"Para poder vencer o Dakar preciso de triplicar o orçamento"

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O ano passado ficou em quinto lugar no Dakar. Este ano em quarto. Em 2013 vai vencer a prova?

Se dentro de um mês conseguir reunir os patrocínios que espero,

assumo-me como candidato ao título já na próxima edição. Este ano

podia ter conseguido o pódio, mas preferi manter uma regularidade

competitiva ao longo da prova em detrimento do risco que seria arriscar tudo numa ou noutra etapa.

De quanto dinheiro precisa para ser candidato ao título?

Para um determinado patamar é necessário um certo orçamento. No mínimo preciso de triplicar o do ano passado. Neste momento já tenho garantido o valor do anterior orçamento, o que é óptimo, porque para a preparação da edição deste ano recebi as respostas definitivas dos patrocinadores apenas a 7 de De-zembro de 2009. No próximo mês vou tentar arranjar o restante.

Essa disponibilidade dos patrocinadores deve-se, claro, à classificação no último Dakar...

O quarto lugar e o facto de ter disputado o segundo e o terceiro da

geral abriram muitas portas nacionais e internacionais. E daí ter já várias respostas de patrocinadores - e muitas confirmações.

A preparação para o Dakar de 2010 foi então muito limitada por falta

de dinheiro?

Sim, fui fazendo o que podia. Tinha a noção das dificuldades.

Nos desportos que envolvem máquinas qual é a percentagem de mérito a crédito do atleta?

Numa mota, por exemplo, o atleta faz 70 por cento do trabalho. Mas uma boa mota ajuda muito, claro, e quem tem as melhores máquinas leva vantagem. As equipas que ficaram à minha frente têm dois milhões de euros de orçamento. É muito diferente correr nessas equipas ou com o meu orçamento.

Que para este Dakar foi...

Nem vou dizer porque era muito reduzido.

É uma preparação muito cara?

Sou piloto profissional, ando de moto quase todos os dias, tenho despesas com o mecânico profissional, com treinos fora de Portugal, nomeadamente em Marrocos, com as corridas ao fim-de-semana, com os campeonatos do Mundo, enfim, é preciso muito dinheiro.

Mas há os 'prize-money'...

O enduro não tem grandes prize- -money e a federação internacional também não se esforça muito para melhorar a situação.

Quanto gastou o ano passado no total?

220 mil euros. Mas precisava de ter gasto muito mais.

A preparação física também fica muito cara?

Durante muito tempo, sim. Agora, faço preparação física e massagens no Centro de Alto Rendimento do Jamor, uma vez que representei Portugal no campeonato da Europa de enduro e no campeonato do Mundo por Nações, prova em que atingimos o sexto lugar.

Qual é o estado do motociclismo em Portugal?

Há muitos anos que temos pilotos no Dakar, mas em Portugal nunca se ligou muito às motas, mesmo em termos de comunicação social. Como profissional, e com estes resultados, julgo estar a abrir um caminho importante, para que os mais novos tenham a vida mais facilitada, nomeadamente no que respeita a patrocínios. Eu e outros, como o Rúben Faria ou o Paulo Gonçalves, estamos a dar uma boa imagem da modalidade. Antiga-mente era o caos. No primeiro Dakar em que participei, os jornalistas portugueses não faziam ideia de quem nós éramos.

Nas primeiras etapas da carreira quanto custa uma época?

10 mil euros.

Considera-se o melhor motociclista português?

Na modalidade ralis e enduro, sim. No motocross e na velocidade, o Rui Gonçalves e o Joaquim Ro- drigues.

Mas é aquele que tem mais destaque internacional?

Sim, porque tenho o melhor currículo como atleta. Fui vice-campeão do Mundo de ralis.

Que idade tinha quando decidiu ser profissional?

Em miúdo, além das motas, gostava de ser médico ou piloto de aviões. Aos 15 dediquei-me muito às motas, fiz o nacional e fui terceiro. Depois disso achei que devia ter uma vida normal, de jovem, com as diversões próprias da idade e, portanto, parei. Aos 18 anos voltei, convencido de que as motas seriam a minha vida profissional.

Já disse quanto gastou o ano passado. E quanto ganhou?

Nesta modalidade, para haver compensação financeira que se veja há que ganhar provas nacionais e internacionais. Mas não é uma modalidade fácil, nem Portugal nem em lado nenhum.

Voltando ao Dakar - sente-se muito a solidão numa prova tão longa?

Nas motos não há o co-piloto e ainda bem - é menos um com que temos de nos chatear. Mas entre pilotos até conversamos muito, raramente andamos sozinhos.

Os argentinos têm pela motas uma paixão muito semelhante à que sentem pelo futebol. Como é que vivem o Dakar?

É um mundo à parte. Em todas as aldeias e cidades por onde se passa é uma loucura. Impressiona, até. Chegam a formar-se 300 quilómetros de pessoas na estrada.

E como é que a população reage à vossa passagem?

Tive na Argentina um episódio engraçado. Tinha acabado o troço cronometrado, estava com muita sede e muita fome e já não tinha água. Ao fim de 200 km, vi uma placa que dizia água fresca. Encontrei uma banca com dois senhores a assar carne e ali fiquei um bom tempo a comer com eles. Uma carne extraordinária.

