A guerra, a pandemia e a saúde mental

Publicado a
Atualizado a

Primeiro a constante ameaça do contágio sob pandemia, agora a ameaçadora sombra de um conflito atómico decorrente da guerra. Os efeitos deste persistente sentimento de ameaça na saúde mental das populações são inevitáveis, mas não deixam de ser combatíveis.

Nesse sentido, é de lamentar a pouca atenção dada entre nós ao ambicioso plano de saúde mental anunciado pelo presidente norte-americano, no seu discurso do "Estado da União" proferido a 1 de março. E de louvar a iniciativa com apoio bipartidário entre democratas e republicanos e que agora surge para debelar uma crise de saúde mental que já dura há vários anos, mas que foi, para mais, agravada pela pandemia e, agora, o espectro do conflito ucraniano.

De acordo com o divulgado, o plano centra-se em formas de reforçar a capacidade do sistema de apoio e de interligar as pessoas que necessitam de ajuda a um cuidado contínuo. Inclui medidas para expandir a força de trabalho dos cuidados de saúde mental, esforços para estabelecer um sistema de resposta a crises e o lançamento de uma linha de crise em julho próximo e um enfoque especial na saúde mental das crianças.

Esta é a primeira vez desde a administração Carter que o governo federal assume uma liderança tão significativa na abordagem da saúde mental, como salientou Thomas Insel, psiquiatra e antigo diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental. Os especialistas estão de acordo em que o sucesso do plano dependerá do apoio dado pelo Congresso aos regulamentos e propostas de financiamento delineados pela Administração e também em que o financiamento a considerar deve sê-lo numa perspetiva de longo prazo e de resposta sustentada. Nas palavras de Schroeder Stribling, presidente e CEO do "Mental Health America", "O impacto da pandemia sobre a saúde mental vai ter uma cauda muito longa. E temos de recordar que tínhamos uma crise de saúde mental preexistente antes da pandemia. Estamos a falar de enfrentar décadas de declínio da saúde mental no nosso país".

Este holofote colocado pelo presidente Joe Biden sobre as questões da saúde mental deve levar-nos a seguir o exemplo quanto antes. Ignoramos ainda os efeitos deste recente cenário de guerra na Europa nos cidadãos portugueses, mas os resultados preliminares de um estudo muito recentemente divulgado por investigadoras ligadas ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) permitiram concluir que, das 929 pessoas participantes no estudo, 26,9% apresentaram sintomas de ansiedade, 7% de depressão e 20,4% manifestaram sintomas de ambos os transtornos, sobretudo após o início da pandemia, afetando em particular as idades mais jovens e as mulheres.

A dimensão do problema enfrentado requer que, tal como nos EUA, olhemos para a saúde mental como uma área de investimento obrigatório, sustentado e a longo prazo. Tal como referido pelo presidente Biden, trata-se de investir na investigação de novos modelos de prática, sendo que para isso a administração norte-americana prevê investir 5 milhões de dólares em 2023, apenas para a investigação de modelos promissores assentes em inovações científicas e tecnológicas capazes de expandir a nossa capacidade de resposta nos tratamentos.

Assim, em prol da saúde mental dos portugueses é imperioso que se olhe para o que se faz lá fora e se faça diferente do que se tem feito até aqui, nomeadamente estudando e avaliando modelos terapêuticos inovadores, abrindo caminho àqueles que não desistem de fazer mais e melhor.

Pedro Brás

Psicoterapeuta, Diretor na Clínica da Mente

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt