'Lanterna Mágica' os laços de família de Ingmar Bergman

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Na sua autobiografia Lanterna Mágica (1988, ed. port. Caravela, trad. Alexandre Pastor), Ingmar Bergman não surge afastado e obscuro, mas apostado numa evocação directa, frontal, acessível, mesmo um pouco crua nos detalhes e na linguagem. Depois do resumo feito em Fanny e Alexandre (1984), Bergman acrescenta uma adenda escrita sobre o seu mundo pessoal, certamente marcado pelo remorso e «desprovido de qualquer alegria» mas estranhamente próximo e humano, feito de «amor, patetice, traição, ira, comicidade, tédio».

Escrito em saltos cronológicos sucessivos, Lanterna Mágica acumula anotações, recordações de infância, sonhos, episódios aparentemente soltos. No começo está essa «lanterna mágica» que Ingmar, em criança, trocou com o irmão ao preço de uns tantos soldadinhos. É a imagem de uma vida dedicada à imagem, bem como de uma constante transfiguração de motivos pessoais, mágicos mas dolorosos. Desse modo, encontramos ao longo destas páginas o retrato complexo do pai, severo pastor protestante, e o retrato magoado da mãe, feito a partir de fotografias. A iniciação sexual de Bergman. Os seus problemas de saúde. Os casamentos e infidelidades. O teatro, da paixão por Strindberg à burocracia estatal. O incessante combate com Deus. As simpatias da família pelo nacional-socialismo. A perseguição fiscal movida pela Suécia ao cineasta de sucesso O assassinato de Olof Palme. O mestre Sjostrom. O encontro com Chaplin e Garbo. O elogio a Tarkovsky. A musa Liv Ullmann.

Bergman não se detém sobre os seus filmes em termos de «temas» e «significados». Porém, nas de- talhadas referências pessoais encontramos quase todos os «temas» e «significados» que serão depois continuamente retomados, filme após filme. Em dois momentos Lanterna Mágica assume mesmo uma feição cinematográfica, de ficção de câmara opressiva mas surdamente poética. Numa ce- na real (com o pai) e noutra ima-ginária (com a mãe), Bergman enfrenta o psicodrama familiar que define tantos dos seus filmes. De forma sempre brutal, com «máscaras em vez de rostos, histeria em vez de sentimentos, vergonha e culpa em vez de ternura e perdão».

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