Social-democracia sempre? Tem dias...
Na última quinta-feira, Passos Coelho apresentou a sua recandidatura à liderança do PSD sob o lema "Social Democracia Sempre!" As eleições diretas para a escolha do líder estão marcadas para 5 de março e o congresso do partido, de 1 a 3 de abril, deverá servir de cenário para a entronização solene. Mas nem sempre foi assim. Antes da moda das diretas (os últimos dez dos 42 anos do partido), os congressos do PSD tinham a fama - e o proveito - de serem os mais animados da política portuguesa. Ali se faziam e desfaziam estratégias e táticas, alianças e amizades, se juravam apoios logo atraiçoados em autênticos festivais de "intrigalhada", para gáudio de comentadores e observadores de jornais e televisões. Aqui ficam 15 respostas a outras tantas perguntas sobre a história daquele que já foi chamado "o partido mais português de Portugal".
Quando nasceu o PSD?
Foi apresentado publicamente a 6 de maio de 1974 pelos fundadores Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão, antigos deputados da "ala liberal" da Assembleia Nacional do Estado Novo. Um quarto elemento do grupo inicial, Miller Guerra, demitiu-se ainda antes da formalização do partido. A ideia era criar, no novo regime resultante do 25 de Abril, uma força política de centro-esquerda, segundo o modelo dos partidos social-democráticos da Europa do Norte. Ah, e não se chamava PSD mas sim PPD.
Porquê PPD?
Porque o nome "social-democrata" já estava ocupado. A 5 de maio, na véspera da fundação do atual PSD, foi divulgado o manifesto do Partido Cristão Social-Democrata (PCSD), lançado por militantes da Ação Católica. A poucas horas da apresentação pública do novo partido, Sá Carneiro e os outros fundadores, que procuravam freneticamente uma alternativa, aceitaram a sugestão do escritor Ruben Andresen Leitão: Partido Popular Democrático. Como o PCSD nunca chegou a ser legalizado, a "marca" PSD ficou disponível e, em 1976, o PPD adotou o nome de Partido Social Democrata e a sigla PPD/PSD, que ainda hoje consta no registo do Tribunal Constitucional.
O que significam as setas?
Segundo um texto escrito por Pedro Roseta (antigo ministro da Cultura) num dos primeiros números do jornal do partido, "Povo Livre", nos anos 30, na Alemanha, membros do partido social-democrático riscavam com setas, a giz, as suásticas pintadas nas paredes pelos nazis. Estilizadas (pelo cartunista Augusto Cid), simbolizam os valores da liberdade, igualdade e solidariedade.
Porquê a cor laranja?
Para marcar a diferença em relação ao vermelho do PS, do PCP e da extrema-esquerda. A sugestão foi de uma militante da primeira hora, Conceição Monteiro, por se tratar de uma cor "quente e mobilizadora", de acordo com o site do PSD. Na altura, constou que a secretária de Sá Carneiro lembrou - e bem - que o laranja iria ganhar nos meses seguintes uma popularidade imbatível: fora escolhida pelos estilistas internacionais como a cor da moda para a primavera-verão de 1974.
Qual a ideologia do PPD/PSD?
Segundo o site oficial, "o partido foi criado com base em três linhas de pensamento distintas embora complementares. Uma linha católica-social (...); uma linha social-liberal, ligada à social-democracia (...), e uma linha tecnocrática-social, com preocupações mais ligadas ao desenvolvimento económico, privilegiando mudanças sociais e culturais como meio determinante de promover e alargar a democracia."
E o que é a social-democracia?
É uma ideologia política progressista, geralmente rotulada de centro-esquerda, que preconiza o desenvolvimento das sociedades por meio de reformas políticas e sociais gradualistas. Utilizando as ideias económicas de Keynes, atribui ao Estado um papel fundamental: promover a liberdade e a justiça social através da redistribuição da riqueza.
