'A Essência do Amor': A caminho da maravilha com Malick

Chegou às salas portuguesas "A Essência do Amor" (no título original "To the Wonder"), o filme que sucede a "A Árvore da Vida" na obra do cineasta norte-americano Terrence Malick. Este é o primeiro de vários novos filmes que, depois de uma filmografia de escassos títulos em mais de 30 anos, promete dar-nos mais estreias nos próximos tempos.
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Título: 'A Essência do Amor'

Realização: Terrence Malick

Eis um filme que já nos chega amaldiçoado - o menosprezo de grande parte da crítica de cinema pela mais recente obra-prima (dizemos nós) do norte-americano Terrence Malick fez-se sentir imediatamente pela Internet quando competiu no ano passado no Festival de Veneza. Não há quem deixe de fazer piadas em torno do filme e do realizador e o portal Rotten Tomatoes resume aquilo que aponta como consenso: Malick consegue fazer "imagens bonitas" mas a sua narrativa é "emocionalmente insatisfatória"... As reações extremaram-se e parece já não haver possibilidade de meio-termo com A Essência do Amor (o título original e menos infeliz: To the Wonder). Assim, qualquer opinião favorável será necessariamente uma posição de defesa.

Será preciso recuar no tempo para perceber que a atribuição da Palma de Ouro no Festival de Cannes a um filme tão controverso e com a dimensão cósmica de A Árvore da Vida custou o posterior sucesso de Malick. Depois de se ter estabelecido como autor bissexto (até então, no espaço de 32 anos lançou apenas quatro filmes: Noivos Sangrentos, Dias do Paraíso, A Barreira Invisível e O Novo Mundo), em 2011 a sua carreira foi marcada pela preparação de uma série de títulos que vamos poder ver nos próximos tempos.

O primeiro deles tem estreia marcada em Portugal já a partir de amanhã. O filme é um retrato da odisseia de um amor fracassado (entre um norte-americano e uma mulher europeia no Oklahoma) e de uma crise de fé vivida por um padre da região. Dir-se-ia que os elementos dramáticos se fundem para nos dar a sentir em unidade aquilo que é o grave sentimento de perda e de ausência (do amor e de Deus, entendidos em equivalência). E que isto nos chega como uma longa sinfonia de imagens e sons que bailam para criar uma visão desencantada das relações humanas e espirituais. Estamos então longe da ambição e tom elegíaco de A Árvore da Vida - daqui Malick extrai, como um pintor, apenas a sua linguagem, códigos e modelo de produção.

Desde logo entrando no cruzamento de várias vozes interiores (A Essência do Amor pode mesmo ser entendido como um escorrimento de imagens que nascem diretamente destes monólogos em off), Terrence Malick filma com uma urgência e potência sempre inesperadas. Acompanham-no a sua equipa, preparada para os pequenos acasos do mundo (como a borboleta que tínhamos visto n"A Árvore da Vida), e o núcleo de atores que se entregam em absoluto às suas personagens. Pensamos na melancolia errática de Ben Affleck ou então na comovedora vitalidade de Olga Kurylenko - os seus gestos são pequenas maravilhas para o olhar de Malick, "seguramente um dos mais românticos e espirituais dos realizadores" (nas palavras do célebre crítico norte-americano Roger Ebert, que morreu dois dias depois da sua publicação).

Mas parece que é com Javier Bardem que Malick se "despe": a frontalidade do seu dilema espiritual, a sua visão de uma América interior, esgotada e empobrecida e o perturbante sentimento de abandono de Deus valeram-lhe os risos no primeiro visionamento do filme em Veneza e tornaram-no objeto de anedota e de acusações de anacronismo e mau gosto. Como lidar com isto? Com a mesma honestidade e secreta coragem com que Malick continua a filmar - em direção ao futuro, próximo da maravilha, que só a nós nos pertence.

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