizar que os muçulmanos reclamam direitos que não têm, procurando subtrair para si, um qualquer benefício e assim, "islamizar" o continente;
Deixemo-nos de fantasias. Procuremos o meio termo, a célebre verdade aristotélica que assenta na convicção de que no meio está a virtude e, portanto, deixemos que a zona de conforto em que todos nos encontramos seja substituída por uma vontade e por vezes sacrifício, porque não assumi-lo, de conhecer o outro e de contactar com uma realidade vivencial diversa.
O mundo precisa de mais ades e menos ismos. Mais sensibilidade, mais solidariedade, mais responsabilidade, mais generosidade, mais humanidade. E menos oportunismo, menos egoísmo, menos materialismo, menos egocentrismo, menos exibicionismo e fanatismo.
É certo que este fenómeno de sentir não vem acompanhado de um manual de instruções e estou certo de que o mundo se transfigura através das emoções e não da frieza da razão.
Resta-nos a convicção optimista de que o que nos une é superior ao que nos diverge e que este mesmo Deus único não nos fez oriundos de heranças culturais e raciais diferentes por acaso de uma mera coincidência.
Aliás, Fátima é um local mágico e visita assídua de crentes islâmicos, não só pelo nome especial e energia que carrega (recorde-se a filha do profeta Muhammad de seu nome Fátima a quem foi prometido o paraíso) mas também por um conjunto de coincidências divinas que o Cardeal Miguel Ayuso, presidente do conselho pontifício para o dialogo inter-religioso classifica como "uma porta aberta para o diálogo".
Faço pois, votos que os tempos vindouros nos tragam mais amor, paz e compreensão - preces de fim do ramadão - próprias de um mês de tanto sacrifício quanto libertação. Ameen
Eid Mubarak
*por uma questão didática o autor generalizou, querendo naturalmente referir-se a alguns muçulmanos - naturalmente uma pequena minoria
Comentador no programa da RTP E Deus Criou o Mundo
Senior Advisor do Presidente da CIL
Membro do Observatório do Mundo Islâmico
Presidente do Rotary Clube da Portela