"Devíamos ter um sistema de vistos e de captação"
O que revela o retrato dos fluxos migratórios em Portugal?
Revela que há uma séria crise demográfica, o que é muito grave. Entre 2011 e 2021 reduzimos a população em cerca de 200 mil pessoas. Na primeira metade desta década, perdemos população, quer pela emigração quer pela via natural. Morria mais gente do que nascia - o que continua a acontecer - e saía mais gente do que entrava. Desde 2016, começámos a ter um saldo migratório ligeiramente positivo, mas que ainda não compensava o saldo natural negativo. Só em 2019 e 2020, a imigração compensou o saldo natural negativo, houve um saldo populacional ligeiramente positivo. O saldo natural em 2020 e 2021 foi o pior de sempre e, em 2021, voltámos a ter menos habitantes. Portugal vai perder muita população, prevendo-se uma população entre sete e oito milhões em 2050. É um risco enorme para a manutenção do Estado social e o pagamento das pensões.
Só a imigração o poderá compensar essa perda de população?
É possível melhorar a natalidade, o problema é que qualquer política de natalidade demora várias gerações a ter efeitos. A curto prazo, a única forma de compensar é através da imigração. Nos dois anos em que tivemos um saldo positivo foi pela imigração, nunca pelo saldo natural.
Os imigrantes também contribuem para a natalidade.
A taxa de natalidade entre os imigrantes é mais elevada do que entre os portugueses. Um dos fatores porque isso acontece é porque tipicamente migram em idade fértil.
Cidadãos que chegam em plena idade ativa mas a ganhar menos.
É outra das conclusões do estudo, os imigrantes têm em média um salário inferior aos portugueses e um risco de pobreza superior, o que quer dizer que estamos a receber imigrantes com grande vulnerabilidade e fragilidade económica.
O que é que pode ser feito para que essa imigração seja mais consistente?
Se chegarmos à conclusão que o país não é viável sem a imigração, o que estes números mostram, a única forma é encarar isso como uma prioridade nacional e adotar uma política de imigração ativa. Temos de ter políticas fiscais adequadas, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a funcionar. Tenho proposto a criação da agência pública para tratar das migrações, o que chegou a ser pensado mas nunca foi implementado.
E estão a sair os mais qualificados.
Há uma emigração forte na população entre os 25 e os 35 anos e, se tivermos em consideração que esta geração tem melhores habilitações, mostra que estamos a perder uma geração qualificada. É verdade que recebemos imigração, mas é menos qualificada. Temos um saldo negativo de qualificações. Temos de atuar em três linhas: reter as pessoas, garantir que os que saiam possam voltar e atrair estrangeiros altamente qualificados.
Há pessoas que estão a regressar.
Boa parte dos que estão a entrar têm a nacionalidade portuguesa, o que é positivo. Mas também é preciso atrair estrangeiros qualificados, criando-lhes condições de atratividade. Temos medidas como a política fiscal do residente não habitual, que é a dos vistos Gold, mas que não se destinam a atrair pessoas qualificadas para trabalhar. Muitas vezes, atraem investidores ou reformados.
Mas os salários não são competitivos em relação a outros países.
Sim, mas não é a única questão. Em primeiro lugar, há uma questão fiscal, as pessoas medem o que ganham pelo salário líquido. Se tivéssemos uma política fiscal mais competitiva, podíamos ser mais atrativos. Depois, há outros fatores que contribuem para isso: a qualidade de vida, condições de contexto, Portugal é um país seguro e agradável de viver. Em terceiro, devíamos ter um sistema de vistos e de captação de talentos adequado. Se uma pessoa qualificada estiver à espera ano e meio por um visto, não vem porque tem oferta de outros países.
A lei da imigração foi alterada, nomeadamente, para facilitar a circulação de originários dos países lusófonos e dos nómadas digitais. É esse o caminho?
São medidas positivas, aliás, correspondiam a uma necessidade absoluta do nosso mercado de trabalho, setores como o turismo estavam com muita dificuldades em encontrar mão-de-obra, mas são medidas de emergência. Não são medidas estruturais. Países que têm uma política migratória consistente, como a Austrália e Nova Zelândia, onde há um sistema de candidatura por pontos altamente eficiente, a que qualquer se pode candidatar em qualquer parte do mundo, atraem muita gente. Não só pelo mercado de trabalho mas por ser um processo transparente e não burocrático.
As dificuldades financeiras poderão originar um novo aumento da emigração?
Os anos de maior emigração são os da crise económica e financeira. Há uma ligação muito estreita entre as crises económicas e as migrações, tanto do ponto de vista dos emigrantes como dos imigrantes. É evidente que se tivermos uma crise pode levar rapidamente a um saldo migratório negativo, que não temos desde 2016.
Assumiu a presidência da FFMS em agosto, o que pensa fazer de novo?
Há sempre objetivos novos e um deles é ter um grande impacto na sociedade portuguesa. Além do diagnóstico, queremos apontar soluções, caminhos, recomendações de políticas públicas. Queremos trabalhar com outras instituições fora do país, internacionalizar a Fundação, para garantir que os portugueses conheçam a sua realidade e, consequentemente, que tenham uma melhoria da vida.