O Diário de Notícias falou com o artista nascido em Londres, no Reino Unido, e atualmente a viver no Porto. .O John já foi um 'runner', um transportador de bandas para os festivais. Como foi?.Foi um trabalho que me surgiu no seio de amigos, músicos também. Tinha chegado a Portugal há pouco tempo e não sabia muito bem o que fazer. Se fosse para andar a conduzir políticos não tinha dito que sim, mas como eram músicos, estava dentro da minha área, aceitei. Foi em 2007, acho eu, e continuei a fazê-lo nos anos seguintes..Há histórias engraçadas desses tempos?.Várias! Os músicos são, na maioria, muito abertos e estão sempre à vontade, portanto há sempre histórias engraçadas. Entram na carrinha e perguntam logo onde podem ir para a farra. Muitas vezes chegam e não querem saber das malas. É a despreocupação total. Havia alturas em que tinha de dar voltas às quatro da manhã porque se tinham esquecido disto e daquilo. Sei que não faziam por mal mas é extremamente cansativo. Pensava "Ah, onde me fui meter". Dizia que não voltava a fazer esse trabalho mas voltava sempre a fazê-lo. Foi divertido. .Os seus pais são portugueses mas o John nasceu em Inglaterra. Mantém uma relação muito forte com a cultura inglesa?.Vim para Portugal para aí com quatro anos. Vim muito cedo mas quando cheguei fui para um colégio inglês e aprendi a ler e a escrever primeiro em inglês. Sim, tenho, porque mesmo depois de ter saído do colégio, (era demais para os meus pais pagarem,) tive aulas de conversação duas tardes por semana. Foi com a minha professora da primeira classe e isso durou anos e anos. Aprendi primeiro a ler na língua inglesa e como ao longo dessas aulas iam-me dando livros para ler, tenho mais facilidade em ler em inglês do que em português..Sentiu alguns choques culturais?.Lembro-me que foi um choque para mim quando passei do colégio inglês para o português, primeiro porque não tinha de usar uniforme. Uma coisa que até gostei, mas achei estranho. Lembro-me dessa sensação. Tinha para aí seis ou sete anos, chegava às aulas e via todos vestidos de maneira diferente, uns com fato de treino e tudo. Achei giro, divertido, mas estranho. Pareceu-me um sistema mais democrático e conheci colegas que não poderia conhecer no colégio inglês, isto porque havia o contacto com pessoas de extratos sociais diferentes. No colégio eram quase todos meninos riquinhos, não tinha os mesmos brinquedos que eles, e havia também uma maior rigidez. Tinha-se que fazer, por exemplo, o assembly de manhã, o alinhamento do que vai acontecer no dia. Uma coisa que se faz em todos os colégios ingleses. Tive, no entanto, um choque maior na altura em que voltei para Portugal, já em adulto. Quando cresci dava muito valor à cultura inglesa: à literatura, à musica, à televisão e ao cinema. Era para mim muito importante. Por isso, quando tinha 21 anos, voltei para Inglaterra e fiquei fora de Portugal muito tempo. O facto de ter passado os vintes e quase metade dos trintas na Inglaterra e depois um ano no Canadá, provocou em mim um choque quando voltei. Estás habituado a uma certa organização e a uma certa eficiência. Lembro-me quando tive de tirar uma autorização de residência, foi complicadíssimo. Esperei imenso tempo, depois naquele dia já não dava. Não é que não aconteça nos outros países mas em Portugal faz parte do folclore nacional..Acha que há algum atraso musical em relação ao que se faz lá fora?.Agora não. Achava isso no princípio dos anos 90, eu fui embora em 95. Achava que nessa altura não se estava a olhar para frente. Apareciam bandas nos meados dos 90 que estavam a regurgitar o que se tinha feito no início da década. Durante muitos anos houve essa mania em Portugal, dos anos 90, do grunge, o que me fazia um bocado de confusão. Quando voltei em 2006 encontrei uma diferença positiva. As pessoas mais novas do que eu tinham uma abertura maior que a minha geração, cá, não tinha. Agora há a internet, que permite o acesso a tudo instantaneamente. Quando era adolescente lembro-me que tínhamos de ir de autocarro à Tubitek, na Praça D. João I, no Porto, e ver que discos chegavam. Não tinha dinheiro para as importações mas havia alguém que comprava e gravávamos a música de cassete em cassete, com os amigos, e fazíamos compilações. Na minha altura tinha que se estar mesmo interessado na música para a descobrir, mas o que me impressionou quando regressei foi a qualidade da música que estava a ser feita em Portugal, completamente a par dos