A raposa, a águia Vitória e as bombas de sementes
Segunda-feira, 5 de junho: é Dia do Ambiente. Passa pouco das dez da manhã quando Inês Sousa Real chega ao Campo Grande (de carro elétrico), local de encontro antes da partida para a primeira iniciativa do dia. Dois membros da Comissão Política Nacional esperam a porta-voz: "Hoje sou o motorista", diz Pedro Fidalgo, membro da Comissão Política Nacional (CPN) - ossos do ofício num partido pequeno. Iniciada a viagem, não demora muito para que uma sorridente Inês Sousa Real , chegada na véspera de Viena de Áustria, da reunião onde o PAN foi aceite como membro aderente dos Verdes europeus, comece a contar as novidades: "Foi muito animador, tivemos 91% de votos a favor, fomos o partido mais votado", vai contando e há de repetir ao longo do dia, quando outros membros do PAN se juntarem à comitiva.
Não é a primeira vez que o PAN tenta a entrada nos Verdes Europeus, mas o processo anterior acabou travado pela saída do partido de Francisco Guerreiro, eleito para o Parlamento Europeu nas eleições de 2019. Inês Sousa Real chama-lhe "dores de crescimento" e promete cuidado redobrado na escolha do próximo candidato: "Terá de ser alguém muito comprometido com os valores do PAN". Quem? "Ainda falta muito, ainda temos as eleições na Madeira primeiro...".
Até mesmo nesta segunda-feira, o dia da semana em que os trabalhos parlamentares da líder e deputada única do PAN dão lugar às visitas pelo país, parte da viagem é feita de telemóvel na mão, com a deputada a dar a última vista de olhos nas cinco propostas que o partido vai apresentar no Parlamento, a propósito do Dia do Ambiente. "Aproveitamos as segundas-feiras e as sextas à tarde para fazer as visitas",diz, prelúdio de um mantra que repete: "Não faz sentido estar ali fechado entre quatro paredes, não se pode decidir assim", "não se legisla assim".
São 11h10 quando começa a visita ao Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Montejunto, no Cadaval, os "parentes pobres da política de proteção animal e ambiental". Sem grandes apresentações ("já é uma habitué", diz uma responsável do abrigo à chegada), mas com queixas imediatas - e muita indignação - de como a serra serve de palco a batidas à raposa, "batidas com bombas", e de como ali chegam muitos animais selvagens mantidos ilegalmente em cativeiro. "Podemos ir ver os meninos residentes?", pergunta a líder do PAN.
Os "meninos residentes" são diversificados. Melros, gralhas, um faisão ("Este estava numa gaiola tão pequena que tem a asa deformada", vai contando a veterinária do centro), um peneireiro ("quando chegou não tinha penas, cortaram-lhe as penas para não fugir"). "E raposas?", pergunta Inês Sousa Real. Há uma raposinha, pequena ainda, com uma pata partida, que foi recolhida na estrada. "Como é que alguém é capaz de fazer mal a um bicho destes, isto é um crime", insurge-se. Está encontrado o residente preferido da deputada: "Não é permitido, se não levava-te". "Não sei, o teu gato...", ouve-se da comitiva, entre risos.
A visita ao centro, que habitualmente serve de abrigo a mais de 50 animais - e que tem como objetivo último devolvê-los à vida selvagem - ainda passa por milhafres e mochos. E novamente a incompreensão: "Não percebo como é que alguém pega num animal destes e o fecha numa gaiola". A veterinária, Inês Silveira, diz que "muitas vezes não é por maldade, é por ignorância", ao que Inês Sousa Real responde que "era fundamental que os currículos escolares tivessem esta dimensão". No centro estão também três ouriços (e eram outros que, a ser possível, tinham encontrado casa entre o staff do PAN) e uma águia-de-asa-redonda. "E o que é que acha da águia Vitória, do Benfica?", dispara alguém para a veterinária. Há um momento de suspense, o tema é quente: "Não sei, teria de avaliar o nível de stress...". "Recebemos queixas de pessoas que acham que o animal está em stress. Vamos ter um voto de saudação, temos de avaliar...", contextualiza Inês Sousa Real.
