"Há muitos adultos que não sabem ver televisão"
No departamento de programas infantis da RTP, programa-se para os miúdos ou também para os pais?
Nós sabemos que a televisão funciona melhor - por um lado é menos perigosa, por outro lado contribui mais para a formação dos meninos - se eles a virem com adultos. Mas há muitos adultos que não sabem ver televisão. Por isso, tenho a preocupação em ter programas que não seja preciso os meninos verem acompanhados. No entanto, acho fundamental que os pais gostem porque são soberanos dentro da sua própria casa e nós também temos que cativar os pais naquilo que fazemos. Programamos para meninos dos três aos oito e dos nove aos onze anos. O foco da compreensão, da diversidade são os meninos. No entanto, fico muito contente quando um adulto diz que gosta de um programa...
O contacto com quem vê é importante?
Quando recebemos uma carta ou um e-mail, tentamos não só responder aos meninos como também explicar coisas. Por exemplo, o caso do Noddy que cada vez que acaba parece que é o fim do mundo. Um dos pontos da lei do serviço público é a diversidade, não podemos pôr o Noddy toda a vida. A série tinha cem episódios e passou cinco vezes, 500 episódios! Fizemos um comunicado a dizer aos meninos que o Noddy ia acabar. Na primeira semana houve uma reacção muito forte, mas ao fim das duas semanas, deixámos de receber e-mails, as pessoas conformaram-se. Gostaram de ser avisadas.
Uma lição...
E há outra coisa. Nos e-mails nós vamos vendo as modas dos nomes e vamos adaptando às personagens. Os anos 80 eram as Martas e os Diogos, as Joanas, as Patrícias. Agora é Benedita, Vicente, Laura, Clara, os nomes mais antigos. E isso é muito interessante porque vamos dobrando as nossas personagens dos desenhos animados consoante os nomes mais em voga.
E isso pode-se fazer?
Pode. Às vezes deixamos os nomes estrangeiros, quando as marcas exigem. Mas como dobramos tudo, tentamos aproximar os personagens o mais possível dos meninos.
Como vê as séries portuguesas?
Eu acho que as propostas da produção infantil depois da Rua Sésamo passaram a ser muito diferentes. Todas as propostas que nos aparecem agora são ao mesmo tempo lúdicas e educativas.
Há um antes da Rua Sésamo e um depois da Rua Sésamo?
Sim, claramente. Antes era tudo muito mais lúdico, não havia aprendizagem. Depois da Rua Sésamo criou-se uma coisa complemente diferente.
Como está a produção nacional?
A produção nacional tem muitas dificuldades, os produtores não investem porque acham que não é rentável. É muito difícil encontrar patrocinadores porque não há programas infantis baratos. Exigem imensa gente, imensas competências, e essas pessoas têm que ser pagas. Uma dobragem é uma coisa cara temos que ter actores que saibam dizer as coisas, um tradutor que não dê erros, que não ponha os bonecos a dizer "prontos" e coisas do género. Isto é absolutamente fundamental. Além disso, os programas infantis têm imensas canções que devem ser bem adaptadas, bem cantadas, e a pessoa que vai para lá cantar não pode ser a filha do produtor! Tem que ser quem saiba cantar! Custa dinheiro mas é dinheiro bem gasto! A produção nacional tem que ser uma vontade...
E os miúdos são críticos da TV que vêem?
Esta faixa etária é muito competitiva e está habituada a coisas muito boas. As pessoas acham que os meninos pequeninos engolem qualquer coisa - o que em certos casos até é verdade. Agora se nós não lhes dermos uma bitola, eles nunca vão exigir nada. A nossa intenção é fazê-los pessoas exigentes, críticas.
O orçamento da RTP para esta área é suficiente?
É. Estamos muito bem. É um orçamento rigoroso, desde o dia 1 de Janeiro ao dia 31 de Dezembro de 2005. Tenho uma grelha para o ano inteiro para saber quando acabar esta série o que é que vou pôr a seguir. Vou ao mercado em Outubro do ano anterior, começo a comprar em Janeiro e depois só compro no ano seguinte. Temos cerca de três milhões de euros para fazer a programação do canal 2, incluindo todas as estreias, especiais e repetições.
E o que é português?
Muito pouco. Oito por cento.
As novidades?
Vamos ter, em Maio, dois programas sobre sexo muito bem feitos, porque são muito verdadeiros, em que estamos a apostar muito. Vão ser em dois fins-de-semana um chama-se Sex Guide for Youngs e o outro So That's How!. Cada programa tem 15 minutos e queremos fazer um debate a seguir. Além disso, a emissão de Marco e Gina, uma co-produção de 12 países em que Portugal entrou.
Há quanto tempo está com os infantis?
Estive dez anos, interrompi e voltei em 2002. É um privilégio enorme trabalhar aqui mas é um bocado estranho pensar que durante 13 anos quem quis ver a RTP andou a ver a RTP que eu quis. Mas não há entusiasmos como o que eu tenho quando não há directores que sintonizem connosco. Os directores de departamento que eu tive - Adriano Cerqueira, José Eduardo Moniz e Joaquim Vieira - os três foram pais nesse período. Depois veio a Maria Elisa, na altura em que nascem OsPatinhos, porque eu acho que ela percebia as dificuldades das pessoas em pôr os miúdos na cama. A seguir tive o Luís Andrade que foi bisavô e o Manuel Falcão que é avô. Tive a enorme sorte de todas estas pessoas terem bebés!