"A minha paixão não é o futebol, é a rádio" (Entrevista a Fernando Correia, jornalista)
Começou a fazer rádio em Dezembro de 1956 e, passados 50 anos, em Fernando Correia a paxáo pela rádio não esmoreceu . Tem na sua voz, bem colocada, o seu bem mais precioso para chegar aos ouvintes com honestidade. Chegou ao jornalismo desportivo por desilusão, mas empenhou-se e hoje os seus relatos são tidos como exemplares. O programa Bancada Central é o seu ex-líbris radiofónico, que marca presença na antena da TSF há 12 anos, e que o aproxima todas as noites dos ouvintes, que o estimam e respeitam.
Acha que a Bancada Central marca os seus 50 anos de carreira de uma forma especial?
Ao longo de 50 anos fiz muitos programas, a diversas horas do dia, mas este é o primeiro interactivo. E a Bancada Central marca de facto a parte final da minha carreira, que já devia ter terminado há muito tempo, mas a TSF não me deixa ir embora. Não só por causa da Bancada, como também por causa dos relatos de futebol que ainda vou fazendo.
Como é que faz a gestão dos estados de espírito dos ouvintes da Bancada Central?
As pessoas têm um grande respeito por mim e isso é importante. Não ralho com eles, mas exerço alguma pedagogia sobre as intervenções menos felizes, e os ouvintes aceitam. O futebol também serve para descarregar emoções e frustrações e, por vezes, os intervenientes não percebem que um telefone corresponde a um microfone que está no ar. Mas este é um programa que vale a pena e com cada vez mais aderentes.
Mas há quem se queixe de que falam sempre os mesmo ouvintes?
A partir das 19.30 o Samuel [o telefonista] recebe as inscrições dos ouvintes. O que acontece é que quem gosta muito de falar a essa hora já está a ligar para a TSF, por isso aparecem os cromos crónicos todos de enfiada. Só depois das 21.00 é que começam a surgir os outros que, de vez em quando, entram no programa. Mas este é um formato que pretende ser democrático.
Quando se transporta para uma cabine num estádio para fazer um relato é outro Fernando Correia?
Não. Fui sempre o mesmo e essa é a minha grande vitória. Procurei ser durante toda a vida ser igual a mim mesmo, esteja num estádio de futebol, esteja a fazer uma grande reportagem, com a mesma voz, vontade, energia e tranquilidade. O segredo do êxito na rádio é a pessoa ser sempre igual a si própria. É aí que se vê os grandes comunicadores.
A sua relação com a rádio não começou com o futebol...
Não. Começou há 50 anos a fazer programas de carácter particular, culturais. Depois tive uma passagem pela BBC. A sério comecei na Emissora Nacional, em 1958, onde estive dez anos a fazer tudo menos futebol. Quando começou a Guerra Colonial fiquei um pouco traumatizado, porque me sentia "a voz do dono". Nessa altura, dirigi-me ao Artur Agostinho, que foi meu orientador de estágio, e disse-lhe que gostava de experimentar outra coisa. Ele propôs-me fazer um relato. Não me saí mal. Ou seja, troquei uma carreira que poderia ter sido bonita, e que tinha mais a ver comigo, pelo futebol.
E aí apaixonou-se pelo futebol?
Não me apaixonei, mas senti que fazia bem e comecei a juntar o futebol às minhas outras actividades.
Como se deu a sua saída da Emissora Nacional?
Veio o 25 de Abril e fui suspenso durante três meses pela primeira comissão de trabalhadores que houve na rádio portuguesa. Achei uma afronta e pedi a demissão. Fui para o Rádio Clube Português. Mas ao fim de oito meses deu-se a junção entre as duas rádios e foi tudo integrado na estrutura da RDP. Nessa altura, comecei a trabalhar na nova Rádio Comercial. Onde estive até o Emídio Rangel me convidar para a TSF.
Nessa altura já só se dedicava ao desporto?
Sim. Fui a única pessoa neste País que editou o desporto de todas as estações, excepto na Renascença.
Não é um apaixonado pelo futebol, mas é um apaixonado pela rádio?
Claro. A minha paixão é abrangente: é a rádio. Às vezes perguntam-me porque é que nunca fui para a televisão? Porque não me atraí, mas a rádio sim. A rádio tem para mim uma envolvência que a televisão nunca terá na vida. Quando se liga a rádio implica uma vontade, enquanto a televisão é um hábito.
Mas a televisão é o grande concorrente da rádio para se ver um jogo de futebol?
Há que desmistificar isso. A rádio e a televisão cada uma tem o seu espaço. Eu gosto de ver um jogo na televisão, mas oiço rádio ao mesmo tempo, porque os comentadores de televisão ainda não conseguiram, neste País, encontrar um modelo ideal para comentar um jogo de futebol. Se quiserem entender isto como uma critica, que seja. Acho que tenho autoridade para o fazer...
Um relato de futebol, em qualquer dos meios, implica sempre ritmo?
Implica ritmo, festa, alegria. A função de um jogo de futebol é marcar golos, não é evitá-los. Logo um relato não pode ser fúnebre, como acontece na televisão. Na rádio não. E há aí gente nova a fazer relatos muito bem feitos.
A morte do Jorge Perestrelo fê-lo pensar na continuidade da sua carreira. Porquê?
Pensei se valeria a pena continuar. Tinha perdido parte da minha voz, porque fazíamos os relatos em conjunto. Mas a TSF continuou a precisar de mim e resolvi ficar como uma forma de prestigiar, não só o Jorge, mas todos os grandes relatores que já ficaram pelo caminho. Sou o intérprete do relato passado e actual, uma vez que sou o relator mais antigo em exercício.
Acaba por ter o feedback dos ouvintes na sua Bancada Central?
Também. Ninguém é indiferente ao elogio e fico realmente muito feliz quando me dizem: "gostei muito do seu relato". Para além de que tenho uma vantagem. Sou sócio do Sporting desde que nasci, não fui eu a escolher, foi o meu pai, mas eu depois habituei-me à ideia. Nunca escondi qual é o meu clube, e por isso também me acham piada. Para mim o que é importante é que acreditem no que o relator está a dizer.