Profundamente ligada aos sindicatos e à organização dos trabalhadores, a social-democracia tornou-se uma das principais forças políticas na Europa ocidental depois da II Guerra Mundial, com a adoção, no Reino Unido, das recomendações do Relatório Beveridge, que levaram à criação do Serviço Nacional de Saúde e a profundas reformas na educação e na segurança social.
Medidas reformistas semelhantes, aplicadas sobretudo nos países nórdicos e na então Alemanha Federal, ao longo da segunda metade do século XX, estiveram na base do chamado "Estado de bem-estar", "Estado-Providência", "Estado social" ou, como agora se diz, "modelo social europeu".
A origem da social-democracia remonta aos primórdios do movimento operário: a Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional), fundada em 1864 e dissolvida em 1876 por causa das diferenças irreconciliáveis entre os seguidores de Marx e de Bakunin. Nos anos seguintes surgiram por todo o mundo partidos com a designação de socialistas ou social-democráticos - com destaque para o alemão, encabeçado por Eduard Bernstein, August Bebel, Wilhelm Liebknecht e Ferdinand Lassalle -, que formaram, em 1889, a II Internacional. Apesar das juras de fraternidade universal, revelaram-se impotentes para evitar a I Guerra Mundial - e a II Internacional acabou em 1916.
A revolução russa, em 1917, levou ao poder uma fação do Partido Operário Social-Democrático cujo líder, Lenine, lhe mudou o nome para Partido Comunista e provocou uma cisão decisiva no movimento operário internacional. Daí em diante, partidos e sindicatos dividiram-se entre proponentes da via revolucionária para a tomada violenta do poder (comunistas) e defensores da evolução através de reformas graduais (socialistas ou social-democratas). Estes últimos fundaram a atual Internacional Socialista, em Frankfurt, em 1951.
Qual é a diferença entre social-democracia e socialismo democrático?
Nenhuma. Na Europa do Norte, com destaque para os países escandinavos e a Alemanha, a designação genérica é "partidos social-democráticos"; no Reino Unido, a mesma família política é representada pelos trabalhistas; na Europa do Sul adotou o nome de "partidos socialistas".
Em Portugal, por razões táticas, o PS empolou o que era pouco mais do que um jogo de palavras, demarcando-se da "social-democracia" vituperada pelo PCP e pela extrema-esquerda, de modo a manter-se no campo da "revolução". O PPD (que remédio!...) alinhou na confusão: o jornal da JSD tinha o título de "Pelo Socialismo" (e chegou a ser dirigido por Paulo Portas).
Porque é que o PSD nunca pertenceu à organização internacional que reúne a família política da social-democracia?
Vontade não faltou. Sá Carneiro bateu com insistência, e repetidamente, à porta da Internacional Socialista (IS). Em outubro de 1974, por ocasião das visitas do alemão Willy Brandt e do sueco Olof Palme a Portugal, o líder do então PPD procurou convencê-los de que o seu partido era genuinamente social-democrata e que o seu lugar era na IS, formalizando o pedido de adesão. O facto de o PS já ser membro da organização não era, por si só, um impedimento: a Itália estava lá representada por dois partidos, o PSI e o PSDI. Mas Mário Soares fez-lhe uma marcação cerrada, torpedeando a mínima tentativa de aproximação.
Resultado: o PSD não chegou sequer à antecâmara da IS. Partiu para outra: após um namoro de alguns anos com os liberais, acabou por juntar os trapinhos com o Partido Popular Europeu (PPE), em 1996.
Sá Carneiro foi um líder incontestado?
Não, foi contestadíssimo. Vítima de sucessivos golpes e conspirações, respondeu na mesma moeda e afastou de forma implacável os inimigos internos (adversários são os dos outros partidos...). Logo em 1975 rompeu com dirigentes como Sá Borges, Emídio Guerreiro, Mota Pinto e Vasco Graça Moura. Em 1978 enfrentou a maior cisão de sempre no partido: a maioria do grupo das "Opções Inadiáveis", incluindo o ex-líder do PSD Sousa Franco e o fundador Magalhães Mota, saiu para apoiar o governo "eanista" de Mota Pinto, reduzindo a metade o grupo parlamentar.
