As especulações do EU ETS é um greenwashing político

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Hoje, a 16 de dezembro, decorre a próxima cimeira do Conselho Europeu. Desta vez, haverá um debate importante sobre a política energética e as questões climáticas, no âmbito da discussão sobre a recuperação económica após a pandemia. Este debate tem implicações diretas na vida quotidiana dos milhões de europeus. Uma das questões em causa é a criação de novos, estáveis empregos, e a garantia que os preços crescentes do combustível e da energia não vão arruinar os orçamentos de milhões de famílias, inclusive de Portugal.

Estamos a testemunhar uma enorme crise energética e, se não tomarmos medidas adequadas, serão os cidadãos comuns a pagar o preço. Porém, não são eles responsáveis por esta crise. A Rússia, e a chantagem monopolista da empresa russa Gazprom, são os principais responsáveis. Como de outra forma podemos explicar a redução dos níveis de abastecimento de gás à Europa e as manipulações dos preços de combustível? Como explicar a pressão acerca de Nord Stream 2? E, por fim, como explicar a redistribuição das tropas russas para a fronteira oriental da Ucrânia? Como consequência deste jogo de vários níveis de Vladimir Putin, os preços de gás aumentaram até 10 vezes. E agora, enquanto estão a ler estas palavras, todos nós sentimos esses picos de preços.

É um motivo suficiente para acelerar a transição energética e assim para nos tornarmos independentes da política imprevisível e agressiva do Kremlin e da Gazprom. Contudo, estamos em risco de ir de mal a pior. Se o conceito da transição energética justa for substituído pela atual lógica irracional do EU ETS, todos pagaremos em dobro.

O EU ETS era suposto ser um sistema de comércio de emissões de CO2, que iria providenciar uma maneira economicamente racional e socialmente aceitável para diminuir as emissões de gases de efeito estufa. Contudo, as licenças de emissão de CO2 rapidamente se tornaram os instrumentos financeiros nas mãos dos investidores ricos. O conceito atual de EU ETS é suscetível aos mecanismos especulativos e está a ser usado para inflacionar artificialmente os preços de comércio de emissões.

Esse não é pessimismo, é a dura realidade. Em 2016, os preços de licenças de emissão de CO2 eram de cerca de 6 EUR por tonelada. Neste momento alcançam quase 90 EUR. É um aumento de 15 vezes em 5 anos. O dinheiro que as empresas devam investir em transição verde é necessário para cobrir os preços mais elevados de emissões. Se não pararmos esta especulação descontrolada, o planeamento e a implementação eficaz dos objetivos climáticos pode revelar-se impossível.

Vale a pena lembrar que a Europa é composta não só das línguas e culturas diferentes, mas também das economias diferentes. Os países que foram controlados, contra a sua vontade, pela União Soviética após a Segunda Guerra Mundial, não tinham as mesmas perspetivas de desenvolvimento que os países da Europa Ocidental. Os países da Europa Central e de Leste estão agora postos em xeque duplo. O preço elevado das licenças de CO2 está a causar uma destabilização económica, o que, por sua vez, dificulta a implementação da política climática da UE.

Apesar disso, participamos ativamente na transição verde. Hoje ninguém precisa de ser convencido que os investimentos em FER compensam. Certamente não os polacos, que atualmente estão a vivenciar um boom fotovoltaico. Além disso, o governo polaco tem adotado uma estratégia no domínio do hidrogénio. E estamos a trabalhar na energia eólica offshore e a preparar a introdução da energia nuclear na Polónia.

Hoje, a Europa não pode correr o risco de cometer erros. Enfrentamos a maior crise energética de quase 100 anos. A nossa tarefa principal agora deve ser recuperar a estabilidade após a pandemia. Deixar que as contas de energia atingem os bolsos dos cidadãos europeus apenas vai piorar os nossos problemas.

Por conseguinte, antes do Conselho Europeu, apelo pela reforma do EU ETS. Este esquema foi criado para encorajar os investimentos nas fontes de energia renováveis, que na altura eram muito mais caras que as fontes convencionais. Hoje é diferente. A revolução no mercado das energias renováveis dá-nos oportunidades para produzir a energia de uma forma mais barata e mais limpa. O EU ETS tem que levar em consideração a situação económica atual e não reforçar o status quo dos investidores, para os quais a política climática é apenas uma oportunidade para ganhar fortuna.

O EU ETS deixou de promover uma implementação justa e equitativa dos objetivos climáticos, mas está a tornar-se uma caricatura desses objetivos. Em vez de promover um desenvolvimento sustentável, faz dos pobres ainda mais pobres, e dos ricos ainda mais ricos. A verdade é que o 1% mais rico da população é responsável por 17% das emissões globais de CO2. O mais recente World Inequality Report 2022 confirma-o. A União Europeia inteira é responsável por apenas 8% das emissões globais de CO2. Até a maior mobilização por parte da UE não vai reverter a tendência global, se os líderes do ranking notório de emissões globais de CO2 não se vão empenhar na ação climática. No máximo,vamos parecer as pessoas que utilizam remos para parar um barco a vapor em andamento.

Se não mudarmos a nossa atitude vamos olhar apenas à Europa a enfraquecer, em vez de à recuperação do ambiente. Sim, vamos ser um continente de ideias nobres, mas que vão ficar impossíveis de implementar. Depois revelar-se-á que não protegemos o planeta, mas deixamos que se torne numa arena da cruel competição e de dominação, numa arena de luta de influências. E o lugar da Europa será nas margens do desenvolvimento. O preço por esta falta de senso comum será pago pelas famílias europeias comuns na Polónia, Alemanha, França, Espanha, Países Baixos e em todos os países da Europa.

É por isso que hoje a Polónia fará um apelo alto para acabar com o negócio desregulado das emissões de CO2. É um dos últimos momentos para corrigir a situação. Está na altura para dizer "stop" ao greenwashing político.

Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro da Polónia

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