"Com fartura de energia sempre pode ser mais barata para a gente"

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"Ai que coisa mai linda, já viste Arminda? Parece o mar... Tão lindo!" Arminda das Neves Correia tem 82 anos e acena que sim com a cabeça, "não haja dúvidas, é um trabalho bonito" que ali está, na terra que a viu nascer e que lhe há-de comer os ossos. As quatro mulheres estão rodeadas de placas de metal por todos os lados, em plena planície alentejana. É a primeira vez que botam os olhos, assim tão de perto, na maior central solar do mundo, que vai ser inaugurada hoje em Brinches, concelho de Serpa.

Em construção desde o Verão do ano passado, a Central Solar Fotovoltaica de Serpa (Beja) será, segundo Piero dal Maso, da Catavento - a empresa portuguesa de energias renováveis que desenvolveu e gere o projecto - "uma promissora fonte de energia alternativa, limpa e fiável" (ver entrevista pág. ao lado).

As quatro mulheres não sabem bem o que aquilo é - "diz que é para dar luz, não é verdade?" -, nem sabem bem se vai ser bom para a terra - "ruim não há-de ser, a senhora não acha?..." - mas para já gostam do que vêem precisamente nas terras onde já muito penaram: "Nasceu e caiu muito cabelo à gente neste sítio. Andámos aqui todas na monda, na ceifa... Quem diria que vinha a nascer aqui isto? É uma maravilha."

Arminda concorda. E põe-se a relembrar tempos idos: "Vim para estas terras aos 19 anos... Muito sangue deitei dos pés, com as frieiras que a geada fazia. O meu patrão até teve pena de mim e deu-me quatro mil réis para ir comprar uns sapatos. Se a gente sonhava que em lugar de trigo ia aqui nascer esta coisa..."

Luís Guerreiro do Cabo, 76 anos, e José Jacinto, 79, também miram, em verdadeiro êxtase, a paisagem modificada. "É pá! O que para aí vai de placas... Tchhhh! Está aqui muita obra. Até me admiro disto! Como é que fizeram isto tão leve [depressa]?" José Jacinto puxa o chapelinho preto para o lado e coça a cabeça: "Ainda aqui não tinha arrimado! Já tinha visto de longe, mas assim ao pé é que a gente vê bem. Cuidava que fosse uma obra mais pequena."

Mas não é. Instalada numa área de 60 hectares, dos quais 32 estão cobertos por 52 mil painéis fotovoltaicos, a central é a primeira grande instalação a entrar em produção em Portugal, e será a maior do mundo até à entrada em funcionamento da central fotovoltaica projectada para a Amareleja, no vizinho concelho de Moura.

Para já, em Brinches sobram as dúvidas. "Se houver fartura de energia sempre pode ser mais barata para a gente. É cá o meu entender", afirma, esperançoso, o senhor Luís. "O pior é se há fartura de energia e a gente paga o mesmo ou mais", responde Zé Jacinto. "Lá isso é verdade. Há sempre quem se governe bem e quem se governe mal..."

Mais adiante, Idália Ferreira, 65 anos, deixa uma correcção importante, para que seja feita justiça no que toca aos protagonismos: "Estão sempre a dizer que a central é em Serpa. A central não fica em Serpa. Fica em Brinches. O concelho é Serpa mas o sítio certo é Brinches! A nossa aldeia. Amanhã vem cá o Presidente Cavaco e Silva. À nossa aldeia!"

O orgulho de pertencer à aldeia que entra agora para o mapa dos acontecimentos contrasta com o desgosto pela ausência de empregos, que a central não veio resolver. Maria de Guadalupe Carvalhuço, 40 anos, desempregada, tem tristeza e desalento no olhar: "A central deu trabalho a muita gente durante a construção, mas agora... Agora nada. Isto é uma miséria. Deviam era construir fábricas para dar trabalho à gente."

O mesmo lastima Pedro Abrantes, 30 anos, soldador. "Trabalhei na central, a soldar as placas. Foi muito bom mas agora acabou-se. E é assim que vamos ficando esquecidos, aqui no Alentejo".

Há em Brinches quem acredite que virão pessoas para "ver isto", há quem nãopense da mesma maneira. João Galamba, 55 anos, taxista, abre o vidro do Mercedes e encolhe os ombros, desalentado: "A central é boa para o País mas para o Alentejo não vejo benefício nenhum." E não acha que vão aparecer aí turistas, para ver a maior central solar do mundo? O taxista sorri um sorriso desesperançado. "Não... Aquilo tem pouco de ver. É um montão de latas e mais nada."

Maria Gertrudes Almada, 68 anos, não renega a central, que acha bonita, "ó lá se acho". Mas olha-a com respeito e prefere esperar para ver: "Dizem que aquilo vai fazer aqui mais calor... Ora, a gente já leva com 39º à sombra! Então é que a gente morre assados como as sardinhas! Ai mãe. Jesus!"

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