'Paixão' lusitana casada com o mundo
Uma chama-se Carola, é uma típica loura sueca, ganhou o Fes- tival da Eurovisão de 1991. Canta música tradicional, é estrela no seu país, em alguns vizinhos escandinavos e, ao que parece, também na... China.
A outra chama-se Dulce Pontes, típica morena portuguesa. Ficou em oitavo no mesmo festival, com o tema Lusitana Paixão, e é desde então encarada com uma distante simpatia pelos portugueses. Já o resto do mundo - sobretudo o mundo da (boa) música - aclama-a como uma das grandes vozes de hoje.
Dulce Pontes nasceu no Montijo, em 1969, numa família em que o tio Carlos Pontes - fadista amador, aficionado dos touros e boémio - era a principal referência musical. Mas foi a mãe que, ao ouvi-la tocar de ouvido num xilofone infantil, decidiu inscrevê-la com sete anos no Conservatório de Música de Lisboa.
A sua formação concentrou-se primeiro no piano. Depois veio a dança, chegando a dar aulas na adolescência. Só quando esta se revelou inviável como projecto de vida assumiu a voz como ferramenta.
Com 16 anos, era a vocalista dos Percapita, uma banda rock do Montijo. Um início nos antípodas da world music em que agora se destaca: "A polícia apareceu lá no sótão um dia, às 22.30, e acabou-se aí o grupo de rock urbano", controu, à revista Vida Lusa, da comunidade portuguesa em França.
A primeira grande oportunidade surgiu aos 19, quando respondeu a um anúncio de jornal a perdir cantores. Acabou a substituir Dora - outra representante portuguesa no Eurovisão - na comédia musical Enfim, Sós.
Um papel que lhe abriu as portas do Parque Mayer, do Casino Estoril - cantando desde fado a Shirley Bassey -, e do mundo da publicidade, onde deu voz a anúncios de produtos desde as batatas fritas aos pensos higiénicos.
A vitória nacional e o oitavo lugar no Eurovisão valeram o primeiro disco, Lusitana, em 1992. Mas foi o seu segundo álbum, Lágrimas, que a lançou definitivamente.
A versão de Solidão/Canção do Mar, de Amália Rodrigues, tornou-se num dos temas portugueses mais conhecidos fora do País de todos os tempos.
De uma novela da Globo, a canção saltou para Hollywood, no filme Primal Fear (A Raíz do Medo), de Gregory Hoblit, com Richard Gere. Seguiram-se as versões. Primeiro, da francesa Helene Segara, que a rebaptizou de Elle, tu L'aimes, transformando o tema num dos maiores sucessos da sua carreira. Depois, da superestrela britânica Sarah Brightman que, aproveitando os ritmos de influência árabe, chamou Harem à sua versão. E fez à volta desta uma tournée mundial, em que aparecia em palco vestida de bailarina de dança do ventre.
No plano pessoal, Dulce Pontes não ficou propriamente milionária com as vendas de Solidão em Portugal. Mas foi este álbum que lhe serviu de carta de apresentação à elite da música.
"Descoberta" pelo compositor italiano Ennio Morricone, gravou com este A brisa do coração para Afirma Pereira, um dos últimos filmes de Marcelo Mas- troiani. E Morricone ficou tão impressionado que a convidou a dar voz a várias das suas versões instrumentais, compondo duas especialmente para ela. Seguiram-se duetos com outros dos seus 'fãs', como Andrea Bocceli e Caetano Veloso.
Hoje, esta cantora que não abdica de se expressar em Português é uma voz do mundo, que até tem em Espanha o seu principal mercado de vendas e concertos.