O que pretende com os títulos dos seus livros? Dar uma resposta literária aos problemas que os leitores enfrentam no dia--a-dia... .Pretendo provocar, mostrar que o livro tem respostas para o leitor e, principalmente, evitar que se confundam com o tipo de literatura de auto-ajuda que pulula nas livrarias. É o caso de Como Proust Pode Mudar a Sua Vida, um título que é quase irónico, uma espécie de paradigma ou até mesmo uma brincadeira mas que no seu sentido mais profundo é verdadeiro. No caso do Consolo da Filosofia, é diferente, porque é mesmo assim, a filosofia pode consolar-nos. .Mas o leitor comum não fica perplexo com essa ajuda de Proust?.Os meus livros são lidos por todo o tipo de pessoas, algumas que nunca ouviram falar de Proust mas que estão interessadas em saber algo. Fui muito cuidadoso quando o escrevi, porque queria ter a certeza de que os leitores do escritor não se sentiriam paternalizados e, ao mesmo tempo, os que nunca o leram, não ficariam confundidos. Não comecei a primeira frase com "Proust nasceu em tal ano", "foi um escritor famoso", pois há um modo de ser didáctico sem parecer sê-lo....Pegar em assuntos problemáticos e torná-los simples....É muito mais difícil ser escorreito do que confuso. Reescrevo os meus livros muitas vezes, pois observo o rigor e o sentido clássico dos escritores franceses, de Montaigne ou Pascal, e tento escrever em frases simples o que é complicado. Gosto da clareza e, por isso, há quem me acuse de ser demasiado simplista e refira "já sabíamos isto, é uma repetição". Creio, no entanto, que isso só os perturba, mesmo a eles, porque são muito inteligentes. Para mim, muitas dessas coisas são novas e para os meus leitores também. .Sente-se professor, filósofo ou escritor?.Escritor, definitivamente. Mas interessado em filosofia, história, política e sociologia. Nunca pretendi ser um filósofo no verdadeiro sentido do conceito, quanto à actividade docente, foi abandonada pelo caminho. .Mas há quem o critique por causa da sua abordagem filosófica! .É injusto porque eu nunca me coloquei na pele de um filósofo. Sou um ensaísta, preocupado com a arte, a história e a filosofia..É um entertainer intelectual?.Há que dividir a questão cultural entre o conhecimento e o entretenimento. Penso que quem escreve os livros que eu escrevo se vê obrigado a encarar estas duas situações em conjunto. Além de que não entendo porque é que os romancistas podem ser entertainers e os não ficcionistas, não, principalmente quando é preciso criar tensão e escrever bem para agarrar o leitor. É isso que tento fazer..A filosofia tem espaço fora da universidade? .Os antigos gregos acreditavam que todos tinham a capacidade de pensar e que o ser humano só ficava completo quando usava essa faculdade. Também acredito nessa capacidade e que ela se reflecte na vida, seja filosoficamente, seja noutras disciplinas. É preciso que se estude e se reflicta a cultura. .A filosofia ainda tem respostas?.Filosofar significa pensar racionalmente e a maioria das questões que preocupam os filósofos nas nossas universidades é muito abstracta. "Esta mesa existe?" São questões pertinentes mas que só preocupam um reduzido número de pessoas. No passado, questionava-se como enfrentar a morte, o que significava a amizade, o que é o poder... Estas ainda são questões importantes para fazer e actuais. Devia existir mais livros de filosofia sobre a timidez ou o não dormir, porque estes são problemas filosóficos, que perturbam o dia-a-dia. É triste que a filosofia se tenha limitado tanto que quase se tornou uma piada. Ninguém está interessado nesse tipo de debate pela simples razão de que ele não fala às pessoas sobre as questões que lhes são importantes..Há quem o defina como um "pensador de bolso para o homem comum"!.Acho que isso pretende ser um insulto. Mas também pode ser encarado de forma mais agradável, o de que há um modo de nos dirigirmos ao público em geral sobre questões importantes sem ter que recorrer a um especialista. O mundo está cheio deles, de pessoas que falam apenas para outras cinquenta pessoas da sua universidade. É preciso rever a forma de comunicar com o cidadão e é isso que tento fazer com os filósofos e com a minha escrita. Não me incomoda que as pessoas digam "nunca ouvi falar desta pessoa mas acho-a interessante". Se isto acontecer, acho que fui bem sucedido na minha tarefa..Usa muitas ilustrações nos seus livros!.Gosto da expressão visual. Usar o olhar é uma forma de explicar melhor. Isso acontece nos livros infanto-juvenis e penso que os adultos também precisam dessa ajuda. Num livro, uma imagem pode criar um contraponto interessante..Dois dos seus livros foram transformados em documentários na televisão... .É uma coisa muito diferente dos livros e não foi um filme sobre o livro. É uma experiência diferente, em que se pode pegar em certas ideias existentes no livro e explorá-las no terreno. São meios que não competem entre si e, ao fim do dia, continuo a sentir-me como um escritor e não um documentarista. No entanto, a experiência mostrou-me o poder extraordinário de um filme que é visto por três milhões de pessoas. Nunca terei esse número de leitores! .Em O Consolo da Filosofia partilhava as ideias de Aristóteles, Nietzsche e outros filósofos famosos para se dirigir ao leitor. Agora, não o fez com tanta intensidade..Usei-os para desenvolver os meus próprios pensamentos, não repeti apenas o que disseram. Utilizei-os selectivamente para ir até onde pretendia, dialogava com eles para colocar cá fora os meus próprios pensamentos como se fosse uma conversa entre dois amigos. Agora, em Status, fui mais selectivo, pondo de parte muito daquilo que determinado autor escreveu, preocupando-me em efectuar uma leitura pessoal. O capítulo com essa pessoa é sobre o que eu gosto das suas teses. Deixei muitos pensadores de fora, como é o caso de Charles Darwin, mas houve que fazer escolhas ou corria o risco de deixar o leitor esgotado. É como num romance, precisamos de nos focar nos personagens principais. .Hoje é mais fácil adquirir outro status? .Nunca é fácil e cada vez mais pessoas têm de escolher entre partilharos melhores estatutos. Não se pode ser mais importante que Bill Gates mas também não se poderia ser mais que Luís XIV. Não quero romantizar o passado e o livro é bem claro nisso, mas ao olhar os paradoxos do progresso, vê-se que foram criadas novas ansiedades. Antigamente bastava saber a terra onde a pessoa tinha nascido ou a sua família para ser referenciado socialmente, hoje pergunta-se sobre a profissão! Mas, as pessoas continuam a sentir-se mal por não atingirem certos estatutos.