«O programa do CCB não me contenta»

Margarida Veiga, arquitecta, directora do Centro de Exposições do CCB desde 1996, deixou o cargo a 31 de Março e regressou ao IAC. Explicando que, face aos cortes orçamentais, não quis descer a fasquia da qualidade
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Porque saiu do CCB?
Por duas razões. Foram sete anos de completa e total dedicação ao Centro de Exposições, a construir de raiz uma programação que não existia. E acho que fechei um ciclo, porque me senti realizada e cumpri os meus objectivos. A outra razão foi a limitação orçamental. Estamos a funcionar com quase um terço da verba que tínhamos de início, e é quase impossível fazer uma programação com a qualidade e o nível internacional que se procura para o CCB . Não quis descer a fasquia.

Delfim Sardo, seu sucessor, terá meios para dar continuidade a esse trabalho?
Fiquei muito contente por ser ele o escolhido, é uma pessoa com experiência, conhece muito bem o meio e pode dar continuidade ao meu trabalho. Quanto às condições, não sei. Falei-lhe de projectos possíveis, se conseguíssemos outras parcerias.Obviamente, com as limitações deste ano, o programa não me contenta.Houve cortes grandes, coisas a ser trabalhadas que passaram para outros anos e não sei sequer se se farão. É ridículo, porque não havia razão para que não continuasse a haver as mesmas verbas na Cultura.

O que deixou já assegurado?
Todos os processos que estavam em estudo e em andamento, como a retrospectiva de Gérard Castello-Lopes e a exposição de Júlio Pomar. Todas as hipóteses estão em aberto, o Delfim pode assumir para 2004 as responsabilidades que entender.

Precisamente. Há tempos veio a público a falta de exposições para 2004...
Há hipóteses de trabalho, como a colecção Wilde. O CCB tem propostas para 2005/2006, como a exposição de Victor Willing, grande pintor e falecido marido de Paula Rego, em co-produção com a Tate Britain.Mas a exposição de Gary Hill, por exemplo, foi contratada três anos antes. Fazer um trabalho como deve ser (em investigação, textos ou curadoria) é impossível em menos de dois anos. Se não, é um somatório de peças. Há que articular galerias [do CCB ] para chamar vários públicos e levá-los a várias exposições. É um puzzle.E a total confiança num director de programação é fundamental para se poder trabalhar. Há um orçamento, estipula-se o programa e a grelha é feita - embora com acertos, como o Guardi, reagendado para coincidir com a Festa da Música. E é preciso trabalhar para colocar os artistas portugueses no circuito internacional. Tem que haver visão, não entrar na pequenez da intriga.

O CCB negociava exposições com instituições estrangeiras, tendo como moeda de troca a colecção Berardo e a colecção do Museu do Design, cuja situação está ainda por definir...
É muito importante um espaço com 8 mil metros quadrados ter colecções permanentes e trabalhá-las a fundo. Defendo que a colecção Berardo deve ser mantida no CCB . Porque é o local adequado, houve um grande investimento para receber a colecção, não temos no País outra desta natureza (em dimensão e qualidade está ao nível de qualquer museu internacional), e é uma moeda de troca fundamental para trazer cá exposições. Quanto ao Museu do Design, acho que ganhámos uma certa força e credibilidade nas relações institucionais (com o Vitra ou Victoria and Albert Museum de Londres). Obviamente, neste momento não se mexe na colecção até haver uma redefinição.No protocolo [com o coleccionador] há uma promessa de doação ao fim de dez anos, e colocar um protocolo em causa tem de ser decidido pelas duas partes. Não foi o caso, e acho que tem que haver uma definição ao nível da esfera política ou da cultura.Há regras e foi feito um grande investimento em estudo e inventariação.Não é como vender uma camisola da Benetton. O CCB é uma fundação com dinheiro do Estado e as coisas têm que ser clarificadas.

A colecção de design pode sair do CCB e juntar-se à de Moda, já comprada pela Câmara de Lisboa, que poderá ir para o Parque Mayer. Acredita, nesse caso, que o protocolo com o CCB terá mais força do que o proprietário?
Não me parece. É algo que me ultrapassa mas o fundamental é que permaneça em Portugal, porque valoriza culturalmente o País e cumpre a importante função de actualizar o conhecimento. Penso que ajudou a mudar o gosto dos portugueses e a parte didáctica, através do Serviço Educativo, foi muito benéfica. Sempre defendi que deve haver núcleos de colecções permanentes no CCB . Aliás, nos estatutos da Fundação há uma cláusula que fala nisso.

OCCB tem em depósitos as colecções Berardo, Capelo e do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), já tinha condições para arrancar com o museu...
Sim, e há privados que gostariam de depositar no CCB outras colecções.Se houvesse abertura para isso, acho que podia ter núcleos museológicos . Mas tem que haver uma linha de orientação segura, para que as pessoas sintam que o País está culturalmente estável.

