"A Antena 1 não se contenta com as audiências da TSF"
NUNO AZINHEIRAChegou à RDP no Verão. Encontrou algo de que não estava à espera?
Não, não tive grandes surpresas. Há pessoas muito boas e admito que isso, por vezes, até nem passe lá para fora. Sob o ponto de vista da organização da empresa, não é surpresa nenhuma, porque sabia bem ao que vinha. Quanto aos produtos que estão no ar, já os conhecia razoavelmente.
A ideia que se tem da RDP como uma empresa "pesada" e "lenta" corresponde à verdade?
Que a empresa é razoavelmente lenta, é sabido. Portanto, também não foi uma surpresa. Por causa da estrutura que tem atrás de si...
Mas isso não será uma inevitabilidade, dada a dimensão do grupo, com a rádio e televisão públicas?
Acho que não. Aliás, é público que tem sido feito um esforço pela administração para agilizar esses mecanismos. Hoje, apesar de a estrutura tradicional se manter, a máquina é mais ágil. Embora reconheça que continua a haver muito a fazer.
A integração da RTP e da RDP no mesmo edifício foi excelente para a televisão, mas mereceu muitas críticas dos profissionais da rádio, que argumentam que nas Amoreiras tinham melhores condições. Era inevitável a fusão?
Do ponto de vista de gestão e da operacionalidade, esta integração faz todo o sentido. Estou particularmente à vontade para dizer isto, porque fui razoavelmente crítico desta solução, porque normalmente, quando se junta o grande com o pequeno, a tendência é para que o grande coma o pequeno.
E essa tendência concretizou-se?
A avaliação deste tempo de vida conjunta é boa. Algumas das reservas que eu tinha mantêm-se, mas compete à rádio ganhar a sua própria visibilidade. Quando se fala em RTP - Rádio e Televisão de Portugal, a rádio perde claramente, porque para as pessoas, lá fora, RTP é a televisão. Portanto, temos de continuar a trabalhar nessa notoriedade da rádio e essa reflexão deve ser feita internamente.
E como é que a rádio pode combater essa espécie de canibalização?
Tem de fazer coisas. A rádio não pode apenas queixar-se do grande poder da televisão, não pode armar-se em coitadinha. Até porque o meio rádio tem virtualidades que a TV não tem. Não se pode é esconder.
Quais são as marcas distintivas que devem separar uma rádio de serviço público de outra, mais comercial?
Quanto aos conteúdos, compete ao serviço público construir programações com vocações próprias, mas que constituam padrões de referência.
Isso, na prática, significa...
A rádio deixou de ter reportagem. As rádios comerciais estão completamente formatadas noutra direcção. Eu acho que a Antena 1 tem de ter reportagem. Outro exemplo as rádios comerciais tenderão a deixar de ter espaços de reflexão. A rádio pública deve tê-los. As rádios privadas têm tendência para desvalorizar o confronto de ideias. Nós temos de ter essa preocupação.
E isso chega?
Não pode ser só isso. Tem de ser também um serviço de proximidade com as pessoas, de causas públicas, empenhado e envolvido com a sociedade que serve. Não pode ser uma coisa distante, razoavelmente institucionalizada, um bocadinho cinzenta, com uma arrogância intelectual absurda. Se é um serviço pago pelas pessoas, não pode ser intelectualmente arrogante. A RDP não pode tentar impor um padrão de pensamento.
E isso é compatível com a convivência no mercado, com a concorrência?
Ora bem, essa é uma questão importante. A rádio de serviço público tem de ser tudo isto, mas não pode fazer o papel de tolinha, em que toda a gente está a falar de uma coisa e ela está a assobiar para o lado e a falar de outra. Isto é, a RDP tem de perceber que há coisas que não a envergonham e que são sensatas e interessam às pessoas.
Quem são os principais "adversários" da Antena 1?
A Antena 1 é uma music news e deve assumir-se como tal, não pode variar ao sabor das conveniências. Eu não me permito viver sem ambição, sem a boa ambição, a vontade de fazer mais, melhor e de chegar primeiro. Eu não me contento com a mesma audiência da TSF. Não nego que os nossos adversários são a Renascença e a TSF.
Portanto, assume que a Antena 1 concorre com a TSF...
Não só com a TSF. A Antena 1 é muito mais do que uma rádio notícias. Se é que a TSF hoje em dia é uma rádio notícias...
Tem dúvidas?
Tenho algumas.
Qual é a sua ambição, então?
A Antena 1 tem claramente que se posicionar como uma rádio generalista, com uma forte componente noticiosa.
O grande desafio não passa por ser uma rádio notícias?
Não, o grande desafio é sabermos preparar-nos para o futuro. E estamos a trabalhar internamente para corresponder às novas exigências tecnológicas. Temos o caminho definido e há que aprofundá-lo. Não há qualquer preocupação do tipo "agora, vou fazer isto para combater a TSF ou a Renascença".
Que Antena 1 quer, afinal?
Queremos continuar o caminho trilhado, afirmando uma componente nacional, que se caracteriza, por exemplo, pela difusão da música portuguesa, independentemente das leis e das quotas. Além disso, temos de ser um ponto de encontro entre África, Portugal e Brasil. No entanto, não podemos ser uma rádio provinciana, que só passe português. Somos um país europeu e a RDP tem de ser uma rádio da Europa atenta aos mercados, e investir na modernidade dos novos sons, um papel que cabe à Antena 3.
Que opinião tem dos projectos de lei sobre as quotas de música portuguesa?
Acho que não se legisla a realidade e, sobretudo, depois de os fenómenos acontecerem. Isto é, o Estado português, ao longo dos anos, desde o tempo do dr. Oliveira Salazar, não se preocupou com a defesa da língua. Agora é tarde de mais. E a rádio está a pagar a fava, como se fôssemos uns grandes malandros que andámos aqui a tocar música anglo-saxónica, como se o Estado não se tivesse demitido desse papel. Isto é o maior embuste que ouvi e é absurdo. Não faz sentido a rádio ser ré neste processo. Se houve aliado da música portuguesa ao longo dos anos, foi a rádio, não foi a televisão.
Mas não concorda que há anglo-saxónica a mais na rádio portuguesa?
É evidente que há coisas erradas na programação das rádios portuguesas, que estão afuniladas, formatadas todas no mesmo sentido.
Mais oferta, mas menos diversidade...
Claro. Nesse aspecto, a rádio regrediu muito nos últimos 15 anos. Não há nenhuma dúvida sobre isso. Importaram-se uns consultores internacionais e formataram rádios iguais às de Miami ou Nova Iorque.
E que efeitos antevê?
Eles serão visíveis a médio prazo. O mercado costuma ser implacável nessas coisas. Quem tomou essas opções vai pagar por elas. Não tenho a menor dúvida. Mais cedo ou mais tarde, isso vai acontecer.