'Yes, they can!'

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Quando será dado aos palestinos gritar com entusiasmo "yes, we can"? Quando poderemos vibrar com o vislumbre de uma mudança no Médio Oriente que nos faça a todos superar um passado - e sobretudo um presente - que nos envergonha como Humanidade?

Este podia ser esse momento. Mas há um não à Palestina que teima em remar contra a História. Os mesmos que sempre fizeram juras a favor da solução de dois Estados juntam-se agora para negar caminho a essa solução. A favor de um e contra o outro. Os mesmos que em 1947 foram à ONU aprovar a partição da Palestina e a criação do Estado de Israel juntam-se agora na mesma ONU para vetar o reconhecimento de uma realidade que não carece de acto criador: o Estado da Palestina.

A frase imorredoura de Lacordaire - "entre o fraco e o forte, é a lei que liberta e a liberdade que oprime" - é uma verdade negada aos palestinos há 64 anos. Claro que a criação de dois Estados no antigo mandato britânico da Palestina é a confissão da impotência colectiva para realizar o sonho da vida conjunta do lobo e do cordeiro, da incapacidade de criar condições de convivência democrática, num único Estado, entre judeus e árabes. Mas a criação de dois Estados era em 1947, e continua a ser hoje, a saída política mínima exigível. Porventura a única saída, porque a alternativa é a eternização do esmagamento de um povo pelo outro. Essa foi a fasquia que o Direito Internacional nunca permitiu que se ultrapassasse. E já se sabe: a ambição ilimitada de quem tem poder não perdoa a um Direito que lhe põe freios. É sempre assim. Sufocar Gaza, arrasar a sede da Autoridade Palestiniana em Ramallah, construir um novo muro da vergonha ou pura e simplesmente humilhar os palestinos e negar-lhes quaisquer possibilidades de vida normal, dia após dia, são o avesso do Direito Internacional. É nesse avesso que se vive na Palestina há mais de seis décadas. Por muito menos se fez a guerra na Líbia. E é por isso que é decisivo gravar agora na pedra um direito que é eterno. Não é o mesmo colonizar um Estado soberano como tal reconhecido ou ocupar um território objecto de um processo negocial que se eterniza. Os que teimam em negar à Palestina o seu Estado sabem-no. E evidenciam-no com mais este "não".

Eles sabem que enquanto o "não" prevalecer, com ele prevalecerá a contínua expansão dos colonatos - Israel é o único Estado membro da ONU que ainda não tem as suas fronteiras registadas na organização... - servidos por estradas próprias, abastecimentos de água e electricidade próprios, protegidos por exército e milícias, defendidos pelo muro de 700 km que remete os palestinos a guetos. Eles sabem que, prosseguindo a colonização, deixará de haver territórios para proclamar um Estado.

Do Israel de Netanyahu e de Lieberman só podia esperar-se um "não". Mas para os que tinham ilusões sobre o comportamento de Obama, este é o tempo para as afastarem. O louvado discurso do Cairo de 2009 - em que não faltou mesmo um forte "a situação dos palestinos é intolerável" - deu lugar ao veto na ONU, se necessário for. Eleito como símbolo da luta contra o racismo, Obama aceita assim ser hoje mentor de uma das mais ignóbeis formas de racismo do nosso tempo: a que discrimina, dia após dia, os palestinos.

Nada é simples nem linear no Médio Oriente. Mas isso não pode ser álibi para não resolver o essencial. Que a autodeterminação da Palestina esteja por cumprir 64 anos depois de a ONU a ter adoptado como imposição do Direito Internacional é razão de indignação e de vergonha. Mas também de firmeza. Porque, se ainda não for este o momento de os palestinos poderem gritar "yes, we can", sabemos que não desistirão de acreditar que "we shall overcome". E nós com eles.

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