"O pai fica a tomar conta das renas"
Este ano, porque os pais não iam poder estar em casa no Dia de Natal, a família do Miguel e da Filipa decidiu festejar uma semana mais cedo. Juntaram-se todos, tios e padrinhos incluídos, saborearam a consoada e receberam a visita do Pai Natal no dia 17 de Dezembro. "Tivemos que o avisar mas ele não se importou, porque no Dia de Natal ele tem que dar a volta ao mundo", explica, muito compenetrado, o Miguel, de seis anos.
Um ano mais velho, Tomás conta como é que tudo costuma acontecer lá em casa "Quando é quase meia-noite o Pai Natal bate à porta, eu vou abrir e dou-lhe muitos abraços e beijinhos". Enquanto o pai fica na rua, a "tomar conta do trenó e das renas", o Pai Natal distribui os embrulhos e vai-se logo embora "porque tem muitos meninos para visitar". "Eu digo-lhe sempre obrigado", garante o Tomás.
Como quase todas as crianças, Tomás e Miguel acreditam no Pai Natal e, enquanto assim for, os pais não vão contar-lhes a verdade. E fazem muito bem, asseguram os especialistas. "As crianças acreditam no Pai Natal como acreditam nas histórias que lhes contamos, nas fadas e noutros seres", explica a psicóloga educacional Cláudia Silva. Estas pequenas mentiras não são prejudicais e, pelo contrário, diz esta psicóloga, podem ajudar a incutir alguns valores aos mais pequenos, ensinando-lhes, no caso do Pai Natal, "o sentido da justiça, o bem e o mal".
"Acreditar no Pai Natal é saudável", corrobora o pediatra Mário Cordeiro. "Trata-se, afinal, de voltar ao sonho, à fantasia, a algo que não se controla, ao mistério de um velhote de barbas que sabe do que fazemos - a consciência ética é avivada - e que sempre oferece alguma coisa, mesmo que seja carvão aos meninos maus. O Pai Natal não julga os meninos. Julga a forma como se portam, o que é diferente", afirma.
'querido pai natal'. Acreditar no Pai Natal implica todo um ritual. Quando era mais pequeno, Tomás ditava a carta ao pai ou à mãe. Agora que sabe escrever, leva muito a sério esta tarefa. Era ainda Verão e tinha acabado de vir de férias quando se sentou a escrever ao "querido Pai Natal". "Depois vi que não queria aquelas prendas e escrevi a segunda carta e depois a terceira e depois a quarta, que foi a última." Na versão final, Tomás pediu uns quantos videojogos, o livro Crónicas de Nárnia e uma série de peças de roupa, entre as quais um boné do Benfica. E ainda arranjou um espacinho para zelar pelos interesses da mana, ainda bebé, pedindo para ela uma casinha de bonecas e até um fato de princesa para o próximo Carnaval. "Acho que ela vai gostar", sentencia. A carta foi cuidadosamente colocada na lareira até que o Pai Natal a viesse buscar.
Também Miguel já dispensa a ajuda da mãe e escreveu este ano a sua primeira carta ao Pai Natal, copiando, letra a letra, os nomes de todos os videojogos que gostaria de receber. "E recebi tudo", assegura, explicando que o Pai Natal sabe que ele se porta bem e por isso o recompensa.
"O Pai Natal ajuda a perpetuar a magia deste dia e a não banalizar a data", diz Cláudia Silva. Mas Mário Cordeiro é um pouco crítico em relação a estas cartas "em que as crianças fazem exigências" "Um presente deve ser algo espontâneo, que a pessoa dá porque quer, a pensar no outro". Considerando que "a enxurrada de presentes é contraproducente", o pediatra lembra que "a figura do Pai Natal pode ser boa ou má, dependendo de como os pais a administrem" - aproveitando-o para "exaltar o prazer de dar" ou transformando o Natal "numa feira de sinais exteriores de riqueza".
ilusões. Só com a cumplicidade dos pais (muitas vezes eles próprios mascarados de Pai Natal) é possível manter a ilusão e as artimanhas passam a fazer parte das tradições de cada família. O Miguel, por exemplo, sabe que o Pai Natal é muito tímido e por isso fica sempre escondido, a vê-lo de longe, enquanto ele deixa as prendas e come os bolos e os pinhões que o menino deixa perto da chaminé.
Mas este ano, enquanto a irmã de três anos choramingava amedrontada com a ideia de ter um estranho em sua casa, o Miguel encheu-se de coragem e decidiu vir a correr escada a baixo para o interceptar. Foi por um triz. "Ele desapareceu mas a porta da rua estava trancada e sei que não subiu pela chaminé porque não deixou pegadas. Acho que ele é o homem invisível e entra pelas paredes", conclui, com naturalidade. E acrescenta "A nossa casa é um castelo, deve ser por isso."
Apesar de todos os anos ter a visita do Pai Natal (devidamente documentada em vídeo, para que ninguém duvide), num destes dias, também o Tomás apanhou uma surpresa quando foi com a família a um centro comercial e viu "o Pai Natal verdadeiro". Mas logo encontrou a explicação "Ele trouxe a casa dele, que é uma casa de madeira, e estavam os duendes à porta e tudo. Até havia uma seta a dizer que era ali o Pólo Norte."
Elementar. Divergindo na idade do senhor das barbas - o Tomás acha que ele tem "uns 76 ou 77", o Miguel aponta para 300 anos - ambos os meninos sabem que o Pai Natal mora num sítio frio, o Pólo Norte ou a Lapónia, provavelmente com a Mãe Natal, que tem a ajuda dos duendes para arranjar os presentes e que só consegue entregar todas as prendas a tempo e horas porque, como diz o Miguel, "as renas são muito rápidas".