Temas quentes é coisa que não falta na agenda do PAN. Há dois perfeitamente identificados: a caça e as touradas. Sempre que um deles entra na agenda é certo que o número de mails de protesto enviado para o partido, mais ou menos insultuosos, dispara. Inês Sousa Real contará entre risos, um pouco mais tarde, que o "presente" mais original que já receberam na sede do partido foi uma caixa... de estrume. Nada que apoquente ambientalistas: "Aproveitámos". E é ainda sorridente que vai desfiando de memória algumas das mensagens que recebe : "No meu prato mando eu", "Deixa o meu bife em paz"... "Ó homem, mande lá no seu prato, nós não queremos impor nada a ninguém. Queremos que as pessoas tenham consciência que há uma alimentação que é mais sustentável" para o planeta. Mas, dito isto, muda de tom: "Em dois casos apresentei queixa-crime, que estão a correr, num já há acusação. Eram recorrentes, com ameaças de morte". Na comitiva lembram-se momentos de maior tensão, no Montijo e no aeroporto de Beja. "No Montijo tentaram travar uma ação de campanha. E a polícia esteve mal, mas continuámos", lembra a líder do PAN, recordando que nas festas do Montijo foi colocada uma tarja a dizer "O PAN e a Inês Sousa Real não são bem vindos". Mas estes casos, acrescenta a deputada, são "a exceção e não a regra". Essa é que as relações sejam "cordiais".
É meio dia e meio quando a visita acaba. No entretanto, a busca por um restaurante vegetariano nas redondezas encaminha a comitiva para Torres Vedras. Inês Sousa real lamenta que o atraso do avião, no dia anterior, tenha deitado por terra os planos de fazer pão de banana com chocolate para a jornada. Ao almoço pergunta por comida vegana, almoça um hambúrguer de grão e batata doce, batatas fritas e salada - como quase toda a comitiva, com a exceção de uma francesinha vegetariana que abre a conversa sobre os melhores restaurantes com esta iguaria e que há de ir dar a um restaurante na Benedita com uma canja de cogumelos divinal. Ainda se faz muito de passa palavra o roteiro da boa comida vegetariana em Portugal.
São quase três da tarde quando saímos de Torres Vedras em direção a Lisboa, com passagem pela sede do PAN para recolher as bombas de sementes que vão distribuir no Cais Sodré mais ao final da tarde. Certo, mas... bombas de sementes, como assim?! "Não nos chamam radicais do ambiente?", ironiza Ulisses, um militante, já na sede do partido, na avenida Almirante Reis, em Lisboa. "Nós somos muito ativistas. No início tivemos uma reunião com a Entidade das Contas, que criou uma rubrica só para as coisas "estranhas" do PAN", tinha já contado a porta-voz do partido.
A porta de entrada do PAN, que dá diretamente para a avenida, está ladeada por duas tendas, de duas mulheres sem-abrigo. "Ajudamos como podemos. Acabamos por ser uma porta de ajuda. No dia-a-dia não é fácil, é pesado", diz Inês Sousa Real, que fala num "aumento exponencial de pessoas na rua", que corre a par com o acréscimo dos pedidos de ajuda que vão chegando ao partido - "É muito visível, com o aumento do custo de vida e dos juros as pessoas estão a passar muitas dificuldades".
Lá dentro, logo à entrada, está um relógio em contagem decrescente. Um relógio climático: na tarde desta segunda-feira, Dia do Ambiente, faltam seis anos, 46 dias, 23 horas e 27 minutos para que se feche a janela temporal para evitar que as consequências do aquecimento global se tornem irreversíveis. Pretexto para uma pergunta: "Então e o ministro do Ambiente?". Inês Sousa Real encolhe os ombros - "Está muito aquém daquilo que podia estar a fazer. Esperávamos mais. Esperávamos mais diálogo".
O compasso de espera até à próxima iniciativa serve para pôr a correspondência em dia, marcar a agenda das próximas saídas. E eis que chegam as autoras das bombas de sementes. A saber, pequenos cartuchos feitos a partir de rolos de papel higiénico, que guardam no interior uma bola de terra "com um pouco de argila para solidificar", com sementes de plantas perenes, flores, alecrim, camomila. São umas quantas centenas e longas horas de trabalho - "Já tinha feito antes, mas nunca tinha feito em série", diz Raquel Esteves, da distrital de Lisboa. As bombas de sementes são distribuídas por sacos de pano. É hora de partir para o Cais do Sodré.
São 17.45 quando oito membros do PAN (mais o cão Pipinho que, só por si, há de fazer parar vários transeuntes), munidos de bandeiras, se posicionam à saída do metro e do comboio para distribuir as bombas de sementes: "Posso oferecer-lhe umas sementes para plantar? "Posso oferecer-lhe uma bombinha de sementes? Precisamos de mais flores na cidade, precisamos de mais abelhas." A reação vai alternando entre a desconfiança ou uma recusa apressada e os que querem saber mais ou param para dois dedos de conversa. "Vamos experimentar com os meninos na escola", devolvem duas educadoras. Há uma senhora que quer oferecer umas moedinhas ao PAN para ajudar a alimentar os animais.
Pouco depois das 18h30 acabaram-se as sementes para distribuir. Uma selfie fecha a iniciativa e o dia de trabalho da líder do PAN. Ou mais ou menos. Mais tarde ainda haverá tempo para preparar as intervenções do dia seguinte no Parlamento. Não será uma data qualquer: é dia de aniversário para Inês Sousa Real.
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