"Quem quer seguir a vida política devia ver esta série"
Um professor de Matemática encontrou uma forma inusitada de manter o silêncio entre os alunos de uma turma mais indisciplinada. E a solução que encontrou foi ameaçar os jovens que faria revelações sobre a temporada seguinte de A Guerra dos Tronos. "Quando houver demasiado barulho vou escrever no quadro o nome da próxima personagem a morrer. Há mortes suficientes para fazermos isto o ano inteiro. E, se for preciso, posso mesmo descrever cada uma delas", avisou.
Mais tarde, um dos estudantes contou que, no momento em que o professor fez a sua ameaça, "cerca de vinte alunos suspiraram de desgosto e houve um silêncio religioso na sala de aula". O esquema, "cruel" mas eficaz, revelou não só a criatividade do docente mas também o poder da produção da HBO, cuja quarta temporada se estreia na terça-feira, às 22.20, no SyFy.
Foi precisamente o sucesso da série a nível mundial que deu mote a um conjunto de entrevistas, realizadas em Londres, Inglaterra, aos seus atores. "Guerra dos Tronos pode ter personagens complexas e uma história intrincada, mas não é uma série padronizada e isso é uma vantagem", começou por dizer Liam Cunningham, que vestiu a pele de Davos Seaworth durante as primeiras três temporadas. O ator irlandês salientou ainda que "é mais fácil abordar determinados temas através da fantasia, de um mundo que não existe", e é isso que acontece com A Guerra dos Tronos. "Reflete a realidade num mundo de fantasia. Os produtores têm uma tarefa complicada porque não facilitaram a vida a si mesmos. Tal como na vida real, todas as personagens têm uma história, motivações, desilusões...", afirmou.
Além do paralelismo que encontra com a vida dos nossos dias, as razões do êxito da história de David Benioff e Dan Weiss baseada nos livros de George R.R. Martin prende-se também com o facto de não ser uma "história de nichos", refere Carice van Houten. "Não faz referência a mundos específicos. Qualquer pessoa se pode identificar com alguém. Há toda uma sociedade representada", frisa a intérprete da sacerdotisa Melisandre.
Amor, ambição, luta pelo poder e sexo estão na base desta superprodução norte-americana que, entre 54 prémios e 105 nomeações, já teve "honras" de primeiro lugar na lista das séries mais pirateadas dos últimos dois anos. A batalha por um trono é aqui relatada, tal como nos livros, de forma explícita e sem subterfúgios. Uma série de fantasia e aventura, na qual os atores encontram mensagens bem mais profundas do que as imagens aparentemente espelham. "A série fala sobre a corrupção nas sociedades. Todos sabemos que Barack Obama [Presidente dos EUA] é fã de A Guerra dos Tronos. Quem quer seguir a vida política deve ver a série. Mostra o que acontece ao ser humano quando se deixa levar pela ambição desmedida", apontou Liam Cunningham.
O jovem Thomas Brodie-Sangster (Jojen Reed) concorda com o colega. "É uma boa amostra do que o poder e a ambição podem fazer à mente humana. Fala da forma como nos pode corromper, ou não, o que é bom e o que é mau e qual a linha que os separa. Acho também que a série aborda as consequências do amor e da confiança, que todos pensamos que são boas - mas será que, no final, funcionam a nosso favor?", questionou o ator de 23 anos.
Também em conversa com a Notícias TV esteve Nikolaj Coster-Waldau, que regressa nesta quarta temporada à pele de Jaime Lannister. O ator dinamarquês comparou o facto de na série as personagens não serem exclusivamente boas ou más, mas sim uma mistura de ambas, com o seu próprio casamento, e referiu que é essa "a realidade" que agrada aos espectadores. "Todos sabemos como devemos reagir e comportar, mas muitas vezes não o fazemos. Sou casado há muitos anos e amo muito a minha mulher, mas de vez em quando zangamo-nos e sabemos que é estúpido e ridículo quando o fazemos, mas as emoções tomam conta de nós. É o que acontece com as personagens desta série e é essa proximidade que atrai as pessoas. Independentemente de existirem dragões e todo um mundo de fantasia, A Guerra dos Tronos é uma série sobre pessoas", explicou Nikolaj Coster-Waldau, para quem os paralelismos com o mundo real são imensos, desde a "luta pelo poder até aos problemas familiares". Ou, como explica Carice van Houten, "a prova de que esta série é real está no facto de, tal como acontece no mundo, os bons também não sobrevivem sempre".
O poder das mulheres
A importância das personagens femininas é uma das características que mais agrada aos atores - e, especialmente, às atrizes. "Não são apenas as mulheres dos reis que ficam nos seus castelos a cuidar dos filhos", começa por dizer Carice van Houten. Esta é uma das razões pelas quais Gwendoline Christie está tão satisfeita com a sua Brienne. "É uma personagem que me emociona muito porque está a tentar fazer algo além do que é convencional para uma mulher. É preciso coragem para o fazer. Ela não quer ser tradicional, casar-se e ter filhos. Quer dar um melhor uso à sua existência e é muito bom interpretar alguém assim", constatou a atriz britânica, para quem o final da terceira temporada foi "arrasador". "Morreu muita gente e pensei que não ia voltar a trabalhar com aqueles atores. Fiquei perturbada", confessou.
Quem também gosta do "poder" das personagens femininas é Sibel Kekilli (Shae). "Aqui, as mulheres não são apenas a cereja no topo do bolo. São também personagens fortes. Elas movem-se num mundo perigoso, um mundo que as torna ainda mais fortes", referiu Kekilli, a quem já "ofereceram dinheiro para revelar o que vai acontecer na série". "Estes fãs são especiais porque adoram odiar uma personagem e adoram amar outra. A maior parte das séries não tem este nível de fanatismo", assegura a atriz, também ela uma adepta convicta de A Guerra dos Tronos. "No início não quis ver a série porque fazia parte dela. Duas temporadas depois começou a ser embaraçoso estar nas filmagens, perguntar "quem é aquele?" e ouvir a resposta "é Joffrey, o rei... Não sabes quem é?". Eu li o guião, sabia que havia um rei, mas não tinha um rosto para ele. Acabei por ver a série e acabei por ficar viciada", denuncia.
Diferenças vantajosas
Ao contrário do que é habitual, as diferenças entre a história narrada por George R.R. Martin nos seus livros e a contada pelos produtores executivos David Benioff e Dan Weiss é vista como um dos grandes trunfos desta produção. Porquê? Porque se torna surpreendente também para quem pensa que sabe o que aí vem. Como explicou Carice van Houten à Notícias TV, "a série não segue a ordem cronológica e histórica exata dos livros". "Eu tenho-os todos na mesa de cabeceira e, por vezes, antes de ir filmar, sou capaz de os folhear à procura do meu nome. Mas não posso ficar agarrada ao que leio, porque pode não acontecer na série. Ou acontecer, mas a outra personagem...", reconheceu a atriz.
Foi o que aconteceu no tão falado Casamento Vermelho, no final da terceira temporada), com a personagem Talisa Maegyr (Oona Chaplin), recorda Liam Cunningham. "Nos livros, ela casa-se com o Rob Stark [Richard Madden] e desaparece. Na série, os produtores decidiram presentear quem já tinha lido a história e sabia o que aí vinha com algo de diferente: a personagem é apunhalada, grávida, na barriga. Quem leu os livros deve ter ficado de boca aberta", apontou.
Sem querer contar pormenores sobre a temporada que aí vem, o ator irlandês disse apenas que, ao contrário do terceiro ano, que teve o seu "clímax no final, neste quarto não vai haver um crescendo, mas sim vários pontos altos ao longo de todos os episódios". "Vai ser uma forma diferente de contar a história, mas com o mesmo grau de loucura", brincou.
O ator escocês Rory McCann (Sandor "The Hound" Clegane) aponta ainda a presença constante dos escritores nas filmagens, o que torna tudo muito mais fácil para o elenco de atores. "Quando há dúvidas podemos mandar um e-mail ao David Benioff ou ao Dan Weiss, ou mesmo contactar o George Martin, e ter uma resposta rápida. Mesmo a meio de uma filmagem. Eles estão sempre acessíveis", enalteceu.
"A escola é um mundo diferente"
"Série extrema em termos visuais", como a apelidou Rory McCann, A Guerra dos Tronos é interpretada por um punhado de jovens atores. À Notícias TV, Isaac Hempstead-Wright (Bran Stark), Maisie Williams (Arya Stark) e Thomas Brodie-Sangster (Jojen Reed) explicaram como lidam com o sangue, o suor e as lágrimas que correm no pequeno ecrã. E revelam que, para lá das câmaras, não têm nada que ver com as suas personagens.
Maisie Williams refere que utiliza as redes sociais para que os fãs de Arya percebam que a atriz é completamente diferente da personagem. "Acho mesmo que as pessoas ficam desiludidas porque eu não sou tão cool [risos]. Mas prefiro que saibam como sou do que tenham uma imagem errada de mim", disse a atriz de 16 anos, com quem os pais falaram sobre a violência de A Guerra dos Tronos. "Explicaram-me que os meus amigos não iam poder ver. Quanto a mim, estava lá quando filmaram essas cenas. Vejo como as coisas são feitas. Lembro-me de uma morte específica em que fiquei à espera de ver o resultado em TV", disse Maisie Williams.
Isaac Hempstead Wright (Bran Stark) completa, afirmando que só quando anda na rua é que percebe o impacto da série. "É estranho pensar que todas as semanas pessoas de todo o mundo veem a minha cara na televisão. Os meus professores assistem mais do que os meus amigos. Estes sabem, e alguns até comentam comigo, mas os professores é que querem saber mais pormenores. A escola é um mundo diferente", sublinha Hempstead Wright, de 14 anos. "Comecei a fazer A Guerra dos Tronos quando tinha dez anos e muita gente pensa que ela domina a nossa vida, que de um momento para o outro passamos apenas a ser aquela personagem. Mas, no meu caso, continuo a ir à escola e a fazer a minha vida normal. A diferença é que no último ano e meio andei a fazer de conta que era aquele miúdo. Não mudou completamente a minha vida. Mudou-a momentaneamente", concluiu.