"Desesperada vitalidade" matou Pasolini há 30 anos

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Em Lisboa, o Teatro Nacional D. Maria II inaugura amanhã a Infusão de Letras, ou sessão de leituras à quinta-feira, com Pier Paolo Pasolini - a 30 anos da sua morte (1922-1975). João Grosso organizou, com seis intérpretes, a leitura de poemas e outros textos do escritor, polemista, cineasta e dramaturgo considerado "o mais controverso intelectual italiano" (texto secundário), selvaticamente espancado até à morte, na noite de 2 de Novembro de 1975, no areal de Ostia (Roma), em circunstâncias nunca bem esclarecidas num processo dúbio. Recentemente, foi pedida a impugnação da sentença de 1976, fixada em 1979, na versão do massacre perpetrado por uma só pessoa - que fizera arrumar o crime na gaveta do engate homossexual -, e reaberto o processo, perante novos dados. Assumiu-se como "parte ofendida" o município romano, liderado pela coligação DS/Unione, a que preside Walter Veltroni, ex- -ministro da Cultura.

"Pier Paolo Pasolini teria hoje pouco mais de 80 anos e seria interessante saber o que pensava ele das questões políticas e sociais dos nossos dias. Não se pode, porque o assassinaram há 30 anos." Esta afirmação - referida ao controverso criador e interventor no campo artístico, literário, social e político, comunista expulso do PCI, incómodo para todos - pontua Morte di un Poeta(Morte dum Poeta), de Carlo Lucarelli, emitido em Outubro pela estação de TV italiana RAI 3. Uma grande reportagem de investigação, a que acedemos em cópia cedida por João Grosso.

Décadas após ter cumprido uma pena de seis anos, participando num reality show em Março passado, Pino Pelosi, único acusado e condenado pelo crime, sendo então um prostituto de 17 anos, desdizia o que repetira cinco vezes. Preso a conduzir o Alfa 2000 de Pasolini e com o seu anel de rubi no dedo, Pelosi, após ter esmagado com as rodas, várias vezes, o cadáver do antes massacrado, mantivera que tinha reagido contra o homem a cujas exigências sexuais não cedera. Ainda há um ano, em declarações à TV, mantinha a versão inicial. Já em Março, declarava a sua inocência na morte do poeta - imputada a três "pessoas com sotaque do Sul, napolitanos ou calabreses" - e dizia-se vítima do terror, como a sua família, sob ameaças que já não tinha de temer.

Foi esse o ponto de partida para a reabertura do processo, visando reconstituição do crime, a englobar várias pontas soltas e testemunhas não ouvidas no julgamento presidido pelo juiz Alfredo Moro (irmão do dirigente democrata-cristão e primeiro-ministro Aldo Moro, vítima das Brigadas Vermelhas). Testemunhas tais como habitantes do bairro degradado próximo do local do crime, que sempre disseram ter visto mais pessoas e mais do que um carro; ou Sergio Citti, irmão do actor Franco Citti e colaborador de Pasolini, com a história do roubo, do armazém da Technicolor, de bobinas de Salò (obrigando a usar duplicados e cenas retiradas, na montagem do último filme do cineasta).

Segundo a tese desta parte, a pretexto de devolução das bobinas do filme, o realizador fora atraído a uma cilada que visava calar-lhe a voz lúcida e informada, cada vez mais incómoda para interesses instalados - o que é patente no romance inacabado Petróleo e nas suas últimas crónicas para o diário Corriere della Sera. Citti morreu há semanas e a actriz Laura Betti em 2004. As vozes destes amigos do poeta e dirigentes da sua fundação e doutros denunciantes do julgamento-fantoche, tiveram enfim eco para que seja feita justiça. Reabilitação póstuma, que não traz de volta, porém, a voz polémica de Pasolini, silenciada para sempre.

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