"Punho Cerrado". O nome da operação da PSP é ilustrativo porque, para os 17 suspeitos detidos esta semana em Leiria, a segurança privada ilegal em bares e discotecas impunha-se, alegadamente, pela força do punho aos patrões da noite de Leiria e de Coimbra..No centro desta última investigação estão figuras da Lexsegur- Segurança Privada SA, - dissolvida em novembro - que dominou a noite de Leiria, e da 365, que reinava nos bares e discotecas de Coimbra. Dois grupos que usariam um exército de seguranças e que uniram forças, apurou a polícia, numa expansão de território na região centro do país, através da coação e extorsão. Entre alguns clientes da empresa 365 na última década estiveram a Académica, a Câmara Municipal de Coimbra, a Queima das Fitas e dezenas de bares e discotecas da cidade universitária..Já o antigo patrão da Lexsegur, Paulo Vicente Miguel, conhecido por "Bebé", um dos detidos na operação "Punho Cerrado", estava em liberdade a aguardar a decisão sobre o recurso que apresentou de uma pena de seis anos e meio de prisão a que foi condenado pelo tribunal de Leiria, por crimes fiscais e de branqueamento de capitais. Esse processo resultou de uma investigação da Polícia Judiciária (da Unidade Nacional de Contra Terrorismo, em concreto).."Bebé" chegou a estar em prisão preventiva mas foi libertado por se ter excedido o prazo da medida de coação. O império do patrão da Lexsegur, que era dono de casas e carros de luxo como Lamborghini, Porsche e Jaguar- ruiu por crimes como fuga ao fisco (IRC e IVAS) e branqueamento de capitais..Com a "operação Fénix", há um ano, a polícia aniquilou a SPDE, uma empresa de segurança que trabalhava com o FC Porto (ver texto ao lado). A SPDE era, segundo a investigação policial, um verdadeiro monopólio a norte, que exercia a segurança privada ilegal de mais de 300 estabelecimentos noturnos no país. "A operação Fénix impediu que a SPDE se começasse a implantar em Lisboa. Se não tivesse existido esta investigação, esta empresa do Porto viria para Lisboa e para o Algarve", referiu fonte policial conhecedora do processo. "Há cerca de três anos a maior parte das queixas que existiam por extorsão e imposição de serviços à margem da lei a empresários da Noite eram dirigidas à SPDE e à Lexsegur"..O que está em causa nas operações "Punho Cerrado" e "Fénix, são crimes de extorsão, agressão, segurança privada ilegal, tudo misturado num caldo de violência habitual nos grupos do submundo da noite. A forma de atuar dos suspeitos detidos na operação "Punho Cerrado" passava pela "imposição coerciva de segurança, numa primeira fase através de ameaças a proprietários, seguranças e até clientes dos estabelecimentos", como descreveu o comissário Bruno Soares, porta-voz da PSP Leiria. Os donos dos bares e discotecas eram obrigados a recorrer aos serviços do grupo, que espalhava pela cidade os seus elementos..Todos sabem quem são."São mafias organizadas centradas numa dúzia de empresas de segurança privada. Todos sabem quem são e por quem são encabeçadas porque os donos estão mais que referenciados", comenta Ricardo Vieira, presidente da Associação Nacional dos Agentes de Segurança Privada (ANASP), que defende uma fiscalização mais apertada, multidisciplinar, e que vá além da que já é feita pela PSP.."A noite impõe a atividade da segurança privada. É sobre esses vigilantes que recai a parte pesada da atividade". A ANASP representa 10 mil seguranças num universo de 37 mil. Ricardo Vieira adianta que é uma profissão de ordenados baixos, de 650 a 750 euros líquidos, e de dias com 12 horas por vezes. "O recrutamento de jovens para a segurança privada da noite, que os leva a enveredar depois pelo mundo do crime, é feito nos ginásios ou em clubes de vão de escada de artes marciais. É um ciclo vicioso: eles precisam de dinheiro para completar os ciclos de esteroides e entrando nesse circuito ganham acesso a um nível de vida elevado", diz..Segundo conta o presidente da ANASP, o esquema funciona assim: "algumas empresas de segurança privada autorizadas a fazer a atividade em recintos de espetáculos e diversão noturna aparecem como capote de grupos organizados, alguns deles com donos de