Nas provas não há mecânico à mão. Conhece a sua mota de cor...

Claro. Acho que não há nada na minha mota que não saiba tratar.

Como é que o corpo reage a horas e horas em cima de uma mota, em

percursos muito duros?

As pernas, os pulsos e a zona lombar ressentem-se bastante.

No Dakar teve massagens ao fim do dia?

Quando há uma estrutura de fábrica, os pilotos têm massagista. Este ano, não tive massagista no Dakar porque fica muito caro. Entre 12 e 13 mil euros.

Como é um dia normal de treino?

Cerca de 100 minutos de mota em pista, 40 minutos de corrida e três horas de ginásio. São praticamente cinco horas de treino. Há dias em que troco a mota pela bicicleta e pedalo quatro horas.

Não é muito treino?

Em fase de competição chego a andar 10 horas seguidas em cima da mota. Isso é extenuante e portanto é fundamental chegar ao fim do dia em condições.

O cansaço condiciona em que medida um motociclista?

Em primeiro lugar o motociclista sofre sozinho. Depois, com o cansaço deixa de ter coordenação, de conseguir levar a mota para onde quer. A coordenação motora também está muito dependente da condição psicológica.

Trabalha com um psicólogo?

Sim, mas só depois de ter tido o acidente na Argentina, no rali da Patagónia. O Pedro Almeida tem sido fundamental na minha recuperação porque, para além de me ajudar psicologicamente, ajuda- -me a gerir a parte desportiva.

Ainda não está completamente recuperado desse acidente de 2007?

Completamente ainda não.

O acidente foi provocado por um buraco, onde caiu porque se perdeu. É frequente os motociclistas perderem-se?

Acontece. No meu caso, eu vinha de uma paragem por falta de patrocínios. E, portanto, fiz essa prova em piores condições físicas. Fal-tava-me agilidade, coordenação, não soube ler o road book, falhei uma nota e, num buraco, caí num rio seco. Fiquei sem baço, perfurei um pulmão, parti um pé, uma omoplata e perdi 4,5 litros de sangue. Esteve em risco a minha vida e, mais tarde, passado esse perigo, a minha continuação como atleta.

Quanto tempo levou a ganhar coragem para se sentar novamente numa mota?

Dois meses depois andei um bocadinho, mas estava muito frágil física e psicologicamente.

Nunca pensou desistir?

Nunca. Sempre tentei com a ajuda do Pedro Almeida, o meu psicólogo, recuperar bem. Ao fim de cinco meses estava bastante melhor, ao fim de um ano regressei à competição, mas ainda não atingi a forma que tinha antes do acidente.

Neste Dakar, teve um dia particularmente difícil?

Quatro dias antes do final, passei por momentos difíceis numa zona de areia. O corpo não respondia. Mas hoje (quarta-feira) no treino passei por momentos muito mais complicados. Foi muito duro.

A areia é o pesadelo dos motociclistas?

Para a grande maioria, sim. Pertenço ao grupo dos que gostam bastante, até. Porque gosto muito da parte técnica e a areia exige maior destreza. Tenho mais medo das pedras, psicologicamente impressionam-me mais.

Há uma idade para a prática do motociclismo?

No enduro e no motocross, os 35 anos. Nos ralis é diferente - se por um lado a idade não ajuda, por outro a experiência pode ser muito

importante.

Qual é a sua disciplina favorita?

Enduro. Foi a minha modalidade durante 10 anos e é das disciplinas mais completas. Também gosto de motocross, que serve sobretudo para treinar, e divirto-me muito nos ralis.

Herdou do avô e do pai o gosto pelas motas. O pai fez tudo para desenvolver esse gosto quando a maioria dos pais tenta precisamente o contrário, que os filhos não andem de mota. Quais são os erros que levam aos grandes acidentes?

Sim, os acidentes de mota podem ser muito graves, o meu avô quase

morreu num. Numa mota é imprescindível cumprir regras. O maior erro é a condução distraída. Em cima de uma mota é necessário estar sempre concentrado. Outro problema é o acesso a motas de alta cilindrada, motas de 200 cavalos, que pesam 200 quilos e que dão 300 por hora. Sou absolutamente contra a venda destas motas, são perigosíssimas.

Qual foi a máxima velocidade a que já andou fora de competição?

Gosto de cumprir a lei.

E em competição?

185, em terra, e 265 em estrada.

No dia-a-dia usa a mota?

Só quando está muito frio e muita chuva é que uso o carro.

Tem uma mota de sonho?

Eu construo as minhas motos. Em miúdo era a Yamaha YZ 80.

Quanto tempo dura uma mota?

O ano passado usei nove motas.

Guarda as motas dos Dakar em que já participou?

Todas. Esta última foi toda construída em Portugal, é uma Yamaha WR 450, mas do Japão só vieram o quadro, o motor e as rodas. Em regra, uma mota demora cerca de 3 meses a ser construída por nós. A deste Dakar foi feita num mês. Foi necessário um grande esforço.

Qual é o preço final de uma mota para um Dakar?

40 mil euros, para um Dakar. A maioria custa sete mil euros.

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