Parece que o CCB tem essa vontade e há espaço. Falta a vontade de quem?
Não tenho qualquer eco do Ministério da Cultura em relação à actividade do CCB. É o que posso dizer. Ainda ficarei ligada ao CCB porque comissario O Corpo na Colecção Berardo. Poderá será o princípio de um núcleo que vai ficar instalado.

Como directora das exposições do CCB, geria a colecção do IAC.E agora?
Neste momento não há programa de aquisições e, com a fusão do IAC, vamos ver o que acontece. Fiz parte da comissão de compras durante os três anos em que funcionou, mas há dois que não há verbas. A colecção já tem 60 e tal peças e o investimento terá rondado os 150 mil contos.


As aspirações, as fusões e as especializações

A arquitecta pondera futuro no estrangeiro e contesta o modo como se poupa na Cultura. Regressa ao Instituto de Arte Contemporânea (IAC) num momento conturbado, dada a polémica fusão com o Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE)...
Não me parece que permaneça muito tempo no IAC. Fiz parte da comissão instaladora mas nunca estive propriamente em funções, a não ser em comissões ou trabalhos pontuais. Não me sinto ligada a esta nova estrutura e, neste momento, estou a repensar a minha vida. Muito sinceramente, apetecia-me ir para fora. Estou a estudar hipóteses: ou trabalhar num museu ou fazer um doutoramento no estrangeiro sobre a relação entre arquitectura e arte.

Acha possível juntar dois institutos tão distintos?
Não. Fui ouvida numa comissão e perguntei logo se era irreversível.Sempre fui contra. Os projectos não podem ser amalgamados e minimizados em comissões. Para poupar na Cultura, já com um orçamento tão limitado, fundem-se instituições cuja existência faz todo o sentido.Em qualquer país há um instituto de arte contemporânea. Não é preciso staffs nem grandes cargos directivos, mas especialistas que reunam personalidades e desenvolvam projectos.

Revê-se em nenhum papel a desempenhar nesse futuro megainstituto?
Se forem projectos pontuais poderei colaborar. Mas não me revejo nada, até porque a ideia é criar duas áreas - formação de públicos e apoio à criação - onde entra a dança, o teatro e tudo o resto...

O que poderá acontecer à arquitectura e ao design, áreas que o director do IAC, José Manuel Fernandes, tem tentado defender no instituto?
Estes institutos podem por em relação designers e empresários, propor incentivos para que os deixem fazer experiências e lançar novos produtos. No caso da arquitectura, tenho uma posição um pouco diferente: faz-se no papel e constrói-se. É importante fazer exposições, estar nos museus, criar arquivos e estudos de arquitectura portuguesa - a DGEMN já tem esse trabalho e a arquitecta Ana Tostões tem tido um papel muito importante. Mas não é necessário um instituto de incentivo à arquitectura, o que é preciso é que o mercado funcione. Não sou muito a favor das exposições itinerantes produzidas pelo IAC. Pode haver aconselhamento, mas devem ser as autarquias a promover isso.

Portugal já tem pessoas capazes de assegurar isso a nível autárquico?
Estamos no bom caminho mas falta mais formação artística. Fizemos dois cursos de história da arte contemporânea no CCB e ficaram 200 pessoas de fora. Ao nível do público, há vontade de formação.Ao nível de especialistas (em conservação, produção ou curadoria), existem poucos cursos e as instituições deviam ter uma relação directa com a universidade.

Que comentário faz à decisão do ministro da Cultura, Pedro Roseta, de chamar a si a Bienal de Veneza?
Não estou muito dentro da questão, nem quero estar. Segundo sei pelo próprio artista [Pedro Cabrita Reis], estão reunidas as condições.

Essa atitude não poderá repetir-se após a criação do novo instituto?
Penso que foi um caso pontual. Os comissários são de Serralves e pode ter sido para agilizar o processo. O que interessa é que tudo corra da melhor forma e Pedro Cabrita Reis não deixou o assunto em mãos alheias: tem uma empresa internacional a fazer a promoção e a produção das peças é muito boa. Mas não me parece que, no futuro, o ministro queira chamar a si projectos específicos.


O que gostaria que acontecesse com...


Ano Nacional da Arquitectura

Que, para projectos novos em Potugal, houvesse parcerias com arquitectos portugueses. Há uma geração, na casa dos 40 anos, com muita capacidade para entrar em coisas internacionais.

Design Nacional
Que continuasse a trazer cá gente capaz de ensinar e abrir esse meio a outros mundos. E que houvesse maior relação com outras artes, que se estabelecessem relações entre designers, arquitectos e artistas.

Lisboaphoto 2003
Que não fosse uma única edição. Se Portugal se quer afirmar nessa área - como penso que é intenção da autarquia -, que isso seja um acontecimento como o de Paris ou Espanha: algo que crie raízes e se faça anualmente.

Centro de Exposições do CCB
Que a colecção Berardo fosse vista como fundamental para Portugal.Gostava muito que o CCB continuasse a afirmar-se nas artes visuais, arquitectura e design. E que houvesse continuidade no rumo.

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