É preciso salvar a muralha e a guarita do Baluarte do Livramento

Publicado a
Atualizado a

Quando um amigo me fez chegar o texto do Metro de Lisboa onde consta a localização e os detalhes das futuras estações da Linha Vermelha, solicitando-me que observasse, com especial atenção, o traçado da projetada localização da estação do Metro de Alcântara, apanhei um susto de morrer e senti uma profunda dor de alma, pois parecia que as carruagens do Metro, deslocando-se a grande velocidade, tinham acabado de trucidar o meu corpo rasgando as minhas entranhas.

Passado esse momento de surpresa, de espanto e de aflição, caí em mim não querendo acreditar naquilo que acabara de ler. Não, não podia ser verdade, porque ninguém, em seu perfeito juízo, iria autorizar que se cometesse tamanha imprudência.

Ato contínuo, lembrei-me que, quando visitei o marco trigonométrico que assinala o centro geodésico de Portugal Continental, situado na Serra de Melriça, perto de Vila de Rei, no distrito de Castelo Branco, o guia turístico informou-nos que, no passado, sem precisar a data, um empreiteiro tinha pedido autorização para derrubar o marco provisório ali colocado, que na altura assinalava com exatidão o marco trigonométrico, para assim poder realizar a empreitada solicitada de forma muito mais fácil, rápida e barata. Escusado será dizer que esta disparatada autorização foi prontamente recusada.

Recordo esse episódio porque parece-me que quem delineou o percurso do Metro não deve ter dado conta que teria de derrubar uma grande parte da muralha do Baluarte do Livramento, construção militar edificada no século XVII, um dos baluartes sobreviventes que, nas guerras de Restauração da Independência (1640-1668), fazia parte da linha defensiva da cidade de Lisboa. Pior ainda, ignorou ou negligenciou que, possivelmente, com as trepidações causadas pelas obras, a bela guarita do Baluarte do Livramento, dificilmente iria sobreviver.

Assim como os seres humanos vivem agarrados às suas memórias, assim também, cada casa, cada bairro, cada cidade, cada país, e a humanidade inteira tem marcas da sua identidade que, por fazerem parte da memória coletiva, somos obrigados a preservar, sob pena de podermos ser acusados de destruidores dos alicerces da vida.

Como o Baluarte do Livramento faz parte da memória coletiva lisboeta e de Portugal, e por fazer também parte de Património Nacional, foi classificado como Imóvel de Interesse Público.

Acresce ainda que na Assembleia Municipal de Lisboa, reunida a 9 de Maio de 2017, com aprovação partidária unânime, foi recomendada à Câmara Municipal de Lisboa que, para além de se tomarem medidas adequadas ao estudo e preservação dos importantes achados arqueológicos nas obras de construção do futuro Hospital da CUF, na Avenida 24 de Julho, também se valorizasse o Baluarte do Livramento.

Presentemente é no Baluarte do Livramento que funciona a Casa de Goa, que pugna em manter viva a identidade goesa e jamais nos podemos esquecer que Goa foi a capital e o farol que iluminava o Império Português do Oriente.

Lembro-me, com satisfação, que o Dr. Carlos Moedas, no discurso da tomada de posse como novo Presidente da Câmara de Lisboa, apelou ao envolvimento das pessoas na decisão para o futuro de Lisboa, dizendo que "gostava que fosse conhecida como cidade que cuida de quem precisa", afirmando também que "não serei um presidente de gabinetes. Estarei lá fora a ouvir as pessoas e a trabalhar convosco".

Pois bem, Senhor Presidente da Câmara, como sócio fundador da Casa de Goa, tendo sido presidente de mesa da sua comissão instaladora, primeiro presidente da assembleia geral e tendo também pertencido aos seus órgãos diretivos, como calculo que V. Ex.a não deve conhecer o traçado da projetada localização da estação do Metro de Alcântara, necessitando da sua prestimosa ajuda, peço-lhe, encarecidamente, que visite as instalações da Casa de Goa, veja com os seus próprios olhos a muralha e a guarita do Baluarte do Livramento agora em perigo, defenda vigorosamente as marcas da identidade de Lisboa e atue, enquanto é tempo, impedindo que uma simples imprudência dos autores do traçado da projetada localização da estação se transforme em autêntica barbaridade.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt