'Dra. Márcia' fazia parar o trânsito na faculdade

Aos 47 anos, a recém-escolhida correspondente da RTP em Washington nunca passou despercebida. Não só pela capacidade de entrega ao trabalho, que amigos e colegas elogiam, mas também pela beleza. Conheça a vida da jornalista lisboeta que guarda Angola no coração.
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"Na redação da Marechal [Gomes da Costa, sede da RTP], chamávamos-lhe 'Dra. Márcia'." O lado analítico e estudioso da mulher escolhida pela RTP para o lugar de correspondente em Washington, capital dos EUA, é qualidade reconhecida por todos os que a conhecem. Judite Sousa, que conheceu Márcia Rodrigues na RTP em 1991, revela as razões da alcunha: "É uma mulher enérgica. Firme nas suas convicções. Argumentativa e combativa. Gosta de fazer análises e dissertar sobre temas que domina", afirma a diretora adjunta de Informação da TVI. Aos 47 anos, Márcia Rodrigues prepara-se para partir para os EUA e abraçar mais uma etapa da sua carreira. Para trás, ficam mais de duas décadas dedicadas à informação na estação pública de televisão e 49 países percorridos em reportagem como enviada especial da RTP. Nascida em Lisboa a 28 de dezembro de 1964, Márcia Rodrigues é filha de um militar e de uma professora primária. Passou parte da infância em Angola, de onde guarda grandes recordações, como conta Margarida Pinto Correia. "Ela fala muito da infância, da total liberdade, de andar descalça a trepar às árvores, da total felicidade."

Estudou, no início da década de 80, na Universidade Técnica de Lisboa (UTL), numa das primeiras turmas do recém-criado curso de Comunicação Social. Mais tarde, viria a tirar um mestrado em Estratégia, nesta mesma instituição de ensino superior. É precisamente nos corredores do palácio Burnay (onde antes se encontravam as instalações da UTL) que Margarida Pinto Correia conheceu Márcia. Não frequentavam o mesmo curso, o que não impediu que se tornassem grandes amigas. "Candidatámo-nos a um estágio de introdução à linguagem televisiva na RTP, em 1986. Fizemos o curso juntas e ficámos superamigas", explica a administradora executiva da Fundação do Gil. "Entrámos, naquela loucura das rádios-pirata no final dos anos 80, para a rádio GEST, da qual o Henrique Garcia era diretor", explica. Margarida Pinto Correia e Márcia Rodrigues foram colocadas na equipa das manhãs, liderada por Manuela Moura Guedes. Reencontram-se na RTP, em 1992. "Nessa altura, andávamos para o todo o lado juntas. Agora temos uma relação à distância. Mas pode passar um ano ou dois que sabemos que a nossa amizade está lá." Um colega de faculdade que prefere manter o anonimato relembra que a beleza de Márcia Rodrigues nunca passou despercebida. "No tempo do 24 Horas [programa de informação RTP1], ela e a Margarida Pinto Correia eram consideradas as sex symbol da RTP." A responsável pela Fundação do Gil não contém o riso com esta descrição e afirma: "Eu não era com certeza. A Márcia, acredito que sim! Ela era estonteante! No início da carreira, ela tinha uma longa cabeleira encaracolada, o que era impactante", revela Margarida Pinto Correia, que conta como a agora correspondente da RTP em Washington "fazia parar o trânsito" na faculdade. "Ela era maravilhosamente sexy e nos anos 80 isso era fácil de realçar. Ela tinha uma amiga na faculdade, a Vitória, que era venezuelana. Eram incríveis! Elas passavam no ISCP e as pessoas afastavam-se para elas passarem! Era assim uma coisa boa de ver, duas gazelas a atravessar!", conta Margarida Pinto Correia.

Discreta no que toca à sua vida pessoal, Márcia casou-se uma única vez. Aconteceu em 1995, com Joaquim Sousa Martins. O agora coordenador e editor de desporto da TVI havia chegado há pouco, vindo da RTP Porto, para assumir o cargo de coordenador do desporto, na RTP Lisboa. "Não foi um namoro muito longo, cerca de um ano", conta fonte próxima do jornalista da TVI. O casamento durou quatro anos, até 1999. "A separação foi pacífica. Ela e o Joaquim mantêm uma relação cordial", explica ainda a mesma fonte. Margarida Pinto Correia destaca, no campo dos sentimentos, uma característica de Márcia Rodrigues impossível de perceber para os espectadores que se habituaram a vê-la em cenários de conflito ou a entrevistar figuras proeminentes da cena política internacional.

"Ela é uma adepta do flirt. Isso era muito engraçado, aquela coisa de estarmos à distância a comentar ou a traçar sonhos para coisas que não iam de certeza acontecer. Nos nossos primeiros tempos na RTP acontecia muito. Nós éramos miúdas acabadas de sair da faculdade e estávamos na RTP. Tínhamos os nossos heróis televisivos ali ao nosso lado", conta a administradora executiva da Fundação do Gil, que revela ainda que, ainda na 5 de Outubro, quando eram jovens jornalistas, se dedicavam a analisar o trabalho de uma das suas maiores referências. "Passávamos horas a sonhar ser a Christiane Amanpour [jornalista inglesa, atualmente no canal de televisão norte-americano ABC que, durante 20 anos, cobriu os principais conflitos armados para a CNN]! Nós trabalhávamos juntas durante a Guerra do Golfo e ver a Christiane era do género 'quando for grande vou ser como ela', ou até ousávamos dizer, sem que ninguém ouvisse, 'ah, mas ela tem defeitos'. Tínhamos essa batuta", explica Margarida Pinto Correia.

Judite Sousa recorda que a determinada altura, por preocupações com a linha, Márcia Rodrigues "só comia curgetes à noite e sabia quantas calorias tinham todos os alimentos". A diretora adjunta de Informação da TVI revela que a amiga "gosta muito de moda, de malas e de sapatos, e é uma companheira divertida em viagens". "Aqui há uns anos, juntámo-nos quatro mulheres (colegas da RTP) e fomos passar quatro dias a Nova Iorque. Foi tão divertido que, logo que tivemos outra oportunidade, voltámos a juntar-nos com outros amigos e fomos para Roma e Florença", conta a responsável pela Informação da estação de Queluz de Baixo.

A caminhada da jornalista na RTP começa em 1988. Dois anos depois, estreia-se como pivô da estação, tendo estado sempre em antena, primeiro nos dois canais e depois, com a chegada do cabo, tanto na RTP Internacional como na RTP Informação. Em 1999 torna-se coordenadora do departamento de informação não diária. Haveria ainda de passar pela direção de Informação no tempo de Rodrigues dos Santos.

Carlos Matias é o repórter de imagem que esteve com a jornalista na revolução do Egito, no início de 2011. Conhecem-se há vinte anos, começaram a carreira juntos na estação pública de televisão. O repórter de imagem, amigo da jornalista, não esconde a tristeza com a ida de Márcia para Washington. "Estou contente por ela, mas tenho pena. Da última vez que trabalhámos juntos, na Grécia, disse-lhe 'tenho pena que vás. Por mim, não ias'!", conta Carlos Matias, que não poupa nos elogios à ex-editora de política internacional. "A RTP em Lisboa vai perder uma profissional enorme." Ruanda, Israel, Bósnia, Congo, Iraque, Afeganistão são apenas alguns dos países onde a repórter esteve. "Sempre preparada", como conta Carlos Matias. "Já a vi preocupada e apreensiva", explica o repórter de imagem que afirma, no entanto, que o medo do jornalista em situações de conflito "é sinal de consciência do sítio onde se está". "Não tenho dúvidas de que a Márcia terá um mecanismo de defesa, como eu também tenho", explica. No terreno, Márcia "é uma excelente companheira". "Quando estamos neste tipo de reportagens, vivemos praticamente juntos. Ficamos em quartos contíguos. É uma grande colega e amiga", diz Carlos Matias, que destaca a "alegria efusiva" com que ela encara os desafios. "Ainda hoje acho que essa é uma das características mais marcantes dela."

José Rodrigues dos Santos, que também é colega de longa data de Márcia Rodrigues, destaca o empenho da jornalista. "É uma pessoa muito informada e muito envolvida no seu trabalho.".O pivô do Telejornal recorda um dos episódios mais marcantes que viveu com a próxima correspondente em Washington. "Lembro-me que cobriu a noite da Guerra do Golfo em 1991 na RTP2 enquanto eu fazia o mesmo na RTP1." Sobre a vida da jornalista fora do trabalho, Rodrigues dos Santos afirma que Márcia Rodrigues tem uma grande paixão pelos livros.

Fonte da RTP que prefere manter o anonimato diz que Márcia "não é uma pessoa de grupinhos". "Não anda em rebanho como os outros, que almoçam todos juntinhos e a seguir entram no carro de reportagem e vão a falar mal." "Ela é uma grande camarada de equipa, sempre presente, preocupada com o colega, pouco comum nos dias de hoje, em que reina o vedetismo", conclui.

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