casas da noite". O que acontece a seguir é que "esses grupos alugam o alvará de segurança privada a essas empresas, que, por sua vez, lhes vendem as fardas e vinculam o seu pessoal com contratos de trabalho fictícios"..São empresas que depois operam como um "polvo", estendendo o campo de ação a região e, se possível, em todo o território nacional. Há alguns anos que estas operações já não têm, entre os detidos, agentes da PSP..Na PSP foi criada uma Brigada de Prevenção Criminal (BPC) em 2008 para apanhar os polícias que entraram nas máfias da noite através da segurança privada ilegal e da extorsão. Desde 2008, a BPC já apanhou quase 30 agentes nestes grupos criminosos, como noticiou o DN em abril deste ano. A última célula criminosa desmantelada pela polícia num inquérito tutelado pelo DIAP foi a que levou à detenção de 12 polícias da Esquadra de Investigação Criminal da PSP de Cascais, acusados, entre outros, de crimes como segurança privada ilegal, extorsão e coação em espaços noturnos do Estoril ligados à prostituição. No dia 12 foram lidas as sentenças em Lisboa: os dois polícias, que seriam os cabecilhas do grupo, foram condenados a penas suspensas de cinco anos de prisão. Em julgamento, caiu a prova do crime de segurança privada ilegal porque foi obtida através de escutas (ver entrevista). Mas o tribunal admitiu a prova das cobranças difíceis, tráfico de droga, posse de arma proibida e ainda coação agravada..Neste momento, está a ser reapreciado o quadro da legislação da segurança privada, sob a égide da secretária de Estado adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto. O presidente da Associação de Empresas de Segurança (AES), Rogério Alves, defende que através de uma portaria deviam ser criadas as "inspeções inteligentes" no setor, que "passariam pelo cruzamento de dados entre fisco, segurança social, Ministério da Administração Interna e Autoridade das Condições de Trabalho". A AES representa 55% das empresas..Entrevista.Intendente Resende da Silva,.Comandante da Divisão de Investigação Criminal da PSP de Lisboa."Segurança privada ilegal é da competência reservada da PJ, o que não se compreende".As últimas investigações a grupos criminosos da noite são da PSP ("Punho Cerrado" e "Fénix"). Quais as principais dificuldades nestas investigações?.Uma das dificuldades, mas que não tem sido impeditivo, são alguns requisitos legais. O crime de segurança privada ilegal é da competência reserva da Polícia Judiciária, o que não se compreende. Mas os tribunais têm referido que não há nulidade nem consequência para o facto de não se cumprir a lei nesse aspeto. Ou seja, o Ministério Público tem autonomia e tem decidido delegar na PSP algumas destas investigações..Mas disse que não se compreende bem o porquê da segurança privada ilegal ser da competência da PJ. Porque acha isso?.Já há provas dadas de que quem tem melhores condições para investigar a segurança privada ilegal, que é um crime quase administrativo (de uma atividade exercida sem licença) é a PSP ou a GNR. Mas, nas investigações aos grupos da noite, a polícia não se tem focado muito na segurança privada ilegal mas mais nos crimes violentos, de extorsão, coação, ofensas à integridade física graves..Outro problema que pode surgir nestas investigações é o crime de segurança privada ilegal não admitir escutas... .De facto. Por exemplo, toda a prova que havia no processo de Cascais (a uma rede de 12 polícias acusados de vários crimes da noite) pelos crimes de segurança privada ilegal caiu no dia 12, no julgamento em Lisboa, porque foi recolhida através de escutas. Como as escutas foram anuladas, a prova caiu e esses crimes ficaram impunes. Só seria possível usar as escutas se houvesse prova de associação criminosa e não havia..No processo de Cascais, os dois polícias, suspeitos de liderarem a rede, foram condenados a penas suspensas de prisão. O resultado foi um revés para a PSP?.De maneira nenhuma. Seria um revés se tivesse havido absolvições, falhas ou excessos na investigação. Desde esse processo que não temos tido mais polícias detidos nestes grupos. Pode significar uma maior perceção da consequência criminal desse envolvimento.