"A internet foi a minha salvação"
Não tem a menor das dúvidas. As empresas estão a desperdiçar um capital precioso quando abdicam por completo do concurso das pessoas mais velhas. "Nós, os seniores, tomamos decisões muito mais rapidamente do que uma pessoa jovem, porque fazemos uma leitura dos problemas mais afectiva e emocional, menos intelectualizada. Reconhecemos os padrões das situações e avaliamos com base nas experiências que vivemos e memorizamos", afirma Daniel Serrão, 82 anos, professor catedrático jubilado de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina do Porto.
Uma das decisões rápidas e sábias tomadas pelo professor foi escolher almoçarmos na Marisqueira do Miguel, onde nos banqueteamos com um robalo escalado com arroz de amêijoas, que estava divino, como convinha, aliás, atendendo a que estava a ser servido a um conselheiro do Papa. Há 14 anos que Serrão integra a Academia Pontifícia para a Vida, que aconselha o Santo Padre em matérias de bioética.
Acompanhámos a refeição com um EA branco, como não podia deixar de ser, pois o nosso convidado foi fundador da Lasvin (Liga dos Amigos da Saúde, Vinho e Nutrição), organização que está desactivada mas tinha o seguinte lema: "O vinho é o bem- -estar da alma e a alegria do coração, bebido a tempo e com moderação."
Sepultámos com um pudim abade de Priscos uma refeição em que não passámos fome, apesar de o professor avisar que "quem passa fome morre muito mais tarde", recomendação a que o mais velho dos seus seis filhos (o indefectível portista Manuel, celebrizado pela Noite da Má Língua) não liga.
"O envelhecimento pode trazer muitas coisas positivas. A grande riqueza das pessoas é o que elas arquivam da sua experiência de vida. Com a idade, estou mais tolerante. Hoje à minha volta sinto tudo mais arredondado", garante.
Está mais tolerante mas nem por isso menos activo, pois anda sempre a correr de um lado para o outro. Deixou de dar aulas de Anatomia Patológica na Faculdade de Medicina, mas passou a leccionar Bioética, na CESPU (Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário) e na Católica, e Antropologia na Escola Superior de Educação Paula Frassinetti. Abandonou o laboratório de análises clínicas (onde se gaba de ter feito, entre 1975 e 2002, 1,6 milhões de análises sem nunca ter cometido um único erro), mas continua a não ter um dia livre.
Recém-chegado de Brasília, onde apresentara uma comunicação perante 300 bispos brasileiros, tinha estado na véspera em Trás-os- -Montes (a região onde nasceu) - de manhã a falar sobre eutanásia aos alunos da ES de Alijó e à noite, em Bragança, num debate sobre a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Depois do almoço seguiu para Lisboa onde participou num programa televisivo de Maria Elisa sobre "o erro médico".
Nasceu em Março de 1928, um mês antes de Salazar assumir a pasta das Finanças, filho do ex-chefe de gabinete de um ministro do Comércio da I República, que na altura era o director de Estradas de Vila Real e não se deu com o Estado Novo.
Serrão fez os estudos entre Viana do Castelo, Aveiro e Coimbra, as terras onde o pai ia sendo colocado. Sempre quis ir para Medicina, não sabe bem porquê, mas admite que tenha sido por, no início da adolescência, ter gostado de uma consulta que fez com o médico Eduardo Santos Silva (avô do fundador do BPI). Licenciou-se em Medicina (17 valores), aos 23 anos, doutorou-se (com 19) aos 31 - e aos 43 já era catedrático. Apesar de jubilado há oito anos, não perdeu o contacto com as novas tecnologias.
"A Internet foi a minha salvação. Não sei como seria capaz de organizar a minha vida sem ela", confessa o professor, que mantém um site actualizado e acaba de reunir sete das conferências que deu ao longo dos últimos dez anos, a convite da Cofanor (Cooperativa das Farmácias do Norte), num livro intitulado Procurar a Sabedoria, Partilhar o Conhecimento, apresentado 2.ª-feira no CCB por Marcelo Rebelo de Sousa - no Porto, a apresentação será em Serralves, no dia 15, e estará a cargo de Leonor Beleza.
"Sei que gosto mais das pessoas agora do que quando tinha 40 anos", atirou, à despedida, o professor, que é a prova viva de que o envelhecimento da população não é uma coisa assim tão má como o pintam.