«Gosto de ver a fotografia a transcender-se»
Walda Marques
fotógrafa
A Iludida não é o protótipo da fotonovela tal como a conhecemos. Há nela um experimentalismo formal e uma ligação à bricolage que se desviam do modelo comum.
É, tem muito a ver com as brincadeiras de criança. Eu brinquei muito com bonecas de papel e, quando não tinha, acabava brincando com as bonecas da moda. Aqui a protagonista é uma boneca, costureira, que tem várias amigas, o mundo dela, e fala da paixão que sente por uma fotografia. É, por isso, e em primeiro lugar, uma história de paixão pela fotografia.
Na composição visual da história entram fotografias suas, mas também algumas de arquivo familiar, ao lado de imagens tiradas a revistas de moda e decoração dos anos 50 e 60. Ou seja, há partes da sua memória que estão ali, que pertencem àquele enredo.
O meu trabalho é sempre em cima de uma história de amor, de alguém que se quer apaixonar. E é também muito em cima da fantasia, do teatro. Geralmente, bebo muito nas histórias de família, mas este nem é um desses casos. A boneca é dos anos 50 e o cenário é todo sessentão. Aqui também me interessa muito a aquitectura, o lugar.
A propensão para chamar artes diferentes ao seu trabalho reflecte a insuficiência de cada uma delas?
O que eu acho é que todas as artes se completam. Quando uma pessoa brinca com uma boneca, ela só troca de roupa. Aqui a boneca tem um universo alargado: além da roupa, ela tem cenários diferentes, lugares diferentes.
Mas podia tê-lo feito apenas fotografando. Não gosta de deixar a fotografia sozinha, é isso?
É verdade. Eu adoro encher a fotografia de coisas. Aí vem o kitsch, que se for bem colocado é uma proposta óptima.
Nesse «encher» da fotografia, porque é que usa sempre processos artesanais?
É o mexer nas coisas, o descobrir, engavetar, depois abrir. É uma coisa meio Pandora. Gosto de tirar imagens de revistas antigas, de livros que se estão a desfazer, e de as colar em novas histórias. Há, portanto, também um lado de reciclagem, já que alguns dos materiais são lixo.
Não é uma perfeccionista...
Não, a trabalhar sou até bem sujinha. Nessa hora não me importo de riscar, de rasgar, de sujar - é gostosa essa coisa de brincar. Sou superperfeccionista a montar, mas quando se trata de mexer, de manusear, não tenho nenhum problema em fazê-lo, seja com as minhas imagens ou com as dos outros. Daí, talvez, não ser muito ligada ao computador. Gosto de ter mão no meio, as coisas têm de ter cheiro. É a fotografia a transcender-se, a ir para outro lugar.
É a primeira artista do Pará patrocinada pelo Ministério da Cultura português e pelo CPF.
É verdade, mas o CPF tem no seu arquivo fotógrafos de Belém, que é uma cidade portuguesa, com muitas coisas que lembram este País.