"Holandeses julgavam-se imunes"
Qual o seu principal objectivo ao escrever este livro?
O meu livro foi escrito, não a título de tributo a alguém em particular, apesar de ter visto muito para admirar em pessoas que conheci, incluindo Ayaan Hirsi, mas sim como uma tentativa de mostrar como um país europeu liberal mudou em resultado da imigração, a ameaça do islão revolucionário e outras forças políticas e económicas. Escolhi a Holanda, porque cresci lá e conheço-a bem. Cada país europeu tem a sua história própria, mas todos são confrontados com problemas similares. Quis descrever a forma como os holandeses os estão a enfrentar. Das conversas mais interessantes que mantive durante as viagens que realizei foi com cidadãos muçulmanos da Holanda. Fiquei espantado com a diversidade de opiniões. Se alguma coisa aprendi foi deixar de pensar nos muçulmanos como um grupo monolítico.
Theo van Gogh, no seu estilo provocador, terá passado os limites do religiosamente correcto?
Não penso que o tenha feito, sobretudo do ponto de vista legal. É verdade que, às vezes, era um bocado acintoso e ofensivo, mas não apenas relativamente aos muçulmanos, também aos judeus, cristãos ou qualquer pessoa da qual não gostava. Para alguns muçulmanos era frequentemente generoso e de mente aberta. No meu entender, certamente que não incitou à violência contra os muçulmanos. Era uma pessoa rude, mas isso não constituía razão para o matar.
A Holanda é um país de brandos costumes, de tolerância e aceitação da diferença. Sê-lo-á em excesso, se assim se pode dizer? Ou seja, essas características não se voltaram contra os próprios holandeses?
A sua questão sugere que o que aconteceu não podia ter acontecido em mais lugar nenhum. Infelizmente, podia. Mas este golpe foi particularmente duro para a imagem dos holandeses ou, pelo menos, a imagem que têm deles próprios, porque pensavam que eram imunes a acontecimentos tão dramáticos. Apesar da sua reputação de libertanismo selvagem, a sociedade holandesa é muito burguesa e bastante conformista. Como na Primeira Guerra Mundial, em que a Holanda optou pela neutralidade, a maioria das pessoas, provavelmente, assumiu que o conflito com o islão revolucionário lhes ia passar ao largo. Afinal, os holandeses foram sempre tão bons, tão tolerantes, tão simpáticos para os estrangeiros. Ou assim gostavam de dizer a si próprios.
Na Holanda, o populismo de alguns políticos, nomeadamente com discursos contra a imigração, já assentou arraiais?
O mais interessante do populismo na Holanda reside no facto de não ser exactamente igual ao populismo em França, digamos, ou na Áustria. Apesar de ter tido um partido fascista nos anos 1930, a Holanda não possui uma tradição de extrema-direita. Por exemplo, Pim Fortuyn era uma pessoa fascinante precisamente porque não era conservador. Ou se era, era de um modo peculiar. Antigo homem de esquerda, abertamente homossexual, beneficiou de muitos dos frutos da sociedade liberal do pós-1960, em particular a liberdade sexual e a igualdade. Era da opinião que os muçulmanos representavam uma ameaça a essas liberdades. Ele era nacionalista, seguramente, mas um nacionalista que defendia uma ideia bastante liberal da Holanda. Outros populistas de direita, que vieram depois dele, tais como Geert Wilders e Rita Verdonk, são mais reaccionários e também manifestamente xenófobos. Como Fortuyn, esperam abalar o descontentamento geral em relação às elites políticas. Neste particular, a Holanda é igual aos outros países europeus. As pessoas sentem-se ameaçadas pelo capitalismo global, pela burocracia de Bruxelas e pela imigração. Há o sentimento, entre muitos eleitores, de terem sido desiludidos pelo sistema político, que parece impotente para lidar com estas forças. É por isso que votam em populistas, que prometem uma liderança firme e defender o homem comum contra as fracas e traiçoeiras elites.|