tempos lá fora..Há alguns projetos musicais portugueses que lhe tenham surpreendido especificamente?.Eu tenho sido bastante surpreendido positivamente com os projetos musicais de agora. Posso referir alguns com quem tenho maior proximidade, porque colaborei com eles até antes de existirem. os We Trust, por exemplo. Foi muito importante para mim conhecer o André Tentúgal porque foi um grande impulsionador do meu disco. Mas os We Trust estão a par de qualquer coisa que seja feita em qualquer sitio do mundo..O John é músico mas não foi essa a via que seguiu academicamente..Estudei Teoria de Cinema e Comunicação Audiovisual. Durante dois anos frequentei jornalismo em Portugal mas depois acabei por não acabar o curso e fiz uma especialização no Canadá em guionismo. Embora nos últimos anos tenha trabalhado como tradutor, não foi o curso académico que tirei, mas como sou bilingue ajuda..Sempre esteve ligado a projetos musicais mas só agora é que decidiu avançar com um projeto seu. Porquê só agora?.É verdade. Não sei, as coisas vão-me acontecendo, não sou eu que aconteço às coisas, se é que isto faz algum sentido. Eu às vezes não sou proativo que chegue e pode ter sido isso. Em Londres tive uma banda durante 6 anos e estivemos a editar um EP. Tivemos um single também mas ficou-se por aí. Houve uma altura em que conseguimos o interesse de algumas editoras mas as coisas passam-se muito rápido e o que é uma novidade interessante, uma semana depois já há 10 novidades mais interessantes. Quando deixei essa banda, voltei para Portugal e estava um pouco desiludido em relação à música. Escrevi uns temas e quando conheci o André [Tentúgal] e o Alexandre Monteiro, com quem o André tocava na altura no The Weatherman, eles levaram-me a gravar algumas músicas que são a base deste disco. Mesmo assim, depois de gravar o início decidi parar. Não sei explicar, não é que a indústria musical me tenha feito algum mal mas achei que não estava pronto para editar o disco e andar tocar naquela altura. Não me apetecia..Teve que esperar por uma maior maturação?.Foi assim uma coisa. Também acho que amadureci muito tarde, sinceramente. Mas quando o André me convidou para escrever as letras para os We Trust, para o álbum These New Coutries, fiquei muito contente porque gosto. Tenho mais facilidade em escrever do que compor musicalmente, se calhar, e gosto mais, às vezes. Fiquei muito contente quando me propôs isso porque para além de me dar bem com ele e gostar muito da música que faz tirou-me a pressão musical. Não sou um músico muito dotado tecnicamente, nem nunca quis ser. Fico mais confortável assim porque eles fazem as músicas e eu faço as letras. É uma coisa que gosto muito de fazer e gostava de experimentar com mais pessoas até. Com o André é muito fácil porque dou-me muito bem com ele..Mas para este projeto fez questão de incluir pessoas em que confia e que lhe são próximas..Sim, foi uma parte muito importante. Tenho uma noção muito ingénua da música como uma coisa de amigos. Gosto da ideia da banda de miúdos que se forma na garagem. Agora já estamos numa fase da vida mais avançada, já ninguém vive com os pais felizmente, (risos), mas achei importante ter amigos em quem eu confio e com quem me sinto à vontade para entregar a minha música. Deixá-los colaborar e deixar ter as ideias deles. O André disse-me, "vamos gravar umas demos para ver as músicas que tens e ver o que se pode fazer com isso". Depois o Alexandre pôs a disposição à casa que o pai dele tem no Gerês e sugeriu: "Porque não vamos para lá gravar para não estarmos assim num estúdio em estéreo." Ainda bem, foi muito divertido. Quando cheguei ao Gerês, depois de lá estarmos um dia, achei: "Posso fazer o que quiser aqui, ninguém vai ouvir isto." Não tinha a intenção de mostrar a ninguém. Pensei, "deixa-me só gravar as minhas músicas". Gravámos as guitarras e as vozes, uma ou outra bateria, e foi só o que ficou gravado. Depois as outras pessoas vieram na fase em que acabei o disco, em fevereiro, porque ficou estagnado só com guitarras e vozes, para aí com 3 ou 4 anos. Na última fase pus um bocado o projeto nas mão do Nuno Mendes, que fez um trabalho fantástico. Percebeu mesmo aquilo que eu queria. Ele foi um produtor à moda antiga porque toca tudo: guitarra, teclas, baixo, bateria. Dizia-me, ontem gravei isto por cima daquelas músicas. O que achas, gostas? Pareceu que me estava a ler o pensamento. Ele é muito modesto e não gosta de admitir isso, mas