De que forma a televisão que foi vendo ao longo da vida - e eu li numa entrevista sua que viu muito quando era jovem - influenciou a forma como agora escreve séries para televisão?.Influenciou muito. O Brasil tem uma cultura de televisão muito forte. Eu era uma criança asmática e passei muito tempo em casa. Outro dia li uma entrevista do [Martin] Scorsese em que ele dizia que também viu muita televisão porque era asmático. É curioso isso. Há um grande preconceito contra a televisão e eu não tenho esse preconceito, adoro fazer televisão. Sinto-me realizando um sonho de criança..Viu muitas novelas?.Vi muitas novelas, vi todas as novelas. Incrível como não tinha nenhum pudor na época, não tinha muita consciência que não podia. Eu ficava vendo todos os programas de auditório, Chacrinha, Sílvio Santos....Fez uma novela....Sim, fiz como actriz, que coisa doida! E isso foi outra aprendizagem incrível, ficar oito meses dentro de um estúdio vendo uma novela ser feita... Mas eu pretendo fazer outro tipo de coisas para TV. Minisséries.... Novela não quero mais não! É muito trabalhoso e tem o Ibope [instituto brasileiro que mede as audiências] que é uma coisa muito grosseira, eu não me sujeitaria a isso....Como vê a chegada de Os Normais a Portugal em livro - sendo que já estava em televisão, no GNT -, que expectativa tem em relação à aceitação do livro e sua entrada no mercado português?.Fico muito feliz de vir para Portugal em trabalho. Gostaria de ver os meus outros livros publicados cá. Gostaria que os outros programas, como OsAspones, chegassem. Fiquei impressionada que tenha sido com Os Normais..Porquê?.Eu escrevo romances em língua portuguesa, que fazem muito sucesso e são na mesma língua....Se calhar a televisão é uma porta que se abre de outra maneira....A televisão é muito bem feita e é natural que esse sucesso seja impactante. Eu nunca tinha vindo a Portugal, sempre quis vir. É um lugar onde seria capaz de morar, talvez me empenhasse até a fazer televisão aqui....Já tem projectos concretos nesse sentido ou é mais um desejo?.Eu tenho ideias. Saí do Saia Justa mas tenho muitas propostas para continuar na televisão. Gosto de fazer televisão, não só como criadora. Faria um programa aqui....Um programa como o Saia Justa?.Talvez um talk show. Tenho um projecto de fazer um com pessoas normais, dar essa oportunidade para elas falarem. Eu faria certamente um bom talk show aqui. Sou muito indagativa... .Isso é um desafio para as televisões?.É, imagina que coisa gozada. É porque eu não tenho responsabilidades nenhumas, tou pouco me lixando (risos), e aí poderia convidar todas as pessoas... Isso são só ideias mas talvez eu me empenhe a apresentar essas ideias. .Conhece alguma coisa do que se faz de televisão em Portugal?.Nunca vi, não conheço. Ainda não tive tempo de ligar a televisão mas vou ver e provavelmente vou rir muito... Tenho planos para Portugal, gostaria de passar temporadas aqui e poder trazer as minhas filhas e a minha família. Eu como escritora posso estar em qualquer lugar. Se eu tivesse uma justificação eu viria e com muita facilidade moraria aqui. Eu estou a gostar, nunca quis morar noutro lugar....A Fernanda mora em São Paulo? .Sou do Rio e moro em São Paulo. .E não a assusta mudar assim de continente?.Não, inclusive já tinha falado com o Alexandre [Carvalho, o marido], da possibilidade de passar aqui uma temporada. Continuaria trabalhando para a Globo, mandando meus textos, escrevendo as peças, os filmes, tudo....Sente que se viesse escrever para televisão em Portugal iria escrever de forma diferente?.Como romancista eu sinto um certo esgotamento do meu meio ambiente. Eu acho que seria muito profícuo, muito inspirador... .O que está a fazer actualmente?.Um novo programa para o Luís Fernando Guimarães que vai estrear ainda este ano, vou lançar um livro de poesia, estou a escrever uma peça para a Regina Kaiser, dois filmes que vão ser produzidos ainda este ano - um na Globo Filmes e que vendi para os Estados Unidos -, e talvez venha a fazer um programa de televisão. Há convites, mas eu preciso ter um interesse por um projecto que seja mais envolvente... Estou organizando a minha vida em torno do meu trabalho, mas também há a minha família, que eu tenho filhos e há uma faceta do lar, doméstica, muito forte em mim..Deixa as suas filhas (creio que são duas meninas) ver a televisão que via quando era mais nova?.Não... (risos).Porquê?.Porque não tem sentido. Elas vêem desenhos, vêem programas da TV por cabo que são para crianças. Não tenho problemas com a televisão, acho que elas podem ver nos horários certos. A minha infância foi muito difícil, a minha família não tinha posses e eu não podia fazer outras coisas. .Como é que uma nova geração de autores de que a Fernanda faz parte se sente num mercado muito dominado pelos "pesos-pesados" da Globo?.Eu escrevo há dez anos para televisão. Nós somos muito respeitados na Globo e é claro que há muitos ciúmes. Nós somos muito privilegiados porque fazemos um trabalho muito específico que ninguém faz. Eu admiro alguns, reverencio muitos, como o Gilberto Braga. .Qual é o segredo do sucesso?.A equipa. Tudo é muito bem feito. O segredo é esse e é você ter consciência que em televisão não existe "eu fiz", existe "nós fizemos, nós criámos, nós conseguimos", trabalhamos para os actores, respeitamos o estilo deles de interpretação..Escrevemos a pontuação para eles e não precisam fazer nada mais a não ser actuar....Nesta estada em Portugal, o que pensa fazer?.Eu quero ir ao Porto, quero ir a Fátima e a Cascais. Quero passear que eu ainda não saí desta rua. Quero comprar (risos) e não acho que vá fazer programas culturais. Quero sentir as pessoas.