"Esta paixão rouba-me 30 a 40 fins de semana por ano"
Como é que um mecânico de Mirandela acaba no Rali Dakar na América do Sul?
Primeiro fiquei sem travões e fui parar muito cedo a Lisboa, mais concretamente a Mafra. Depois a paixão pelas corridas levou-me a enveredar pela mecânica em 1995 e pela competição em exclusivo em 2001...
O que faz exatamente um mecânico de camiões durante a etapa?
A minha função é ajudar os carros da nossa equipa que eventualmente tenham problemas, levo algumas peças suplentes, poucas, para qualquer eventualidade. O espaço neste tipo de camião, com cerca de 950 cavalos, é pouco e por isso leva-se apenas o essencial: documentos, água, alguns mantimentos, e é tudo, para estar o mais confortável possível e não andarem a voar coisas na cabina durante a etapa.
E se tiver vontade de comer ou fazer necessidades durante uma etapa de mais de 300 quilómetros?
Em relação aos xixis temos de tentar fazer antes de partir e não beber muita água uma hora antes do início da etapa. Podemos hidratar-nos, mas comer isso é para quando chegamos... e se chegarmos a horas.
Este Dakar ainda vai a meio, mas já teve muitos acidentes e desistências...
As dunas têm sido enormes e dificílimas de transpor. Na quarta etapa, já a 70 quilómetros do final, deparámo-nos com um camião capotado, do Loprais, um sério candidato à vitória, e veio ao de cima o espírito de entreajuda. Só restavam cerca de duas horas de luz e não é nada agradável fazer aquelas dunas de noite, então lá parámos. Entretanto chegaram mais outros dois camiões e começámos a puxar o camião com cintas e cordas. E depois de 45 minutos de duna acima, duna abaixo, com quilos de areia nas botas e um calorzinho agradável, lá pusemos o camião direito e seguimos juntos, não fosse mais alguém precisar de assistência. Infelizmente o Loprais no dia a seguir não conseguiu alinhar e abandonou. No domingo, por exemplo, para sairmos de um buraco com cerca de 200 metros e uma grande inclinação, tivemos de circundar a duna do tipo poço da morte para ganhar velocidade de forma a chegar ao topo... à sexta tentativa conseguimos sair.
Este é o seu sexto Dakar com uma equipa alemã. Que ambições tem?
A equipa é alemã, mas a oficina está sediada em Portugal. A ambição dos pilotos é fazer o melhor resultado possível, são gentlemen drivers (pilotos não profissionais) e se ficarem no top 20 seria excelente. Quanto a mim, chegar ao final de uma prova desta magnitude é sempre uma satisfação enorme.
Ser mecânico de competição é diferente de ser um mecânico normal?
Não existem grandes diferenças, um parafuso é sempre um parafuso, é a paixão e a experiência que fazem a diferença. São muitas horas antes e durante a corrida a trabalhar em condições de muito stress, mas não se consegue deixar de o fazer. Ter um grande suporte familiar é o segredo desta profissão, que nos toma muito tempo e fins de semana longe da família. Houve um ano de 52 fins de semana em que estive em casa apenas seis. Esta paixão rouba-me 30 a 40 fins de semana por ano.
Já trabalhou com pilotos campeões do mundo de ralis como Ogier e Latvala. Como foi essa experiência?
Eu concretamente trabalhei no carro do Sébastien Ogier nos três primeiros anos e depois fui para a equipa de testes como mecânico responsável do desenvolvimento do Polo WRC de 2017, que não chegou a correr devido ao Dieselgate e consequente cancelamento do projeto da Volkswagen Motorsport. Saí com a experiência maravilhosa de ter sido campeão do mundo, foi extremamente gratificante. O primeiro título de Pilotos e Construtores foi o mais marcante, era o primeiro ano e fomos avassaladores.
Ser um mecânico campeão do mundo passa um pouco ao lado da fama. Como é viver na sombra dos pilotos?
É coisa que não me preocupa. Fui campeão do mundo de todo-o-terreno duas vezes e de ralis quatro. Somos uma equipa, o piloto é a cara, os restantes completam a máquina, quem leva um pouco mais a mal são os navegadores, que têm um papel da mesma importância dentro do carro e não são tão reconhecidos.