fez uma diferença muito grande no disco..Porquê as participações de Jo Hartley e Lewis Arnold no teledisco de Sunken Low?.Outra coincidência. Um amigo meu que estuda em Londres está a fazer o mestrado em Sound Design para filme, e quando o single estava pronto, queria fazer uma coisa diferente com o vídeo. Deixar nas mãos dos realizadores e trabalhar com alguém com quem ainda não tinha feito nada. Mandei-lhe a música e pedi-lhe para mostrar ao departamento de realização e aos realizadores que estavam a fazer mestrado, para ver se estavam interessados em fazer um vídeo para aquilo. Partindo do princípio que não havia orçamento, claro. Podia dar algum dinheiro mas não havia orçamento. Esse meu amigo foi muito prestável e passou a música a meia dúzia de pessoas. Três realizadores estavam interessados mas houve um que queria mesmo fazer o vídeo. O Lewis Arnold entrou logo em contacto comigo, mandou-me um ficheiro de duas páginas com uma sinopse do que queria fazer com uma lista de séries e filmes que o inspiravam em termos de imagem e abordagem da realização, portanto achei que o projeto ia estar bem entregue nas mãos de alguém cheio de vontade de trabalhar. Disse-me que tinha trabalhado com a Jo Hartley e que ela se mostrou interessada no projeto. Fiquei incrédulo porque já conhecia a Jo Hartley da televisão inglesa e dos filmes independentes em que entrou. Pensei, "se a Jo Hartley disse que sim, nem quero saber de mais nada, faz o filme." Tenho tido muita sorte..As letras das músicas são muito introspetivas e um pouco melancólicas..Eu não sou uma pessoa tão deprimida como as minhas músicas, sou bem-disposto até....Mas é a outra face da moeda..Sim, é isso. Há sempre uma face que mostramos aos outros e outra que está escondida. Aliás, o João Viera, um amigo de há 20 anos, diz que quando mais alegre aparento estar mais triste estou. As músicas não são sobre romances ou corações despedaçados. We Will Destroy Each Other, o título do disco, é uma frase que vi num postal de uma amiga minha ilustradora, a Sara Monteiro. Para mim resume muito bem o que é a experiência humana na nossa sociedade, no nosso mundo. Muitas vezes fazemos mal sem intenção e as outras pessoas fazem-nos mal apenas por estarmos no mesmo espaço, ao mesmo tempo. Acontece. Queria que o disco focasse várias histórias de contacto humano, não necessariamente românticas..Mas o sentido da frase acaba por ser esse. Só destruímos quem gostamos..Eu acho que é mesmo isso. Andamos nesta vida convencidos que temos um propósito, que estamos a fazer a coisa mais importante, que somos o ator principal do nosso filme. Eu sempre me vi como um figurante, sinceramente, porque isso dos atores principais é para as pessoas mais bonitas e carismáticas. Figurante também não digo mas um ator secundário, uma cara com personalidade, como se costuma dizer em inglês. Boa para rádio (risos).Há riscos em se expor numa canção?.Pensei um bocadinho nisso. Até há o risco de as pessoas acharem que as canções são sobre elas e não são. Junto uma salgalhada de referências de coisas que me aconteceram, de coisas que imaginei que aconteciam, de histórias ficcionais e coisas que vais apanhando ao longo do tempo. Às vezes as pessoas dizem, "Ah esta frase é sobre mim?" Mas não, nunca é sobre ninguém em específico, quanto muito é sobre mim. Sinto-me mais confortável a revelar coisas íntimas numa música do que numa conversa. Sou muito falador, tenho sempre qualquer coisa para dizer, mas sobre coisas triviais. Por exemplo, quando alguém quer saber qual o ator que entra em determinado filme podem-me perguntar que eu costumo saber. Tenho o cérebro cheio de informação inútil, montes de trivia aqui dentro. Sou muito falador, nos jantares nunca estou calado mas....Mas as pessoas faladoras costumam ser assim.Sim, estamos a desviar dos assuntos que não queremos que toquem. Não quero que olhem para dentro de mim. Prefiro que as pessoas tenham um vislumbre pequenino através da música do que revelar as coisas numa conversa. A música tem também aquela ambivalência, será que é verdade, será que é ficção..Também há o risco de se pensar que se deve ir a correr para um psicólogo, quando pode ser uma coisa normal..