'Lendas do Porto' (re)visita personalidades e monumentos metropolitanos

As histórias que aqui se contam dizem respeito ao Porto que não  se confina apenas às fronteiras do rio Douro
Publicado a
Atualizado a

A pequena ilhota no estuário do Douro, junto ao Jardim do Calem, no Porto, é conhecida por "ilha do Frade". Conta a lenda que uma leiteira ali marcou encontro com um atrevido religioso de um convento do outro lado do rio, em Gaia, fugindo de bote e deixando-o nu, para chacota da população. A lenda poderá não ser das mais vibrantes, mas encerra um autêntico vestígio arqueológico: a verdade é que durante séculos existiu abaixo do Arrábida Shopping, em Gaia um convento franciscano do qual não existe nenhum vestígio. A única coisa que existe é esta lenda.

"P'ra mentira ser segura /E atingir profundidade,/Tem que trazer à mistura/ Qualquer coisa de verdade", dizia o poema de António Aleixo e diz também Joel Cleto em Lendas do Porto, uma viagem pela história e património da região a reboque de 22 lendas agora reunidas em livro. "A lenda, para ser minimamente credível, tem de ter qualquer coisa de verdade pelo meio, e há uma série de vestígios que são importantes para a história da arqueologia", explica o autor do trabalho ao DN.

"As pessoas são capazes de pensar porque é que uma pessoa ligada à cultura material [Joel Cleto é arqueólogo], aos cacos, aos monumentos se interessa por lendas... as lendas são um bocado a arqueologia da cultura material. Dão pistas interessantíssimas e por vezes únicas. Muitas lendas acabam por encerrar vestígios que muitas vezes nos permitem reconstruir o passado", adianta, ainda em referência à que terá dado o nome à ilha do Frade.

Além disso, este livro não se limita a contar a história das lendas que encerra. Mais de metade de cada capítulo é o desconstruir da lenda. Segundo Joel Cleto, "é aqui que entra a parte do arqueólogo, que diz que isto não é possível por esta ou por aquela razão".

O Porto que desfila por estas páginas "é o do século XXI, o Porto metropolitano que não se confina às fronteiras do rio Douro. Hoje em dia serão poucos os portuenses que vivem, estudam, trabalham e namoram na mesma cidade", explica o autor, e as lendas são desse Porto actual. Daí que das 22 aqui reunidas, seis lendas dizem respeito à Invicta, duas são de Gaia, uma de Gondomar, nove de Matosinhos, uma de Valongo, e três da Maia. A primeira data de 42 d.C., e a mais recente dos finais do século XIX.

Algumas destas lendas, o autor conhece desde pequenino, outras chegam a reboque do trabalho. "Não é à toa que Matosinhos tem mais lendas, sou arqueólogo na câmara e por isso tenho um conhecimento mais próximo dessa realidade. Mas também porque é um concelho muito grande e com grandes marcas de ruralidade. É natural que em urbes onde isso já não acontece se percam lendas." Perder lendas? Sim. Por exemplo, a zona da Fonte da Moura, no Porto. "Seguramente que a Fonte da Moura tinha uma lenda, mas perdeu-se e provavelmente muitas outras. Mas em zonas com ainda algumas marcas de ruralidade elas foram mais perpetuadas", diz.

"Há lendas fantásticas, algumas até de impacto internacional", como a de Matosinhos e da vieira, a concha associada aos Caminhos de Santiago, e que "foi alvo de tentativa de roubo por parte dos espanhóis", exemplifica.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt