"A minha mulher acabou de matar a minha filha"

Publicado a
Atualizado a

Aminha mulher acabou de matar a minha filha." Eram 22.28 do dia 18 de Janeiro de 2006 e começava assim o alerta telefónico dado por um homem para o INEM. Quando a equipa médica entrou na vivenda da Rua dos Lambos, em Maceda, Ovar, deparou-se, num quarto, com o cadáver de uma menina de 14 anos, atingida no peito por um tiro de revólver. No corredor, a mãe, uma médica reformada de 50 anos, ainda não sucumbira aos três tiros que alegadamente dera a si própria, mas as manobras de reanimação do INEM foram infrutíferas.

Explicações para este trágico acontecimento ainda não há muitas, mas a Polícia Judiciária, que está a investigar o caso, suspeita que a mãe matou a tiro a filha, suicidando-se de seguida. Primeiro, disparou por duas vezes para o peito e, finalmente, para a cabeça. Segundo fonte policial, o revólver foi encontrado junto do seu corpo.

O pai e marido, um vendedor também na casa dos 50 anos, terá chegado pouco depois e foi ele quem avisou o INEM, que fez deslocar para o local duas ambulâncias (uma de Ovar e outra de Esmoriz) e uma viatura médica. O homem passou todo o dia de ontem na sua residência, na companhia de mais familiares, longe do olhar dos jornalistas e de alguns curiosos.

Manuela Rocha foi médica de família no Centro de Saúde de Silvalde, em Espinho, durante mais de uma dezena de anos. Deixou de o ser há cerca de um, reformando-se por incapacidade. Diz quem a conhecia que a senhora estava com uma depressão e, aparentemente, a sua alegada debilidade psicológica terá estado na origem da tragédia.

"Era muito boa médica, muito atenciosa. Mas eu já tinha reparado que ela não andava bem. Às vezes dizia-lhe 'Ó sra. doutora, hoje vem com uma cara', e ela respondia 'Se soubesse a minha vida. Há momentos em que penso que mais valia...'", recorda Margarida Lopes, sua doente em Silvalde, que fez questão de estar presente para apresentar condolências à família.

A família vivia há cerca de cinco anos em Maceda e, por isso, até os moradores da mesma rua pouco sabiam da sua vida. "Nunca ouvi gritos nem me apercebi de alguma anormalidade entre eles. Era um família perfeitamente normal", conta uma vizinha. Um pouco mais acima, no quiosque onde todas as semanas mãe e filha tentavam a sorte nos jogos dos milhões, o retrato coincide. "Aparentemente era uma família normal. As duas andavam sempre juntas e não havia nada que fizesse supor uma tragédia destas", diz o proprietário do estabelecimento.

Tenta-se na porta ao lado, um pequeno café também frequentado pela família, e nada de novo. "O pai e a menina vinham cá muitas vezes tomar o pequeno-almoço, antes da escola", revela a senhora atrás do balcão. Faz uma pausa e ameaça uma lágrima "A menina tinha uns olhos tão lindos." Recompõe-se e acrescenta que já se tinha apercebido de que a médica andava doente. "Às vezes ouvia o marido a falar ao telemóvel e a dizer 'ela agora está melhorzinha'."

Na rua, a vivenda térrea, protegida por muros altos, continuava a ser o centro das atenções de quem passava e de quem lá ia só para ver... não se sabe o quê. Ninguém da família quis prestar declarações e só a custo a porta era aberta para que os amigos ou simplesmente conhecidos pudessem manifestar o seu pesar. Um sentimento partilhado pelos colegas de Manuela Rocha no Centro de Saúde de Espinho, que tutela a unidade de Silvalde, que se escusaram a falar sobre os eventuais problemas da médica.

O funeral de mãe e filha reali- za-se hoje e parte, às 16.00, da Ca-pela de Perosinho, em Vila Nova de Gaia.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt