"Escolhi filmar fora do sistema"

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Entrevista com Roger Corman, realizador

Tornou-se uma lenda do cinema americano por realizar e produzir filmes independentes com pequenos orçamentos - ou mesmo microscópicos - e em pouco tempo, as chamadas "séries B". Em 1960, rodou Little Shop of Horrors em dois dias e uma noite. É o seu recorde absoluto?

Sim. O Robert Towne, argumentista oscarizado e meu amigo, disse-me no final dessa rodagem: "Roger, tens que te lembrar que fazer filmes não é como correr os 100 metros. Não tem nada a ver com velocidade."

E qual foi o filme mais barato que já fez?

Deve ter sido o primeiro, Monster From the Ocean Floor, em 1954. Custou cerca de 30 mil dólares, o que, tendo em conta a inflação, seriam hoje 100 mil dólares [74 mil euros].

Era difícil filmar nessas condições?

Era divertido. E muito tenso. Estava tensíssimo no meu primeiro dia como realizador. No segundo, a tensão tinha desparecido. E passou a ser quase sempre muito divertido.

Disse numa entrevista que era capaz de fazer um filme sobre a queda do Império Romano com dois actores e um arbusto...

Corrijo: dois actores e fogo. Põe-se o fogo num recipiente e filmam-se os dois actores vestidos de romanos através das chamas, a falar da queda de Roma e do incêndio! (risos)

É verdade que todos os filmes que fez deram lucro, e que apenas The Intruder perdeu dinheiro? Ou é lenda?

Foi verdade durante algum tempo, mas depois deixou de ser, porque perdi dinheiro com alguns. The Intruder foi o primeiro, mas quando o lancei em DVD com um comentário do William Shatner e meu, finalmente consegui que o filme desse lucro, uns 40 anos depois de ter sido feito!

Quando se estreou no cinema, alguma vez pensou que ia fazer carreira e ficar famoso na indústria por causa dos filmes de baixo orçamento, ou ambicionava ser um realizador de topo?

Eu não ambicionava nada. Comecei como mensageiro na 20th Century Fox, após formar-me em Engenharia na Universidade de Stanford e um dia vendi um argumento que tinha escrito. Peguei no dinheiro que me pagaram por ele e fiz o meu primeiro filme. Depois de ter produzido dois filmes, comecei a realizar. Não tinha planos a longo prazo, só queria começar. E os filmes começaram a ter sucesso com várias distribuidoras de pequeno orçamento, que continuaram a pedir-me mais filmes. E continuei a fazê-los. Também realizei alguns filmes para estúdios grandes. Correram bem, mas perdia um ano a prepará-los e não tinha controlo total sobre eles. Preferi fazê-los fora deste sistema.

Provou que era possível que um filme barato e feito depressa desse lucro tivesse alguma qualidade, agradasse à crítica e atraísse um público mais exigente. Foi um pioneiro.

Sim, é verdade, embora as minha primeiras boas críticas tivessem vindo de França e Inglaterra , graças a Fúria Assassina, em 1958. Só aí os críticos americanos começaram a reparar em mim. Mas descobri também que, se tivesse um orçamento baixo, podia dar-me ao luxo de fazer coisas que estavam vedadas aos outros e tratar temas mais ousados, como fiz em Wild Angels, o primeiro filme sobre os Hell's Angels e que foi ao Festival de Veneza, ou Os Hippies, sobre drogas, que foi a Cannes. Se estivesse a trabalhar para um grande estúdio, provavelmente não teria podido fazê-lo. Os filmes eram muito caros e eles não podiam correr riscos destes.

Dedicou-se aos filmes de género: terror, ficção científica, policiais. Gosta mesmo deste tipo de cinema?

Gosto. São formatos estabelecidos da cultura popular, e por outro lado permitem-nos acrescentar algo de novo. Por exemplo, o "Machine Gun" Kelly era um cobarde. Baseei Fúria Assassina nisso. Transformei o meu protagonista, o gangster número 1 dos EUA, num cobarde!

Revelou realizadores como Coppola, Scorsese, Peter Bogdanovich, James Cameron e Joe Dante, entre outros, que começaram a trabalhar consigo. Como é que os "descobriu"?

O Francis foi na Escola de Cinema da Universidade de Los Angeles. Precisava de um montador, fui falar com finalistas do curso de cinema e ele pareceu-me o mais inteligente. O Peter Bogdanovich foi contratado para fazer Alvos porque filmava depressa. O Scorsese não tinha sido meu assistente, mas era muito bom. E recomendou-me várias pessoas da Escola de Cinema da Universidade de Nova Iorque, como o Jonathan Kaplan, o Joe Dante, o Allan Arkush e o Jonathan Demme, que foram todos meus assistentes de realização. O Ron Howard trabalhou primeiro para mim como actor e depois como realizador. E escolhi o James Cameron porque vi que ele era muito bom nos efeitos especiais.

O cinema americano vive cada vez mais de continuações. Mas você, mesmo estando no negócio dos filmes baratos e rápidos, nunca fez nenhuma. Porquê?

Fiz só um remake de Piranha. Nesse tempo, quando um filme era um sucesso, não se fazia uma parte II, rodava-se um filme parecido com um título diferente. Quando produzi A Corrida da Morte do Ano 2000, que teve um sucesso enorme, fiz logo outro filme igual com o David Carradine, mas chamei-lhe Corrida Mortal.

Continua a produzir filmes. Não quer reformar-se?

Não, só abrandar o ritmo. Agora vou para a Bulgária supervisionar Cyclops, um filme de monstros da mitologia grega.

Não realiza desde Frankenstein Unbound, de 1990. Não pensa voltar a filmar?

Não, os anos já pesam e é muito cansativo. Há um realizador português que tem quase 100 anos e ainda filma, como é que ele se chama?

Manoel de Oliveira.

Extraordinário! Só posso ter respeito e admiração por ele!

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