A cientista que quer reparar o "guarda-chuva" que nos protege do Alzheimer
Desde pequena, Maria José Diógenes sempre quis ser cientista. E hoje, um curso de ciências farmacêuticas, um mestrado e um doutoramento depois, a professora universitária cumpre esse sonho. Na verdade, já o faz desde "o segundo ano da licenciatura" e tem-se dedicado à investigação da doença de Alzheimer. Foi com essa investigação que venceu, no ano passado, o prémio neurociências Mantero Belard, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
A investigação da cientista - e de uma equipa de 16 pessoas - do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa tem por objetivo reparar "o guarda-chuva" que protege o nosso cérebro do Alzheimer. "A grande maioria das pessoas tem-se focado no tratamento para a doença de Alzheimer na tentativa de curar completamente a doença", explica Maria José Diógenes, mas o que a equipa da especialista em ciências farmacêuticas está a fazer é diferente.
"Até costumo fazer um paralelismo: vamos imaginar alguém que está a passear e de repente começa a chover intensamente. No cérebro de um doente com Alzheimer vamos imaginar que a chuva são proteínas que se acumulam no cérebro e o que acontece a essa pessoa é o guarda-chuva que tem (nós temos muitas substâncias no nosso cérebro que nos protegem) não funciona, está partido. Portanto, a maioria das pessoas tem tentado parar a chuva, ou seja, parar a acumulação daquelas proteínas no cérebro, que parece ser a causa da doença de Alzheimer, mas poucos têm olhado para este guarda-chuva que não está a funcionar."
Foi precisamente para aí que Maria José Diógenes olhou e é aí que está a ser bem sucedida: ao tentar perceber por que razão "as moléculas que temos no nosso corpo e que nos protegem não nos estão a proteger". E para chegar a uma fase em que já têm um fármaco com sinais positivos, foram precisos 10 anos de caracterização "muito exaustiva" do porquê desta alteração "no sistema de proteção que nós temos". Com esse trabalho, foi possível "perceber os mecanismos envolvidos na destruição dessa proteção", de um fator neurotrófico que protege de muita coisa, mas que na doença de Alzheimer está deficitário.
Travar uma doença que nos rouba a identidade
A partir do momento em que a equipa de Maria José Diógenes percebeu os mecanismos de destruição do fator neurotrófico, começou a trabalhar no sentido de evitar que isso acontecesse. "Desenhámos uma molécula direcionada exatamente para evitar esta perturbação no guarda-chuva." Tendo já feito "uma série de testes em tecido animal", e conseguido "mostrar que efetivamente este fármaco protege da destruição deste guarda-chuva", a equipa conseguiu também "reverter alguns dos défices que existiam".
Neste momento, os cientistas deste projeto, que recebeu um prémio de 200 mil euros por parte da Santa Casa, estão a iniciar uma série de experiências "em animais que têm alterações que mimetizam a doença de Alzheimer para perceber se este fármaco dado in vivo a estes animais consegue restabelecer a memória que está perdida", explica a investigadora que lidera o projeto.
A este desafio junta-se outro: a tentativa de criar um novo biomarcador - "um biomarcador é algo que nos ajuda a perceber como está a evolução da doença." A forma de chegar lá foi percebendo que o tal guarda-chuva, quando se parte, forma fragmentos que vão para fluidos do nosso corpo, nomeadamente, para o líquido cefalorraquidiano. O desafio é perceber, pela quantificação desses fragmentos, em que estado está a evolução da doença e esse seria o tão desejado biomarcador, sintetiza a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Estes são avanços mais do que animadores para a especialista que há muito sonha com um desfecho positivo para a batalha científica contra o Alzheimer, "uma doença terrível, que nos tira a identidade". "Pensar que alguém perde a sua memória é algo que é devastador", resume, e foi esse sentimento que levou a cientista a interessar-se pelo combate a esta doença.
No entanto, e apesar dos avanços animadores, Maria José Diógenes admite que, mesmo que tudo corra bem, ainda faltarão uns bons anos até que esta terapêutica possa estar acessível para os doentes. "Antes de passarmos para os ensaios com humanos, temos de assegurar que esta molécula que temos é eficaz nos modelos animais. Este projeto contempla esse teste em animais já para o modelo de doença de Alzheimer e foi pensado para três anos. Acredito que provavelmente vamos precisar de mais, não consigo precisar quanto, mas alguns dez anos ou mais até chegar aos ensaios com humanos", aponta a investigadora.
Sempre à procura de financiamento
Maria José Diógenes não esconde a grande ajuda que é a bolsa atribuída pela Santa Casa através do Prémio Neurociências. Os 200 mil euros de financiamento para três anos fazem deste prémio uma oportunidade "espetacular". Além de que a existência do mesmo, "no âmbito nacional, realmente criou aqui um nicho de oportunidade para os neurocientistas portugueses", dado o caráter inédito e a sua periodicidade anual. Este ano, os prémios serão anunciados a 28 de novembro.
A vencedora da edição do ano passado reconhece que procurar fundos é uma grande parte do seu trabalho. "Nós, investigadores, temos várias preocupações: por um lado, encontrar a pergunta correta para investigar; por outro lado, fazer um trabalho de qualidade; e ainda angariar fundos, porque só com fundos é que conseguimos fazer ciência."
Maria José Diógenes não vê essa necessidade como um entrave ao trabalho, mas como uma oportunidade para fazer mais. "Estamos sempre a candidatar-nos a bolsas, muitos projetos, é difícil, mas é assim para qualquer concurso da ciência, é muito competitivo, mas cada vez mais recorremos a fundos internacionais."
A vida dos investigadores passa assim por procurar fundos "normalmente para dois, três anos", fazer as perguntas certas e encontrar as respostas, que muitas vezes abrem portas a novas perguntas, tudo com o objetivo de solucionar os problemas da sociedade. Nos tempos da ciência, é certo. Mas a boa notícia é que, cheguem quando chegarem, as respostas vêm sempre a tempo de fazer a diferença.