Médicos devem evitar falar do testamento vital a doentes internados

Parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida recomenda que haja "respeito pela vulnerabilidade das pessoas"
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Devem os profissionais de saúde abordar um doente que se encontre em sofrimento intenso, na fase de internamento, e providenciar-lhe informação sobre o direito que tem ao testamento vital? Que é, na prática, o direito que um doente tem a esclarecer que tratamentos quer ou não fazer em caso de doença que o impossibilite de manifestar no futuro a sua vontade.

A dúvida foi colocada pela presidente do departamento da Qualidade do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Este organismo respondeu com um parecer,agora divulgado, que recomenda aos médicos que evitem falar sobre as diretivas antecipadas de vontade" ou "testamento vital" a pessoas que estejam internadas.

É que apesar de essa informação ser um direito do paciente e de o médico ter o dever de o informar, o Conselho considera que o momento clínico tem de ser ponderado. É uma "questão da maior relevância ética a interrogação quanto ao momento em que esta informação deve ser fornecida a cada pessoa. Em concreto, importa refletir sobre se, em situações de particular vulnerabilidade, as instituições e os profissionais de saúde devem adotar medidas de transmissão dessa informação".

No parecer, assinado pelos conselheiros Sandra Horta e Silva e Sérgio Deodato, insiste-se em que "devemos interrogar-nos sobre em que situações a pessoa se encontra especialmente vulnerável devido à sua condição de saúde-doença, nomeadamente em ambiente de internamento hospitalar, devem ser usados meios de divulgação dos modos de exercício do direito às diretivas antecipadas de vontade".

Casos em que a ética se sobrepõe

Para além do estado frágil dos internados, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida referiu ainda outros casos em que pode ser "eticamente reprovável" a difusão da informação sobre o testamento vital, quer pela "debilidade psíquica do paciente, quer porque claramente se infere que uma pessoa quer exercer o seu direito a não ser informado". E é neste contexto que o CNECV entende que "a informação respeitante ao direito que uma pessoa tem de realizar o testamento vital deverá ser avaliada caso a caso".

Conclui ainda o parecer que o dever dos profissionais de saúde em informar os doentes nesta matéria tem de ser exercido no quadro da relação terapêutica estabelecida com o paciente e não por imposição de uma qualquer norma.

Contactada pelo DN, a assessora do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental transmitiu que era impossível entrar em contacto com a presidente do Departamento de Qualidade por se encontrar ontem ausente do país. De qualquer forma, a pergunta da responsável ao CNECV , referida no parecer, foi se era possível admitir-se a informação sobre as diretivas antecipadas de vontade "no momento já de sofrimento intenso em que um doente se submete ao internamento". Essa preocupação decorria de as entidades de acreditação da qualidade em saúde exigirem a colocação de informação sobre as "diretivas antecipadas de vontade", quer na consulta externa, quer nos internamentos. Foi essa exigência que levantou "preocupações éticas" a esta responsável hospitalar e motivou o parecer. Desde julho de 2014 até janeiro deste ano apenas 6190 portugueses preencheram o testamento vital, um um número que ficou muito aquém das expectativas, pois esperava-se 20 mil registos nos primeiros seis meses após a aprovação da lei (de 26 de julho de 2012). Não é, portanto, significativo o número de utentes que expressaram quais os cuidados de saúde que querem receber caso fiquem impossibilitados de decidir. O Governo já anunciou que vai apostar em campanhas de divulgação.

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