"Riscos laborais devem ser revelados"

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Entrevista com Luís Lopes, da Autoridade para as Condições do Trabalho

Acaba de ser publicada a lei orgânica da Autoridade para as Condições do Trabalho, que substitui a Inspecção-Geral do Trabalho. O que é que muda?

Vai mudar muita coisa, pois serão concentradas no mesmo organismo a prevenção e a inspecção, para que todo o espaço laboral seja coberto nesta dupla valência. As campanhas sectoriais vão ser feitas em unidades locais, para cobrir o território nacional, o que não acontecia no domínio da prevenção.

Há meios humanos? Quantos inspectores e técnicos têm?

Está em curso a contratação de cem novos inspectores do trabalho. Ainda não é o suficiente, mas já é um passo. Em termos de prevenção, surgiu a hipótese de integrarmos cerca de 20 professores requisitados que já trabalhavam connosco ao nível da educação para a higiene e segurança no trabalho, no âmbito da requalificação dos docentes.

A ideia geral é que as empresas não dão grande atenção à saúde e condições de trabalho e que não cumprem a lei...

A lei diz que todas as empresas, independentemente da dimensão, devem ter serviços de higiene e segurança. E as que têm mais de cem trabalhadores ou actividades de risco podem optar entre serviços internos ou contratar serviços a empresas prestadoras de serviços.

Mas isso não é mais um pró-forma? Que critérios de qualidade?

Essa é a grande questão, a que este ano queremos dar prioridade, lançando auditorias a essas empresas. Também temos noção de que muitas empresas não estão a cumprir os necessários requisitos. Essas falhas já não se verificam nas grandes empresas, o problema são as PME, onde é muito difícil penetrar.

A Comissão Europeia lançou uma campanha para combater as lesões músculo-esqueléticas. Como está Portugal?

Começamos logo por ter o problema grave da má qualidade das estatísticas neste domínio. Mas a nível europeu, as lesões músculo-esqueléticas são já a principal causa de absentismo laboral, sendo igualmente a principal razão de queixa dos trabalhadores. Pela primeira vez, os parceiros sociais elegeram por unanimidade o tema das lesões músculo-esqueléticas como prioridade nas campanhas de prevenção para os próximos anos.

Os portugueses têm das maiores taxas de dores lombares...

É verdade. E há muita gente que atribui erradamente a artroses dores que são músculo-esqueléticas, que são geradas ou agravadas por posturas laborais. E já não são um exclusivo das profissões operárias, mas também das intelectuais e que atingem muito em particular os profissionais de saúde, que têm de movimentar doentes acamados.

E o que se pode fazer ao nível da ACT e das empresas para melhorar estes problemas?

O mais importante é que se perceba que estas lesões são um problema de toda a sociedade e não apenas do universo laboral e que, por isso, requerem uma intervenção global. Há problemas que começam nas escolas. Quando as crianças são obrigadas a carregar mochilas pesadíssimas, por exemplo, estão a criar condições para vir a sofrer este tipo de lesões no futuro. O mesmo se passa quando os miúdos chegam a passar seis horas por dia à frente de computadores, agravando os riscos de virem a sofrer de tendinites. A própria ciência médica e a indústria de mobiliário têm de acordar para a temática da ergonomia no mobiliário utilizado nas escolas, no trabalho ou em casa. Porque as lesões causadas por estes problemas causam efeitos muito negativos nas pessoas, nas empresas e também ao Estado, por via dos custos ao nível da saúde e da Segurança Social.

Mas o que falta? É legislação?

Seguramente não é a falta de legislação, pois, como estamos inseridos na União Europeia, temos as melhores leis do mundo. Mas estamos ainda muito atrasados no domínio da identificação dos riscos para cada uma das profissões. Essa vai ser uma prioridade da Agência Europeia para a Segurança e Higiene no Trabalho em 2008 e 2009. Cabe ao empregador identificar esses riscos e comunicá-los aos trabalhadores.

Como nos podemos defender?

Às vezes bastam, por exemplo, cinco minutos de aquecimento, daquilo a que se chama ginástica laboral , para ter um ganho acrescido em matéria de prevenção e de redução de absentismo. Para prevenir as tendinites, geradas por movimentos repetitivos, devem fazer-se, por exemplo, algumas rotações dos pulsos.

Essa informação não deveria ser do domínio público, sendo difundida pelos serviços de saúde, da ACT, estando, por exemplo, afixada nas empresas ?

Sim. Estamos a trabalhar na hipótese de fazer um guia sobre os riscos músculo-esqueléticos por profissão.

Por que razão somos dos países europeus com maior incidência de acidentes de trabalho? Este ano já houve mais de 117 mortes.

Mais uma vez não é um problema da lei. Temos uma cultura de incumprimento superior à média dos nossos parceiros. É sobretudo um problema de cultura, pois apesar de não termos meios humanos suficientes, nunca poderíamos ter um fiscal atrás de cada empresa.

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