"Pode haver evolução em 40 gerações"
Entrevista. Olivia Judson é bióloga com vasto trabalho de divulgação científica. Esteve na Gulbenkian, numa conferência no âmbito das celebrações de Charles Darwin, mas também é conhecida por um 'best-seller', 'Consultório Sexual da Dr.ª Tatiana para Toda a Criação', cujo tema é a incrível diversidade
Desde Charles Darwin, a biologia evolucionária evoluiu. Que diferenças existem?
Há 150 anos, havia muitas coisas que Darwin não sabia: a idade da Terra, a tectónica de placas, a maioria dos fósseis humanos e, mais importante, não sabia nada sobre genética. A estrutura em dupla hélice do ADN só foi descoberta em 1953. E só recentemente olhámos para o genoma de organismos de maneira completa. Isto permitiu perceber como a selecção natural funciona. Se Darwin aparecesse numa máquina do tempo não reconheceria a biologia, mas as suas ideias foram desenvolvidas de forma incrível.
O processo da evolução é lento ou rápido?
Pode ser rápido. Veja por exemplo a resistência aos antibióticos. A penicilina foi descoberta em 1943 e muitas bactérias desenvolveram resistências. A selecção vem de várias direcções e não notamos as diferenças porque são pequenas. Não vemos a selecção natural, mas, quando surgem forças selectivas poderosas, tudo acontece depressa. Sabemos, de experiências em laboratório, que pode haver evolução substancial em 40 gerações.
Qual é a sua opinião sobre a espécie humana. Vai alterar-se rapidamente?
A população humana está a crescer depressa, o que sugere que a selecção natural não será tão forte como costumava ser.
Parece haver grande diversidade nas estratégias de reprodução das espécies. A que se deve esta diversidade?
Há várias coisas que actuam na reprodução. Por exemplo: se os [os animais] estão concentrados num local numa determinada altura do ano, é fácil encontrar parceiro. A diferença de tamanho entre machos e fêmeas permite fazer previsões sobre o sistema reprodutivo da espécie. Machos grandes, cinco vezes maiores do que as fêmeas, como leões-marinhos, então sabemos que lutam uns com os outros. O tamanho conta na luta e o maior macho tem vantagem. Por vezes, as fêmeas são grandes (a bonélia verde é 200 mil vezes maior do que o macho). Isso acontece quando a fêmea não se move muito. A diversidade de formas reprodutivas depende da ecologia e uma das forças é o comportamento das fêmeas. Onde estas são promíscuas, será natural encontrar competição espérmica [entre os machos]. Como numa rifa: quantos mais bilhetes comprar, mais hipóteses terá de vencer. Outro exemplo: um macho gorila é grande, mas os seus testículos são pequenos; nos chimpanzés é o inverso. Nos gorilas, a tendência das fêmeas é para estarem com um macho de cada vez, enquanto nas chimpanzés há registo de fazerem sexo com oito parceiros em 15 minutos.
A nossa espécie é intermédia...
Sim. Não podemos confundir um macho e uma fêmea gorila, enquanto nos humanos em média os machos são maiores, mas isso não é sempre assim.
O que é que as outras espécies nos ensinam sobre os humanos?
Penso que podemos compreender-nos melhor, à medida em que percebemos a influência da genética no comportamento.
Qual é o papel das emoções?
Darwin escreveu três livros centrais e o terceiro, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, é o mais radical. Ainda é uma ideia revolucionária pensar que os animais têm emoções, que são poderosas e certamente evoluíram. As emoções talvez sejam antigas e os animais devem sentir alegria ou a fúria. Por outro lado, os humanos são uma espécie invulgarmente boa. Capazes de violência grotesca, mas muito menos violentos do que a maioria das outras espécies. Parece que evoluímos para nos tornarmos menos violentos.
Isso é cultural ou tem raízes na biologia?
Tem raízes na biologia e cultura no topo. Porque uma das coisas em que os humanos são bons é na aprendizagem. As crianças com síndroma de Williams são invulgarmente simpáticas. Pode-se ensinar a uma destas crianças que "não fales com desconhecidos", mas ela não consegue cumprir. Têm menos 20 genes, aparentemente envolvidos no comportamento simpático.
E como se explica a violência da espécie?
A luta de diferentes grupos por recursos foi sem dúvida uma das forças na evolução humana.
Acha possível que a espécie humana se torne menos violenta?
Penso que sim. A questão será como organizar a sociedade para salientar os melhores comportamentos. É pouco habitual [na natureza] o tempo que os humanos gastam a preocupar-se com os da sua espécie.
A estratégia dos humanos parece-lhe adequada à sobrevivência?
Há mitos na forma como a evolução é discutida em público e um deles é o da sobrevivência da espécie. Devemos pensar em termos de sobrevivência de linhagens. No entanto, penso que os humanos podem ser capazes de adaptar a estratégia de sobrevivência, mas teremos de ser rápidos, pois estamos a ter um impacto muito elevado e destrutivo no planeta. Estamos a alterar a atmosfera, pusemos alguma coisa em movimento, que é maior do que nós e que não compreendemos bem. Algo imprevisível e perigoso.|