"O teatro deve despertar as consciências"

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O dramaturgo norte-americano Arthur Miller faleceu esta quinta- -feira com 89 anos na sua casa no Connecticut, vencido pela doença - cancro, pneumonia, problemas de coração. Marido de Marylin, comunista que se calou perante o Comité do Congresso para as Actividades Anti-Americanas, Arthur Miller foi acima de tudo um escritor e um dos que melhor descreveram o lado menos bonito da América. Willy Loman, o herói falhado e infeliz de Morte de um Caixeiro Viajante, é a sua personagem mais emblemática. Em 1949, a peça alcançou um feito inédito ao receber os três prémios mais importantes de teatro o Tony, o Pulitzer e o Prémio dos Críticos de Nova Iorque.

Filho de imigrantes judeus polacos, Arthur Miller levava uma vida confortável, no seio de uma família de classe média, quando a Grande Depressão atingiu os negócios do pai, obrigando-os a mudar o estilo de vida. A frustração tornou-se tema recorrente na sua obra - além de Morte de um Caixeiro Viajante, Depois da Queda (1964), O Preço (1968) ou The American Clock (1981). "Penso que toda a minha geração foi influenciada por isto", confessou em 2003 ao jornal inglês The Guardian. "Havia poderosos a cair todos os dias - algumas vezes literalmente, atiravam-se de edifícios. O grande medo americano é o de cair, na escala social, até ao fundo, em apenas uma hora e meia."

A experiência influenciou também as suas opções políticas. "Nos tempos da Depressão, o marxismo parecia a chave para os nossos problemas. O dinheiro estava nas mãos erradas. Precisávamos de reestruturar a nossa a nossa sociedade. Essa era a minha convicção." O jovem comunista (apesar de nunca se ter filiado) começou a desconfiar do marxismo ainda nos anos 40 mas, nas suas palavras, ficou "entre a espada e a parede porque entretanto começou a Guerra Fria e eu ainda sentia uma enorme gratidão por os russos se terem oposto a Hitler. A ideia de que deveríamos encará-los como inimigos parecia-me errada." As convicções não resistiriam à desilusão que sentiu quando, em 1965, como presidente do PEN Clube Internacional, visitou a União Soviética e a Checoslováquia.

Muito antes desta tomada de consciência, porém, Arthur Miller foi apanhado pela onda de perseguições do presidente McCarthy aos "amigos dos comunistas". O Comité desconfiou de peças como Todos Eram Meus Filhos (1947) ou As Bruxas de Salem (1953) - sobretudo desta, onde, apesar de a acção de situar na Nova Inglaterra em 1692, Miller estabelece um paralelo com a histeria de denúncias e perseguições infundadas. Finalmente, em 1956 o escritor foi interrogado, recusando-se a dar qualquer nome. "Não acredito que um homem tenha que se tornar um informador para poder continuar a praticar a sua profissão livremente nos Estados Unidos", afirmou então. Condenado em tribunal, Arthur Miller tornou-se o rosto dos intelectuais liberais. "A sua força reside na sua moral", considera Mel Gussow, autor do livro Conversations With Miller.

Admirador de Tchekhov e de Ibsen, o dramaturgo que acabaria por receber um Prémio Laurence Olivier (1995) e o Prémio Príncipe das Astúrias (2002), teve um início de carreira complicado as suas primeiras seis peças foram recusadas pelos produtores. Quando, finalmente, em 1944, conseguiu estrear na Broadway The Man Who Had All the Luck, esta ficou apenas quatro noites em cartaz e foi retirada devido a falta de público. A viragem aconteceu com Todos Eram Meus Filhos. Pouco depois, Morte de um Caixeiro Viajante tornou Arthur Miller um nome incontornável no teatro americano. "Um homem não é uma peça de fruta", afirma nesta peça o caixeiro Willy Loman, implorando ao seu chefe para não ser despedido. Não deveria ser descascada e deitada fora. "A missão do teatro é ser um motor de mudança", afirmou Arthur Miller em 1987 ao New York Times. "É despertar a consciência das pessoas para as suas possibilidades."

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