A Poesia de Louise Glück
Corria o já distante ano de 1985 quando, durante uma conversa na universidade do Minnesotta com um colega que aí lecionava literatura americana contemporânea, referi a poesia de Louise Glück [lê-se Glick]. Refira-se que foi com óbvio espanto que ele me ouviu falar da minha paixão por aquela autora: em Portugal sabia-se quem era Louise Glück?! E lá lhe expliquei que, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, havia um professor que dava pelo nome de Joaquim Manuel Magalhães que, não só estava atento ao que de mais inovador ia surgindo na poesia inglesa - que outrora divulgara na imprensa periódica - e na poesia americana.
Foi assim que um grupo de então jovens estudantes de mestrado - a maioria dos quais, hoje septuagenários, e o mais jovem hoje sexagenário (o autor destas linhas) - ouviu falar e leu os dois primeiros livros de Glück, FirstBorn (1968) e The House on Marshland (1975). Deste último, retive na memória a intensidade dos versos iniciais de "For my Mother": "Era melhor quando estávamos/ juntas num só corpo."
Louise Glück surge no seio de uma tradição que tem vindo a ser designada confessional; uma tradição que, remotamente inspirada em Confisssões de Santo Agostinho, absorveu o legado da psicanálise freudiana, gerando uma estética que superou o formalismo dominante na década de cinquenta do século passado, devedor do New Criticism.
O igualmente desconhecido entre nós Theodore Roethke e Robert Lowell fundaram essa estética, radicada na elaboração poética - via Freud - de banais, ainda que traumáticos, eventos do quotidiano. John Berryman, Sylvia Plath, Anne Sexton ou Delmore Schwarzprosseguiram e renovaram esse legado que Louise Glück - a terceira geração, portanto - tomaria como sua e levaria mais longe.
Em Glück emerge a melancolia de Lowell, a exploração das máscaras e o diálogo com as artes plásticas de Plath, a convocação de um ponto de vista feminino de Sexton. A sua poesia lembra o brilhante diagnóstico de Jorge de Sena: "especular emocionalmente em verso."
Ora através de ritmos do tempo canónicos - as matinas e as vésperas em Wild Iris (1992) -, ora revisitando remotas sensibilidades míticas - Telémaco em Meadowlands(1993) ou Aquiles em The Triumph of Achilles (1985) -, ora interpretando as circunstâncias biográficas do presente através das lentes do cânone ocidental - as ressonâncias de Dante em Vita Nova (2000) -, ora acolhendo o legado psicanalítico - The House on Marshland -, a poesia de Glúck afirma-se como uma voz única num tempo em que as agendas políticas tendem a banalizar a expressão poética.
Uma corajosa escolha da Academia, portanto.
E a gratidão de, há quase quarenta anos, ter tido a felicidade de o meu percurso se ter cruzado com um Mestre que me desvendou veredas que continuo a trilhar.
Catedrático de Estudos Ingleses e Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa