"Portugal Eléctrico -- Contracultura Rock 1955-1982", de Edgar Raposo e Luís Futre, além de bandas, imagens de discos e de concertos, relatos inéditos e esquecidos, menciona grupos de ex-colónias, traçando, através da "música rebelde", a história recente de Portugal, durante a ditadura.."Isto não é apenas um livro sobre 'rock'n'roll'. É uma forma de expressão e de se mostrar que é preciso fazer alguma coisa hoje - e não só no campo da música - mas também em tudo o que se passa aqui, neste país", disse à Lusa Edgar Raposo..O livro, em forma de álbum, publicado no final de 2013, conta com uma edição limitada com um disco de vinil, temas inéditos dos Tubarões e dos Dardos, e não esquece a influência inicial dos filmes norte-americanos, como arranque da rebeldia de jovens portugueses.."Já havia putos em Portugal que tinham James Dean como referência", disse Luís Futre, 45 anos, referindo-se aos filmes "Rebelde sem causa", de Nicholas Ray, e "Sementes de Violência", de Richard Brooks, que continha música de Bill Haley and the Comets. ."Estamos a falar da década de 1950, que são 'anos de chumbo', uma década de escuridão em Portugal. Na década de 1940, por causa da guerra [1939-45], a rádio americana estabelece-se no nosso país. A base das Lajes é cedida inicialmente aos ingleses e depois aos Estados Unidos e até há bandas de 'swing' portuguesas, como as irmãs Meireles, que parecem americanas. Depois há um período de escuridão com a tentativa de 'folclorização' da música portuguesa", explicou Luís Futre..É neste contexto que surgem as primeiras bandas e um fenómeno que, no início, foi bem visto, até pelo Movimento Nacional Feminino, que o apadrinhou e que só começou a mudar, segundo Luís Futre, quando começaram a chegar os primeiros feridos da Guerra Colonial, iniciada em 1961. .A partir daí, "a juventude começa a ter uma consciência diferente", explicou. ."A partir de 1965, as bandas perdem a inocência. Há letras que focam a existência de bairros de lata. Há a Filarmónica Fraude com 'Animais de Estimação', o Quarteto 1111 e os Steamer's. Há letras sobre a guerra do ultramar como a dos Ekos, com 'Habitat 736', uma canção que fala de um sítio onde há lama e está sempre a chover mas onde um dia o sol virá. O refrão é tão simples como: 'onde tudo é errado eu sou um ser desprezado'", conta Luís Futre..A consciência política só aparece na segunda metade da década de 1960 quando "os conjuntos só duravam um ano, porque um músico ia para o serviço militar e ficava na guerra e depois regressava, sem um braço, sem uma perna", explicam os autores.."Há uma música dos 'Steamer's' que começa com o barulho de umas obras e depois surgem duas vozes. Uma delas pergunta: 'De onde é que vens?' 'Venho da minha terrinha', responde a outra. 'E como é que passas? Passo muita fominha. Onde é que vives? Vivo numa barraquinha. E onde é que fica a barraquinha? Fica no bairro da latinha'. Depois há uma voz distorcida que diz: 'Seus cabrões'. Isto é de 1968, mas o disco saiu em 1970 e foi partido na Rádio Renascença, num programa em que se partiam discos em direto", relata Futre..O livro "Portugal Eléctrico" também inclui o percurso de bandas em Angola, como os Windies, Gémeos VI e a Heavy Band, os Inflexos, de Moçambique, e The Thunders, de Macau, entre outros. ."Aquilo de que pessoalmente gostamos mais é da segunda metade dos anos 1960, quando as coisas são mais interventivas, há uma consciência política e social das bandas e o som se torna mais rico. Há influência dos Estados Unidos, do psicadelismo, das drogas, porque as bandas começam a experimentar coisas novas como o LSD e a marijuana, e existe uma consciencialização da juventude em relação ao estado social do país, que é muito importante", sublinha Luís Futre..O livro termina no início dos anos oitenta, com o movimento Punk em Portugal.."A juventude pode ser alegre sem ser irreverente", lia-se num cartaz que alertava para a expulsão de quem causasse distúrbios, no concerto dos Neptunos no Montijo, em 1965.."Talvez Portugal tenha estado sempre atrasado 30 anos, e talvez ainda esteja (...) e talvez os entraves e dificuldades que se põem aos artistas hoje em dia, sejam um pouco menores do que há trinta anos ou, pelo menos, diferentes. Mas sempre houve e sempre haverá, esperemos, quem reme contra a maré. Quem acredite num punhado de nada, quem ponha a arte em frente do negócio", escreve Paulo Furtado (Legendary Tiger Man), na introdução do livro.