(Risos) Sim. Acho que de certa forma a arte, (se quiseres chamar a música assim, eu prefiro chamar música do que arte), mas sim, é um boa forma de terapia. O facto de o disco ser mais melancólico e calmo também tem a ver com facto de ter feito durante muitos anos música barulhenta, ruidosa e rápida. Por isso é que faço agora este género. Queria experimentar outra coisa..Há uma música no disco que escapa às guitarras e vai por uma outra via, mais eletrónica. Porquê?.Há quatro músicas, uma delas não está no disco, que foram o princípio dos Little Friend. Em casa do Carl Minnemann, o baixista da minha primeira banda quando tinha 18 anos e voltamos agora a tocar juntos, sentei-me e ele disse-me, "grava as tuas músicas". Carregou no record e gravei as quatro músicas que tinha, entre as quais a One Day. Nessa altura gravei-a a tocar só numa das cordas na guitarra, porque queria quanto muito que houvesse um baixo. Mas desde o princípio imaginei aquela música como não tendo guitarra, o que é estranho. A guitarra é o instrumento que sei tocar, bem ou mal é o instrumento que sei tocar, mas aquela música sempre teve uma semente diferente. Pode ser uma via futura para mim, mas não exclusiva. Não me estou a imaginar a fazer um disco de eletrónica sem guitarra. Posso é fazer um disco que tenha uma música eletrónica e as outras não. Gostava de ter sempre espaço para que as pessoas ouvissem e achassem "esta música está mesmo fora de sítio. Até aí dou crédito ao Nuno Mendes. Estava um bocado apreensivo e ele disse-me, "A música pertence aqui, não te preocupes." Porque essa era a minha preocupação, que parecesse que aquela musica tinha caído de paraquedas ali. Mas achei importante ter pelo menos um tema que não tivesse guitarra acústica..Gosta de arranjos simples?.Gosto muito. Foi o meu pedido inicial. Graças a Deus que me pus nas mãos do Nuno Mendes. É mesmo difícil de explicar a quem não esteve no processo mas a verdade é que eu e o André começámos isto, depois com o Alexandre, e era uma coisa; depois de estar no estúdio do Nuno era outra completamente diferente. Correspondeu ao que eu tinha imaginado na minha cabeça. Sabia que estava a lidar com grandes músicos, instrumentistas e produtores. O André, o Alexandre e o Nuno estão habituados a arranjos complexos, com orquestras. Não é que não goste disso, mas não o tinha imaginado para este disco. Pedi-lhes para deixar a música respirar, que houvesse espaços lá no meio. Que é como as músicas que ouço há anos..Isso leva-nos à folk..É verdade, embora ache que a minha música não é muito folk. Mas é uma influência, nem que seja pela simplicidade. Não posso escapar às influências que nos últimos anos me formaram, principalmente quando deixei de ouvir rock alternativo. Ainda gosto mas já não ouço tanto. Há depois aquela santíssima trindade, Neil Young, Bob Dylan e o Leonard Cohen. Ouvi imensa música deles, então o Leonard Cohen tem discos que não têm mais nada a não ser a guitarra e a voz. Gosto muito disso, dessa simplicidade. Se considerarmos que é uma das características do folk, é inegável que eu tenho isso. É uma estética de que eu gosto, coisas muito simples. Não quer dizer que fique sempre assim mas era o que queria para este disco. Queria que houvesse espaço suficiente para as pessoas prestarem atenção às letras também..Pretende abrir o leque musical para a próxima?.Claro, acho que é importante! Acho que todos os músicos têm essa vontade quando fazem um disco, ainda não está acabado e já estão a pensar que para a próxima gostavam de fazer algo de diferente. É natural. Ainda não sei exatamente o que vou fazer no próximo disco, se houver um próximo disco..Ainda não sabe?.Ainda não sei bem o que vou fazer, embora já tenha algumas músicas e ideias. Mas queria fazer uns arranjos e uma orquestração diferente..As composições vão ser mais complexas?.Se calhar numa ou noutra. Vão ser encaradas como mais complexas pelos simples facto de, se calhar, virem a ter mais instrumentos, mas há outras que vão ficar tão despidas como as deste disco. Ainda não sei bem, as coisas mudam tanto. Primeiro queria aprender a tocar piano como deve ser. Sei dar uns toques, mas para mim é dos instrumentos mais bonitos que há..É um instrumento complexo..Tenho um amigo pianista que me disse que o único problema são os primeiros 20 anos, depois é tudo fácil. Quando tiver 60, portanto, vou tocar como deve ser. (risos) Mas as músicas que tenho já compostas, compu-las na guitarra mas já as estava a imaginar no piano. Não sei como vai ser nem como vai ficar. Nunca vão ser tão complexas como Beach Boys ou Beatles. Nunca vão ser assim, mas gostava de mandar umas surpresas lá para o meio, para as pessoas dizerem, " ah não estava nada à espera."