Mesmo no auge do poder, após ter chegado a primeiro-ministro, era voz corrente que a previsível derrota do general Soares Carneiro nas presidenciais de dezembro de 1980 desencadearia uma nova fronda no partido contra Sá Carneiro. A morte, em Camarate, dois dias antes das eleições, poupou-o a mais essa guerrilha.
Quem foram os líderes do PSD?
Sá Carneiro (1974-1975, 1975-1978, 1978-1980), Emídio Guerreiro (1975), Sousa Franco (1978), Menéres Pimentel (1980-1981), Pinto Balsemão (1981-1983), Nuno Rodrigues dos Santos (1983-1984), Mota Pinto (1984-1985), Rui Machete (1985), Cavaco Silva (1985-1995), Fernando Nogueira (1995-1996), Marcelo Rebelo de Sousa (1996-1999), Durão Barroso (1999-2004), Santana Lopes (2004-2005), Marques Mendes (2005-2007), Luís Filipe Menezes (2007-2008), Manuela Ferreira Leite (2008-2010) e Pedro Passos Coelho (desde 2010).
Houve algum líder incontestado?
Sim: Cavaco Silva. Em maio de 1985, Cavaco, que deixara boa impressão enquanto ministro das Finanças no governo de Sá Carneiro, mas que se tornara crítico dos executivos de Balsemão e acabara a conspirar contra a participação do PSD no Bloco Central, foi "fazer a rodagem" do seu novo Citröen BX à Figueira da Foz, onde decorria o XII congresso. Saiu de lá líder e foi reeleito em 1986, 1988, 1990 e 1992. Pelo meio ganhou três eleições legislativas (duas com maioria absoluta) e foi primeiro-ministro durante dez anos.
Quem eram os "senhores das ilhas"?
Os líderes regionais dos Açores, Mota Amaral, e da Madeira, Alberto João Jardim.
O que era o "grupo da sueca"?
Homens do Norte, muito influentes durante a década de Cavaco (1985-1995). Encontravam-se para discutir política e... jogar à sueca: Eurico de Melo, empresário, várias vezes ministro e vice-primeiro-ministro, conhecido como o "vice-rei do Norte"; Vieira de Carvalho, presidente da câmara da Maia antes e depois do 25 de Abril de 1974; António Marques Mendes, advogado, presidente da câmara de Fafe, várias vezes deputado e eurodeputado; Luís Marques Mendes, filho do anterior, ministro por duas vezes, antigo líder do PSD (2005-2007) e atual comentador político na SIC; e Silva Peneda, antigo ministro do Emprego e, até maio do ano passado, presidente do Conselho Económico e Social. Os três primeiros já faleceram.
Quem chorou ao ouvir a maior pateada de sempre num congresso do PSD, depois de ter atacado o "eixo sulista, elitista e liberal"? Luís Filipe Menezes, no XVII congresso, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em fevereiro de 1995. Dias mais felizes o esperavam: em 2007 foi eleito líder do partido.
E a social-democracia? Sempre... ou só de vez em quando?
As políticas postas em prática sobretudo pelos governos de Sá Carneiro e Cavaco Silva podem ser classificadas como social-democráticas, nomeadamente ao nível do investimento público, do papel do Estado na economia e do crescimento do funcionalismo. Quanto ao executivo de Passos Coelho, fez... exatamente o contrário. E se a conjuntura, com o resgate e a troika, teve um peso decisivo, já antes o atual líder deixara claro o seu pensamento: o livro "Mudar" (2010) revela-o mais próximo do ideário do liberalismo económico do que da social-democracia. Ainda vai a tempo de mudar outra vez.