A Terra está menos plana no Brasil
Das eleições municipais de 2016 para as de 2020, o vereador Carlos Bolsonaro, do Rio de Janeiro, caiu de 106 para 71 mil votos, um tombo de 35 mil preferências e de mais de 30%.
De recordista na cidade, há quatro anos, passou a segundo, agora, apesar de toda a exposição que vem tendo como líder do "gabinete do ódio", o grupo que à conta do dinheiro público arruína reputações de velhos e novos inimigos a partir de uma sala anexa do Palácio do Planalto.
Carluxo, como é conhecido na intimidade, ficou atrás de um candidato do PSOL, o Bloco de Esquerda brasileiro, só para o desesperar ainda mais.
E, no entanto, o segundo filho do presidente tem razões para festejar: foi o único de entre uma multidão de 76 concorrentes com o apelido "Bolsonaro" atrelado, a ser eleito.
A mãe dele, Rogéria Bolsonaro, primeira das três mulheres do presidente da República, não se reelegeu vereadora carioca.
O primo Marcos Borsonaro, com "r" por erro no registo, teve votação residual na candidatura à prefeitura da pequenina Jaboticabal.
E todos os outros que usaram "Bolsonaro" no nome de guerra eleitoral, julgando que as nove letrinhas eram uma vacina milagrosa que os levaria à glória, perceberam afinal que o apelido se tratava de uma inútil cloroquina - ou mesmo de um mortal cianeto.
O próprio Jair Bolsonaro, que reviveu na noite eleitoral de domingo o seu passado de deputado meio cómico, meio chocante que falava para um nicho de apoiantes de torturadores, pediu o voto em 59 candidatos. Elegeu dois prefeitos, em Ipatinga, Minas Gerais, e em Parnaíba, Piauí, e 11 vereadores.
De resto, perdeu com estrondo tanto na megalópole São Paulo, onde o seu candidato, Celso Russomanno, do partido da IURD, ficou em quarto - até o presidente o abraçar na campanha seguia líder e com folga - como na pequena Angra dos Reis, Rio de Janeiro, onde Wal do Açaí, uma sua ex-assessora fantasma, conquistou míseros 266 votos - mesmo depois de fotografias ao lado de todo o clã Bolsonaro.
Inclusivamente no estado do Rio, o seu reduto eleitoral desde há 30 anos, nas 10 maiores cidades além da capital, todos os seus protegidos, excetuando um, ficaram fora da segunda volta. Flávio Bolsonaro, primogénito presidencial que não dorme por causa das denúncias de corrupção e organização criminosa, fez um vídeo ao lado de Charlles Batista, candidato à prefeitura de São João do Meriti - como há coisas que parece que se pegam, logo a seguir, Batista teve problemas com a justiça e, acusado de extorsão, acabou em quarto, longe da segunda da segunda volta.
Mas não foram só os Bolsonaro que perderam.
Carla Zambelli, uma deputada mais bolsonarista do que Bolsonaro, usou as redes sociais, onde se acha popular, para promover as candidaturas do pai, do irmão e do cunhado. Pois se o pai ainda conseguiu 9,83% dos votos como candidato a vice-prefeito de Mairiporã, na periferia de São Paulo, a cunhada somou ridículos 190 votos na corrida a vereadora, também em Mairiporã, e o irmão microscópicos 0,32% na metrópole.
Aliás, não foram só os bolsonaristas que perderam.
Bolsonaristas arrependidos, como Joice Hasselmann, também foram arrasados. A "Bolsonaro de saias", como se denominava antes de romper com o presidente, foi a deputada federal mais votada do Brasil em 2018 com cerca de um milhão de votos; agora ficou em sétimo na corrida à prefeitura de São Paulo com um décimo desse registo.
A terra, que achatou tanto, tanto, tanto nas eleições de 2018 até ficar plana, acordou mais redondinha na segunda-feira no Brasil.
E Bolsonaro, que a propósito das derrotas de Trump, nos Estados Unidos, de Macri, na Argentina, entre outras, foi neste mesmo espaço, na semana passada, comparado ao Atlético Mineiro, o líder do Brasileirão que perde muito fora de casa, afinal também foi batido, e sem piedade, no próprio país.
Depois de segunda-feira, o presidente está mais para Goiás, o "lanterna vermelha" do Brasileirão que perde muito fora e não manda nada em casa.
Correspondente em São Paulo